domingo, 28 de julho de 2019

A ARMA DA AVALIAÇÃO

Refletir sobre a avaliação interna e externa dos resultados dos nossos alunos faz parte da profissionalidade docente a ajuda-nos a melhorar e a melhor entender o complexo e difícil processo avaliativo. Não é fácil conseguir, com absoluto rigor, transformar a amálgama de elementos e instrumentos avaliativos num número. Muitos professores desejariam mesmo não ter de o fazer. Porém, importa relembrar a distinção entre avaliação e classificação, por vezes confusa entre alunos, docentes e pais. Se a avaliação deve facilitar a aprendizagem do aluno, por sua vez a classificação tem uma função seletiva, procedendo à sua seriação. Ao comparar os alunos uns com os outros e ao transformar toda a informação obtida através dos dados recolhidos sobre cada aluno numa mera escala numérica, a avaliação apresenta um efeito redutor. Deverá ser a classificação o ponto culminante do processo de avaliação das aprendizagens? Ou será possível uma escola onde avaliar não sirva unicamente para fins classificativos?

Levei 41 alunos ao exame nacional de Português. Desses, 7 reprovaram e, tanto eu como eles, sabíamos que isso iria acontecer. Tinham alcançado a classificação mínima com muito esforço; contando com a percentagem atribuída à oralidade na avaliação final, dei-lhes a nota para irem a exame. Sei de colegas que não correm este risco com receio de ficarem mal vistos pela discrepância entre a CIF (classificação final interna) e a nota de exame. Quero lá saber da imagem! Quero mesmo é ajudar o aluno, mostrar-lhe que com esforço poderá alcançar positiva no exame. Porém, isso nem sempre acontece. Dos 34 alunos que fizeram a disciplina de Português, 4 subiram a nota que levavam (entre 1 e 4 valores), para grande surpresa minha (e alguma angústia), devo confessar, levando-me a pensar que, se calhar, não avaliei estes alunos da melhor forma possível. Dos 30 alunos restantes, 22 obtiveram exatamente a mesma nota que levavam ou desceram levemente e 8 desceram para valores negativos de 8 e 9.

De todas as dimensões da profissão de um professor, avaliar é, sem dúvida, uma das mais complexas. Na disciplina de Português, por exemplo, apesar de toda a panóplia de grelhas e de instrumentos de avaliação utilizados, os meandros das palavras podem ser profundamente enganosos. É, por isso mesmo tarefa do professor - ao longo do ano ou do ciclo - conseguir avaliar com a maior objetividade possível, de modo a evitar situações incongruentes ou injustas. Porém, parece-me necessária uma reflexão fundamentada sobre o papel de certificação da escola (através de diplomas, certificados e outros documentos), a que correspondem por vezes graves consequências, nomeadamente a crescente importância do exame assim como do ensino e da aprendizagem a ele dirigidos e o cada vez mais diminuto papel dos comportamentos globais socialmente significativos.

No fundo, interessa refletir sobre a relação entre a certificação da avaliação e as aprendizagens dos alunos. Por outras palavras, o certificado certifica mesmo o que diz certificar? Numa época em que tanto se fala de qualidade, a sociedade deixa-se convencer de que os resultados dos exames a refletem. A meu ver, a procura de excelência na educação não é acompanhada por um sistema de avaliação adequado. Este continua desligado de um processo qualitativo, na medida em que ocorre muito mais frequentemente como punição e ainda muito pouco como um meio de promover a aprendizagem. A experiência da avaliação tem sido - e continua a ser - encarada pelos principais atores que nela intervêm como uma experiência muitas vezes traumática. Porquê? Pela simples razão de que é encarada com uma finalidade única: classificar os alunos, esquecendo a sua função motivadora, reguladora e orientadora no processo de aprender.

A avaliação é a arma a que o sistema educativo e os professores recorrem para garantir o poder – de grande visibilidade social – de que necessitam. O sistema de avaliação como o conhecemos é, no sistema atual, uma das mais importantes formas de legitimar as políticas de educação escolar. Logo, também a sociedade em que esse sistema se insere. Testes e exames, com alguma tradição histórica, funcionam com meio de controlo social e, como tal, representam um poder simbólico na mente dos decisores. E muitos professores talvez não soubessem o que fazer sem eles...

A avaliação está deturpada. A sua função formadora e formativa deu lugar a um frente-a-frente classificador–classificado, em vez de ocupar o papel fundamental no lado-a-lado em que ambos os intervenientes no processo educativo se deveriam encontrar para com ele ganhar. Alvin Tofler escreveu, em O Choque do Futuro, que muito antes do ano 2000, terá desaparecido toda uma estrutura desusada composta por exames, por matérias principais e por menções honrosas. Enganou-se.

Carmo Machado

Fonte: Visão por indicação de Livresco

Sem comentários: