Muito raramente os nossos sentimentos são informados se consentem aquilo que sentimos. Através de emoções que se transformam em construções mentais, os sentimentos surgem na sequência daquilo que o Eu decide ou não sentir... sem informar. O que fazemos perante esta atitude no mínimo intrusiva? Aceitamos sem questionar. E com isto fazemos experiências, testes, estudos com o nosso organismo, com a nossa mente. Aferimos resultados, provamos que somos ou não capazes de atingir este ou aquele objetivo. No nosso currículo de vida tem que constar, mas tem mesmo que constar, que conseguimos atingir todas as metas curriculares e que na classificação da vida, ou ranking como se diz atualmente, ocupamos o melhor lugar. Preenche-nos o ego e provavelmente conseguimos um melhor emprego, família, carro, casa, educação, etc.
Consideramos nós que assim é. Aferir tudo isto é importante para termos a certeza de que estamos a fazer o que é correto e que jamais cometemos erros. E se os houver é melhor nem ver para que a classificação não desça. Neste aspeto somos muito infantis, ou seja, escondemos a cabeça e temos a ilusão que ninguém nos vê, mesmo estando o resto do corpo à vista de todos. Somos humanos, não somos máquinas! A vida é feita de tentativa e erro e com o perdão o erro desfaz-se. Ninguém deveria estar a olhar se o meu ranking é melhor que o do outro e com isso sou melhor... porque não sou. Sou apenas igual, apenas com uma história de vida diferente. Posso ser mais exigente e com isso avaliar-me e perceber que pontos posso melhorar, mas para essa aferição deveria pedir autorização ao Eu para perceber se ele aceita e está preparado para se submeter a uma prova.
Claro, que para toda esta aferição, todo este provar de que atingimos metas é necessário a existência de uma população de estudo, transposta para amostra, e aí aplicamos provas a que nos sujeitamos sem ConSentir. Temos que provar a nós mesmos, e sabe-se lá a quem mais, de que estamos aptos socialmente para ocuparmos um determinado patamar social, profissional, familiar, educacional.
A população em estudo nestas provas de aferição é a humanidade e a amostra somos nós. Quem pediu consentimento informado para este estudo connosco próprios? Provas por vezes sem sentido em fases da vida nas quais estamos esgotados, a necessitar de mudar ou pura e simplesmente descansar. Mas mesmo assim, sem consentimento informado do nosso Eu sujeitamo-nos a estas provas de aferição da vida. É mesmo necessário? Bom, se é mesmo necessário há que pedir autorização ao nosso Eu e questioná-lo se se sente capaz depois de um ano de trabalho de realizar as mesmas. Sim, porque guardamos tudo para o fim e obviamente para nós faz todo o sentido que só depois da carga anual toda façamos um balanço do que foi. Muitas vezes fazemos o balanço e não usamos os resultados para melhorar. Servirão apenas para o nosso ego saber que estamos bem classificados e que podemos continuar como estamos.
Pois é... aferir resultados. É assim em todas as circunstâncias da nossa vida e não nos apercebemos – neste grupo também está incluída a Educação, as escolas. As escolas são como o ser humano todas iguais mas com histórias de vida diferentes. E tal como o ser humano são colocadas à prova.
Provas de aferição, para aferir resultados sem consentimento informado? Temos duas populações em estudo, professores e alunos, transformados em amostras por anos letivos. Algum destes elementos em estudo assinou um consentimento informado a autorizar tais provas? Sim, precisamos de aferir se o que estamos a fazer a diferentes níveis é o mais adequado ou não, mas quando são necessárias tantas aprovações para a investigação e tão pouco investimento na mesma, são aferidos resultados através de provas (que só o nome tira o sono a qualquer aluno) sem consentimento das populações em estudo. Solicitar um consentimento é um ato de respeito também e não apenas algo legal. Pedimos permissão se podemos invadir o espaço do outro. Ensinamos as crianças que se deve bater à porta antes de entrar e no fim de contas entra-se pela educação dentro para aferir o trabalho letivo em diferentes disciplinas sem pedir autorização.
Num final do ano letivo quer alunos, quer professores estão cansados, o foco reduziu-se pelas mais variadas circunstâncias, e é precisamente nessa fase que se vão aferir resultados! Se já não há consentimento informado, ainda vamos ter variáveis a criar desvios no estudo, como é o caso do cansaço de ambas as populações em causa. Para já não falar na fase de trabalho na qual os professores estão a entrar para finalizar o ano letivo e na época de férias na qual os alunos já têm a sua mente estupendamente focada. Por outro lado, o facto de não contar para a classificação do aluno este não investe na maioria dos casos, ou seja, mais um fator para alterar o estudo. Isto acontece porque a sociedade está educada neste sentido, se não tenho benefício próprio direto para quê esforçar-me? Não nos apercebemos, mas passamos este tipo de informação aos mais novos. O benefício é individual, mas também é de grupo. Mas o exemplo já vem desviante, quando a classificação da escola se sobrepõe aos seres humanos que a constituem. Se não fossem os alunos e os professores a escola não existia. Não é a estrutura que a faz, são as pessoas. E a essas, sim, tem de ser pedido consentimento informado se querem participar na sua melhoria. Tal como na investigação, o consentimento informado explica o que se vai fazer e pede-se autorização para a participação. Quando bem explicado, na maioria das vezes há colaboração. No caso das provas de aferição o mesmo poderá ocorrer.
Para que a aferição do ensino seja realizada terão que se limpar poeiras que estão a enviesar os estudos e, sim, pedir autorização. Bom, também podemos pensar que se fosse pedida autorização nenhum dos alunos queria sujeitar-se às provas. Pode ser verdade, mas também isto é uma questão de educação humana. Se todos funcionarmos em prol de algo, esse algo torna-se melhor e real. Se os pais, alunos e professores se educarem no sentido de que é importante aferir para melhorar, com certeza que todos contribuem. Mas para isso também deverão ter acesso aos resultados, ou seja, sermos informados sobre que melhoria resultou daquele investimento de tempo e estudo: os programas foram revistos? Investiu-se na melhoria da estrutura da escola? Os professores tiveram melhores condições de trabalho? Os pais entenderam os resultados que lhe são apresentados das provas (saliento que é desafiante perceber aquele tipo de classificação)? E os alunos têm que ter uma resposta concreta de que se sujeitaram a uma prova, mas que da mesma resultou algo muito benéfico para o próprio e para a comunidade. Isto também é Educação para a Cidadania, aprender a crescer em comunidade, desprender do ego que nos leva a considerar que a minha classificação é melhor que a tua e por isso sou melhor.
Concordo plenamente que sejam realizadas aferições, é uma forma de melhorarmos, mas há pormenores que, sim, terão que ser aferidos nestas aferições. E tal como na nossa vida em que deveríamos pedir um ConSentimento Informado ao nosso Eu para saber se está preparado para ser aferido e colocado à prova, também os pais, alunos e professores o deveriam ser.
Vera Silva
Pediatra e Investigadora em Ciências da Cognição e da Linguagem do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa
Fonte: Público por indicação de Livresco
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