Tim Oates, professor em Cambridge, especialista em Educação, a trabalhar na maior agência de pesquisa sobre avaliação na Europa, o Cambridge Assessment, conhece bem os instrumentos internacionais que avaliam o desempenho dos alunos como o PISA - Programa Internacional de Avaliação de Alunos. O britânico esteve em Portugal e deu uma entrevista (...) onde chama a atenção de várias realidades e analisa o que se passa em Portugal.
Oates, o britânico que reviu o currículo nacional do seu país e que fez alterações de fundo em 2011, avisa que é preciso olhar como deve ser para o caso da Finlândia, lembra que rigor, foco e coerência influenciam os sistemas de ensino com bons desempenhos, e que o material que se usa na sala de aula - manuais escolares, avaliação, currículo, métodos utilizados pelo professor - tem de ser todo coerente. O currículo tem de ser coerente. E deixa um conselho a Portugal: “Relaxar o currículo nacional e relaxar a avaliação nunca são boas ideias”.
Em 2000, a Finlândia chegou ao topo do PISA e não se falou noutra coisa. “E, na altura, nós ficámos preocupados com isso. E sabe porquê? Porque conhecíamos a história da Finlândia, sabíamos o que tinha sido feito para chegar àquele ponto do sistema educativo. Mas a verdade é que, de 2000 para cá, os resultados finlandeses nas diferentes provas internacionais têm estado a cair e de forma significativa”, refere na entrevista. O trabalho é de antes, muito antes, entre as décadas de 60 e 90 do século passado. “Mas é para o ano 2000 que toda a gente olha quando vai à procura da história de fadas finlandesa. É um erro absolutamente terrível”, avisa.
O sistema de ensino finlandês tem mais-valias, as suas maiores forças, segundo o professor britânico, estão na formação dos professores e nos recursos escolares de alta qualidade. Agora o panorama é outro. “Entretanto, as escolas finlandesas tornaram-se mais autónomas, embora não tanto quanto as pessoas pensam, até porque continua a haver muita avaliação interna, e houve algumas mudanças na sociedade”. “Alguns dos problemas que aconteceram na Finlândia não foram percebidos por quem estava a olhar de fora: a partir de 2000, fecharam algumas pequenas escolas rurais e houve muita competição entre escolas. Isto gerou tensão nas zonas urbanas e uma grande variação de qualidade entre escolas e dentro delas, o que levou a estes problemas estruturais”, acrescenta.
É preciso fazer alguma coisa e não continuar a pensar que é na Finlândia que se faz o que é mais correto. “Francamente, eu faria o que eles fizeram no passado e não o que estão a fazer agora. Sabemos que o que a Finlândia fez no passado funcionou. E o que fizeram no passado é o que Xangai e Singapura fazem agora. E esses países continuam a melhorar”, sublinha.
Para o professor Paulo Guinote, que conhece o pensamento de Tim Oates, é preciso ter “sempre em consideração um conjunto de variáveis que, por definição, não são invariáveis para todas as sociedades e momentos históricos”, quando se analisam os resultados de um sistema educativo com bom desempenho. Em países como a Finlândia, o “sucesso”, assim entre aspas, ficou a dever-se à conjugação de diversos fatores que faz questão de detalhar (...). São vários. “Uma alfabetização quase total da população desde o início do século XX, o que permite que as famílias funcionem como um ‘ativo’ para os alunos sempre que precisam de acompanhamento para as suas tarefas e estudo fora da escola. Uma grande homogeneidade cultural e étnica da população, que remete a questão da ‘inclusão’ para nichos específicos de problemas de aprendizagem e não para a necessidade de incorporar minorias que têm maior dificuldade em assimilar um modelo curricular pensado para uma realidade específica”.
Há mais fatores. “Um baixo nível de desigualdade socioeconómica que permite que os alunos partam numa situação de razoável igualdade de oportunidades, sem necessidade de fortes mecanismos compensatórios nas escolas. A opção, até por razões geográfico-demográficas, por escolas com uma dimensão média ou pequena que permitem uma relação de proximidade entre as escolas e as comunidades. Uma forte consciência ética e de responsabilização pessoal pelo desempenho académico (ou profissional) que torna redundante legislações de tipo impositivo”.
“Este modelo lida muito bem com sociedades de países desenvolvidos, com baixa diversidade étnica e cultural ou crescentes bolsas de pobreza, assim como, curiosamente, está pouco preparado para lidar com uma verdadeira diversidade. O leque de ‘diferença’ nas escolas finlandesas é muito mais baixo do que nas nossas, assim como a necessidade de mecanismos ‘inclusivos’”, sublinha Paulo Guinote que lembra que quando se elogiou muito o modelo finlandês, ou outros do norte da Europa, “esqueceu-se este tipo de realidade que começou um processo de forte erosão nos últimos 20 anos”. “A Suécia, ainda antes da Finlândia, demonstrou que a chegada de grupos culturais minoritários e algum agravamento da desigualdade socioeconómica levava a uma pressão sobre o sistema educativo para o qual ele não estava preparado, começando os resultados a declinar (como aconteceu com a própria Alemanha)”, recorda.
