No médio prazo, o problema mais sério da educação resume-se em poucas palavras: que professores vamos ter daqui a dez ou 15 anos, quando a atual geração se reformar? Como estarão eles preparados para educar as novíssimas gerações? Será que serão pelo menos tão conhecedores e dedicados como a geração atual?
Devemos ter confiança no futuro e nas novas gerações. Mas é a nossa, precisamente a nossa, que às vezes toma decisões egoístas e cegas que comprometem o futuro. Um exemplo desse egoísmo e dessa cegueira foi dado recentemente por vários membros do Conselho Nacional de Educação quando disseram que os novos professores não precisam de saber matemática. Sim, foi esse conselho que deram.
Expliquemo-nos. Para se ser professor dos dois primeiros ciclos do ensino básico, portanto de alunos dos seis primeiros anos de escolaridade, é necessário entrar numa Escola Superior de Educação (ESE) ou equivalente, e aí concluir os estudos necessários
Até há dois anos, altura em que entrou em vigor nova legislação, aprovada em 2014, um jovem candidato a professor podia ter deficiências graves em matemática elementar. Podia ter passado todo o Ensino Básico, do 1.º ao 9.º anos de escolaridade, sempre chumbado a Matemática, entrar no Ensino Secundário tendo reprovado no exame do 9.º ano em Matemática, passar todo o Secundário sem contacto com qualquer disciplina dessa área, entrar numa ESE, e só aí voltaria a ter algum contacto, de intensidade e qualidade muito variáveis, e apenas durante breves semestres, com alguns tópicos de matemática elementar. Ou seja, alguém que tivesse deficiências básicas em aritmética e geometria, alguém que tivesse evitado a matemática em todo o seu percurso escolar, poderia candidatar-se a ser professor e vir a ser mestre dos nossos filhos ou dos nossos netos. Pobres alunos!
Estes problemas são conhecidos já há alguns anos e sucessivos governos procuraram soluções. Estas soluções são ainda mais necessárias quando a entrada inicial no concurso de professores para a escola pública tem apenas em conta a nota final dada pela instituição de ensino superior e quando diversas instituições têm critérios de exigência e uma qualidade de formação que se sabe ser muito variável.
Todo este sistema fornece os incentivos errados. Incentiva as instituições a inflacionar as notas de graduação de forma a que os seus diplomados tenham mais possibilidades de ingressar na carreira de professor do ensino público e incentiva os alunos a procurarem as escolas de formação de professores onde pensam que podem obter facilmente melhores notas finais.
Nesta situação preocupante, estabeleceu-se em 2014 um filtro mínimo para os que querem ser professores. Têm de passar pelo menos num exame de matemática do 12.º ano antes de entrarem no ensino superior. A isto chama-se valorizar a profissão docente.
Esse exame pode ser de Matemática A, apropriado para os que seguem engenharia, ciências e outros cursos. Pode ser de Matemática B, para os que seguem cursos mais práticos, para técnicos de eletricidade ou semelhantes. E pode ser de MACS, a Matemática para as Ciências Sociais, para os que seguem cursos de sociologia, ciências políticas, ou semelhantes. Ou seja, é preciso que os jovens que pretendem ser professores de jovens do 1.º ao 6.º ano estudem um pouco para serem aprovados num exame de matemática muito pouco avançada, que inclui um pouco de estatística, incluindo interpretação de gráficos, um pouco de cálculo e de geometria.
É pouco? Sim, é pouco. Mas é um mínimo. Os futuros candidatos a professores sabem, desde 2014, que assim é e, portanto, puderam escolher atempadamente as disciplinas no Ensino Secundário que os preparassem para ingressar num curso de formação de professores. E assim têm feito os alunos. Naturalmente. Sem protestar.
De onde vêm os protestos? Dos que põem acima dos interesses dos jovens os seus interesses próprios, de alguns professores que se preocupam por ter poucos candidatos nas suas escolas de formação de professores, de alguns sindicatos, enfim, daqueles que colocam os seus interesses corporativos acima dos interesses de formação dos jovens. Naturalmente. Esses protestam.
Alguém imagina que quem teve dificuldades ao longo de todo o seu período escolar poderá ser um bom professor de matemática, de português e das outras matérias que um professor do 1.º ciclo necessita dominar para saber transmitir? Alguém dirá que, nem mesmo à matemática mais elementar, incluída nas MACS, se deve exigir um dez para mais tarde poder ensinar aritmética e geometria aos jovens?
É isso que é estranho. Há! E um artigo recente neste jornal, firmado por Lurdes Figueiral, que assina como presidente da Associação de Professores de Matemática, mas que tenho a esperança, melhor, a certeza, de, neste particular, não representar a sua associação, vem precisamente defender que a matemática não é necessária. Que os candidatos a professores dos dois primeiros ciclos podem entrar na escola de formação de professores sem qualquer preparação matemática. Que isso seria compensado mais tarde... É sempre mais tarde... como se a fluência em matemática pudesse ser adquirida razoavelmente num ou dois semestres, por quem tenha sempre evitado as contas, desde a infância à idade adulta.
O artigo merece ser lido. Mas não desanime, leitor, os professores de matemática não costumam incorrer nas falhas de raciocínio nem aderir às falácias que neste artigo aparecem.
A autora defende, por exemplo, que os exames não são instrumentos de avaliação perfeitos. Daí que sejam dispensáveis. Não conheço falha de raciocínio mais evidente. A água que bebo nunca é completamente pura. Devo, portanto, dispensar a água?
Diz que outra prova de os exames serem dispensáveis é esta: “Os problemas de aprendizagem (e de ensino) já há muito estariam resolvidos se os exames fossem solução.” Conclusão: não são necessários exames. Não conheço falácia mais pobre! O mesmo se poderia dizer para atacar os professores. Se a solução do ensino estivesse nos professores, há muito que os problemas estariam resolvidos... então, acabemos com os professores! E se os manuais escolares fossem solução, há muito que os problemas do ensino estariam resolvidos. Acabemos então com os manuais escolares?!
Em lógica isto chama-se um “non sequitur”. E é precisamente para nos ajudar a evitar falácias que Sebastião e Silva introduziu o ensino da lógica no Secundário e que os novos programas de matemática a incluem.
Curiosamente, Lurdes Figueiral intitula o seu artigo de opinião “De novo a Matemática. Matemática sempre”. Digo curiosamente, pois um artifício conhecido é começar por dizer que se defende A, para depois defender B. Título mais apropriado deveria ser “Matemática, Matemática nunca!”, pois é isso que defende, que possa vir a ser professor quem tenha sempre evitado a matemática. Até ao fim!
Fonte: Público
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