Neste artigo, faço referência a um modelo de intervenção que utilizo de forma genérica na minha prática diária profissional, nomeadamente para casos de apoio aos pais na qualificação da educação dos seus filhos. Na base deste modelo, está o princípio de que, para realizar uma intervenção que seja válida, é fundamental conhecer a realidade das famílias, observando e conhecendo as interações familiares entre pais e filhos, nos seus contextos reais de vida, em casa, fora de casa, e noutras rotinas diárias do seu dia-a-dia, permitindo uma compreensão objetiva das circunstâncias, das necessidades da família e das suas dinâmicas, como um todo.
A realidade social das famílias não é passível de ser observada apenas em entrevistas, no espaço de consultório, nem apenas através escalas de atitudes parentais ou entrevistas. Os comportamentos e as atitudes dos pais e dos seus filhos não acontecem num vazio contextual, pelo que a sua compreensão deve obrigar a uma observação participante nos seus contextos de vida.
Em psicologia, uma conversa em casa, a partir das atividades que aí se desenvolvem, ajuda a identificar as necessidades particulares de cada criança ou adolescente, ou de cada família, e deve acontecer sempre que alguém, pessoa ou instituição, com responsabilidades educativas realiza um pedido de auxílio. Nessas circunstâncias, a função do psicólogo não é só inferir os problemas reais a partir dos problemas relatados, mas fundamentar-se em evidências da observação que realiza das circunstâncias em que estes ocorrem. Nem sempre quem pede ajuda consegue verbalizar adequadamente aqueles problemas, dependendo esta verbalização da tomada de consciência das circunstâncias que os motivam, bem como das expectativas e da disponibilidade para os alterar.
A intervenção com pais deve responder com eficácia às necessidades reais das famílias, para poder fazer um adequado aconselhamento parental, em todos os contextos da vida quotidiana dos filhos (casa, escola e outros contextos significativos) e para melhor conhecer e adequar as estratégias ao local, às situações, que minimizem as consequências negativas para as crianças. Para esse efeito, é preciso que o psicólogo se desloque aos contextos e faça, in loco, uma observação naturalista dos comportamentos, cognições e contextos da vida real, dos familiares e dos interlocutores do quotidiano dos filhos (professores, familiares, treinadores…), criando depois, em conjunto com estes, estratégias integradas de intervenção.
Por outro a lado, a intervenção deve ser realizada num espaço seguro, tranquilo e salutar, que aconselhamos ser a casa dos pais, de forma a permitir construir uma relação consistente, ao longo do tempo, para a adaptação e desenvolvimento harmonioso de vínculos afectivos estáveis e duradoiros entre pais e filhos
No exemplo simples que a seguir apresentamos procuramos ilustrar a necessidade de intervenção nos contextos familiares para a criação de estratégias bem sucedidas na superação dos problemas apresentados — o caso do “João com medo”.
Um certo dia, uns pais vieram ao meu consultório procupados porque o seu filho João, 5 anos, fazia “xixi na cama”. Depois de todos os despistes de ordem física, percebemos que era uma situação que poderia ser resolvida com o apoio psicológico. A primeira sugestão, foi a de colocarem uma pequena luz de presença no quarto, durante a noite, para facilitar a sua ida autónoma à casa de banho, se necessário. Esta foi uma estratégia que não teve sucesso. A segunda estratégia, foi a de acrescentar à luz de presença, uma luz acesa na casa de banho. Mais uma vez, esta estratégia não teve o sucesso esperado. Fui sugerindo outras estratégias, todas sem sucesso. O João continuava a fazer “xixi na cama”. Até que, a certa altura, pedi aos pais se podia ir a casa deles e estar presente no horário de deitar o João. Os pais aceitaram. E rapidamente através da observação do contexto familiar percebi qual era o problema. É que entre o quarto do João e a casa de banho existia um enorme corredor, e que uma luz de presença no quarto e a luz da casa de banho acesa não eram suficientes para iluminar um caminho entre os dois espaços e para garantir a segurança e a supressão do sentimento de medo do João.
O longo e escuro corredor não havia sido valorizado pelos pais, porque fazia parte do seu dia a dia, durante toda a sua vida, e na sua qualidade de adultos não os importunava, não sendo por isso uma informação importante de me comunicar, e como tal, nunca foi tema de conversa nas consultas. A solução então encontrada e que teve muito êxito, foi a de colocar as luzinhas de árvore de natal, ao longo do corredor, entre o quarto do João até à casa de banho para ele deixar de ter medo de aí se deslocar sempre que necessário.
Eva Delgado-Martins
Psicóloga e terapeuta familiar
Fonte: Público
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