Tim Oates, professor e especialista britânico na área da Educação, salienta a importância das tarefas serem cuidadosamente estruturadas, como no modelo asiático, focadas na prática, para que os livros de fichas sejam usados para motivar aprendizagens fora da sala de aulas. Fazer perguntas que espicacem o conhecimento, a vontade de aprender, que estimulem o raciocínio. E não só. “Nós também queremos que elas memorizem e que se lembrem das coisas. Na Estónia, onde se diz que existe um currículo baseado em competências, é esperado que as crianças memorizem as tabelas da multiplicação, tal como em Xangai, e elas memorizam-nas antes ainda de as entenderem. Porque é necessário tê-las memorizadas para fazer trabalho que ajuda a perceber a multiplicação”, refere na entrevista dada ao jornal digital Observador.
A sua ideia é clara quanto à avaliação. “Devíamos usar muito mais avaliação no dia-a-dia, não para dar notas aos alunos, mas para perceber se eles perceberam as ideias e dominaram o conhecimento”. “Sempre que se resume o conhecimento de uma criança numa n ota, seja em que sistema de educação for, estamos a perder informação”. Tim Oates concorda com projetos que visem eliminar a retenção dos alunos. Com uma ressalva importante. “Tem de se ter certeza de que estamos a falar de alta conquista e alta equidade na educação e conhecimento, e não um a sacrificar-se em prol do outro”.
O nível de retenção em Portugal continua elevado e o professor britânico recomenda que o país tem de olhar para as estatísticas para examinar quem fica retido e por que razões, de forma a estudar estratégias e intervenções para travar os chumbos escolares. Na sua opinião, Portugal deu passos positivos na qualidade dos professores, manuais e materiais. Por outro lado, a sobrecarga do currículo existe e deve ser evitado. Menos matéria, mas mais aprofundada, defende.
“Nos primeiros anos, é essencial saber ler e escrever, porque não é uma coisa natural. É importante ter discussões ricas em todas as matérias para desenvolver a oralidade e a habilidade para trabalhar com outras crianças. É essencial saber conceitos científicos fundamentais, que são importantes para perceber outros conceitos de história ou de geografia, por exemplo. Literacia, matemática, ciência e, claro, cultura. Literatura, história e geografia, educação física”. Na sua perspetiva, a distinção entre conhecimento e competências é uma “falsa distinção”. “Tu és o que tu sabes. E o conhecimento é fundamental para o desempenho. Toda esta discussão entre uma coisa e outra é absurda”.
De qualquer forma, o desempenho em provas internacionais tem melhorado. “Acho que a introdução das provas nacionais levantou as expetativas dos professores e esses testes mais formais permitiram aos professores saber que crianças percebiam e não percebiam a matéria. Isso foi importante. A introdução de bons manuais escolares também foi importante e sei que foi dada alguma atenção à qualidade do material pelo anterior governo. Há evidências internacionais que mostram que isso foi muito importante”, refere.
A liberdade das escolas gerirem 25% do seu tempo e currículo, na flexibilidade curricular, é já uma realidade em Portugal. O especialista vê alguns riscos, um dos quais reside na própria interpretação dessa flexibilidade. “Se introduzirmos alguma liberdade nas escolas, temos de garantir que essa quota do conhecimento principal não se perde. Todas as crianças devem ter acesso a ela”, defende.
“Uns fazem o trabalho e outros colhem os louros”
O professor Santana Castilho também conhece o pensamento de Tim Oates e, por isso, nada do que o especialista britânico disse o surpreendeu. Numa frase, resume o que leu (...): “Toda a entrevista é uma diplomática reprovação das políticas educativas portuguesas do momento”. “Em determinado passo da entrevista defende claramente a necessidade de não menorizar a memorização ao serviço da aprendizagem, sendo que é mais uma posição proscrita pelo politicamente correcto da onda da ‘flexibilidade’ dominante entre nós. E já a terminar a entrevista, perguntado sobre o que Portugal estará a fazer mal é lapidar na resposta: ‘relaxar o currículo nacional e relaxar a avaliação nunca são boas ideias’”.
Santana Castilho afirma que “as palermices pedagógicas” que têm sido criadas em Portugal têm semelhanças com algumas das políticas que começaram a produzir o declínio da Educação na Finlândia. “Tim Oates, ao longo da entrevista, põe enfase máximo na coerência curricular. O secretário de Estado João Costa, ainda há dias, afirmou, publicamente, querer ‘indisciplinar’ o currículo. Quer maior dissenso?”, atira.
“As políticas educativas finlandesas de 2000 não são, de facto, responsáveis pelos êxitos conhecidos e celebrados em 2000. Lá (como cá) uns fazem o trabalho e outros colhem os louros. Em Educação, os resultados do que se faz hoje tornam-se evidentes 10/15 anos depois. Mas são reclamados por quem está no palco na altura”, refere (...). E lança a pergunta: “Lembra-se do que Crato reivindicou em sede de PISA? Verá, daqui a uns anos, quando as barbaridades que agora estão a ser feitas produzirem maus resultados, como a maioria se esqueceu de que os responsáveis têm nome”, referindo-se a António Costa, João Costa, Alexandra Leitão e Tiago Brandão Rodrigues.
O professor universitário destaca algumas passagens mais marcantes da entrevista de Oates e cruza-as com a realidade portuguesa. “A ‘liberalidade’ para as escolas decidirem sobre 25% do currículo (ou total, desde que alinhem na fraude de garantir a anulação dos chumbos) é um crime pedagógico, que nada tem que ver com autonomia. Mas não é só a irresponsabilidade do secretário de Estado que é criticável. É a orientação para a chamada ‘municipalização’ que, em limite, pode introduzir diferenças abissais (e inconstitucionais) em sede de qualidade do sistema de ensino”, sustenta.
“Tim Oates critica as orientações voláteis, leiam-se opostas, dadas aos docentes, e atribui a essa prática responsabilidade importante nos resultados negativos dos sistemas. Cumulativamente, identifica o rigor, a qualidade dos manuais e a coerência dos curricula como vectores determinantes da qualidade. Tudo isto está, entre nós, em perda no momento atual: baixou a exigência de rigor e temos, elevadas a iniciativas de alto mérito inovador, várias experiências pedagógicas com base na abolição do uso dos tradicionais manuais”. “Do mesmo passo, alude subtilmente à confusão entre o conceito de avaliação educacional (que falha rotundamente entre nós) com o conceito de classificação que, extremado, leva à competição malsã entre as escolas”, adianta.
Fonte: Educare
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