Paulo Guinote analisa diferenças. “O século XXI não é, por paradoxal que isso seja para algumas ideologias, o mais adequado ao modelo finlandês, exatamente porque o seu dinamismo está limitado pela natureza da sociedade finlandesa tradicional”. Na sua opinião, em Portugal, nunca se reuniram essas condições, que referiu e destacou, e, portanto, nunca se atingiu um patamar de desenvolvimento educacional semelhante ao finlandês durante o século XX. “E quando se insiste em tentar emular algumas das suas soluções estamos a fazê-lo no momento errado, nas circunstâncias erradas. Por falta de conhecimentos de História dos sistemas educativos, os nossos ‘especialistas’ e diversos governantes têm tomado opções erradas por isso mesmo”. E que Tim Oates refere na entrevista.
Escrutínio e avaliação externa
Uma pedrada no charco na situação em que se encontra o sistema educativo português, um soar de alarmes que não podem passar ao lado das escolas e governantes. É desta forma que José Eduardo Lemos, presidente do Conselho das Escolas, olha para a entrevista de Tim Oates. “A primeira ideia a sublinhar é esta: a educação melhora quando mantemos a coerência do sistema educativo e nos limitamos e introduzir-lhe alterações que o tornem mais rigoroso e escrutinável”, refere (...).
“Uma boa educação escolar não casa com bruscas alterações curriculares, desalinhadas com o percurso educativo anterior e associadas a discursos políticos incoerentes. Veja-se no que deu o intenso combate verbal à ‘obesidade’ curricular: introduziram-se alterações que vão ampliar o número de disciplinas do currículo e dispersar a ação dos professores por um conjunto de tarefas e objetivos que dificilmente concorrem para o sucesso escolar”. “O atual currículo tornou-se, no dizer do professor Santana Castilho, um vazadouro para onde se despejam a ‘autonomia e flexibilidade’, a ‘Cidadania’, as ‘DAC’, a ‘inclusão’, a ‘educação rodoviária’, o ‘empreendedorismo’, a ‘estratégia nacional’ para isto e para aquilo, enfim, agora até se pretende despejar a aprendizagem do andar de bicicleta”, acrescenta.
Em seu entender, a confusão e a indisciplina curriculares são de tal ordem que teme que distrairão as escolas e os professores, desfocando-os daquilo que é curricularmente essencial. Não se pode puxar os professores em diferentes direções. “Em suma, a cura da obesidade não resultou em maior magreza para o sistema mas, paradoxalmente, num aumento de peso e, concomitantemente, dos fatores de risco para a sua saúde”, comenta.
O presidente do Conselho das Escolas sustenta que o atual modelo de avaliação afasta os professores da boa avaliação formativa, de que Oates fala. O que promove a aprendizagem, sublinha, é fazer perguntas aos alunos em aula para verificar o que sabem e permitir ao professor agir sobre aquilo que ainda não conseguiram aprender, para que todos aprendam. “A boa avaliação formativa não precisa de papéis nem de formulários”. “Uma boa educação também não casa com modelos de avaliação que não corresponsabilizam os avaliados (alunos) e, pior, que não os desafiam para melhores desempenhos”, acrescenta. “Para uma educação de qualidade, é absolutamente necessário o escrutínio e a avaliação externa. Só assim perceberemos (e poderemos agir corrigindo o necessário) se aquilo que seria suposto ensinar e aprender foi ensinado e apre(e)ndido. Penso que foi um erro político de monta acabar com as provas e exames nacionais, que pagaremos caro”, avisa.
Plenamente de acordo com Tim Oates quando refere que “relaxar o currículo nacional e relaxar a avaliação nunca são boas ideias”. Há mais ideias que destaca na entrevista. “Desde logo, o papel central dos professores na qualidade da educação e a aposta que deve ser feita ao nível da sua formação. Não conheço nenhuma política de reforço da qualidade da formação dos professores portugueses. Pelo contrário, as políticas recentes, não apenas deste Governo diga-se, afugentaram os professores do sistema e provocaram desinteresse dos jovens pela profissão. Corremos, assim, o risco de entrar num círculo vicioso: a falta de ‘clientes’ leva as universidades a desinvestir na formação de jovens candidatos à profissão e estes a disporem de oferta muito reduzida, logo pouco eficaz”.
A constatação de que os melhores resultados escolares na Finlândia, apontada como exemplo internacional, verificaram-se nos tempos em que o currículo era nacional e as escolas tinham pouca autonomia curricular, também lhe merece comentários. “Esta ideia contraria o atual discurso político, assente na tese de que mais autonomia e flexibilidade curricular promoverão maior sucesso escolar. Veremos se resultados escolares confirmarão ou infirmarão esta tese. Tendo mais para a segunda hipótese”.
Em todo o caso, José Eduardo Lemos faz questão de lembrar que “no atual sistema educativo, excessivamente centralizado no que concerne aos recursos financeiros, materiais e humanos, as escolas nunca se interessaram por ter mais autonomia curricular. E isto comparava-se facilmente, bastando observar o que aconteceu no tempo do anterior Governo, em que as escolas com contrato de autonomia tiveram possibilidade de gerir 25% do currículo e, se não todas, a esmagadora maioria, nunca utilizaram essa faculdade. Daí que a atual solução preveja, melhor, ‘ofereça à força’ às escolas uma ‘autonomia e flexibilidade’ de zero a 25%”. “A verdade é que o que as escolas sempre quiseram - e nunca lhes foi concedido - foi alguma autonomia administrativa, financeira e de gestão dos recursos humanos e materiais. Do resto, ‘não havia nexexidade!”, conclui o presidente do Conselho das Escolas.
Fonte: Educare
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