No universo dos cuidadores das crianças acompanhadas pelas comissões de proteção de crianças e jovens (CPCJ) em risco, o grupo que mais tem aumentado é o de cuidadores com grau de bacharelato ou curso superior. Eram apenas 3,3% das famílias acompanhadas em 2011. Em 2017, representaram 8% dos lares cujas crianças tiveram um processo numa comissão de protecção.
Este números estão no Relatório Anual de Atividades das CPCJ referente a 2017, recentemente entregue à Assembleia da República e tornado público no site da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens esta semana. Uma síntese do mesmo documento foi apresentada, em maio, na Figueira da Foz.
A proporção de pais ou mães que completaram o 2.º ou 3.º ciclo do ensino básico continua a ser mais expressiva, ao representar (em conjunto) cerca de metade das situações seguidas pelas equipas de proteção, e assim tem-se mantido nos últimos anos. Uma descida “muito significativa dos elementos sem escolaridade”, nos casos de famílias de crianças acompanhadas, também é referido no relatório de 2017. “No entanto, os cuidadores que apenas sabem ler ou escrever continuam a representar valores na ordem dos cinco pontos percentuais”, sem alteração nos últimos anos, salienta o documento.
Pelo contrário, a representatividade das famílias com um bacharelato ou uma licenciatura mais do duplicou em seis anos, em linha com o aumento da taxa de escolarização no ensino superior referida nas estatísticas do Instituto Nacional de Estatística (INE). Por esclarecer, no relatório, ficam porém as causas para as crianças de famílias menos desfavorecidas estarem em perigo.
Divórcios e violência mais visível
A perceção da psicóloga Fernanda Salvaterra, que até dezembro de 2016, integrou a equipa principal da CPCJ de Lisboa Norte, é a de que os casos numa população mais diferenciada eram sobretudo relacionados com os conflitos de regulação das responsabilidades parentais ou de incumprimento, por exemplo, nas férias, quando a criança devia ser entregue e não era. "Também havia outros conflitos e situações de violência doméstica, que cada vez são mais reportadas”, por exemplo, “por vizinhos”, diz Fernanda Salvaterra, investigadora do Instituto de Apoio à Criança, doutorada em Psicologia do Desenvolvimento.
Também a académica Maria Barbosa-Ducharne considera plausível uma maior frequência de “situações de divórcios” mal resolvidas, em que as comissões de proteção serão chamadas a intervir nas questões de atribuição de guarda parental à mãe ou ao pai. Mas conclui: “Podem ser esses conflitos ou ainda situações de violência doméstica, ou de maus tratos, e isso é outra coisa. O importante é fazer a avaliação das necessidades das famílias e das crianças de uma forma rigorosa.”
Perante este dado que considera “significativo”, a professora de Psicologia do Desenvolvimento e Adoção e Institucionalização do Mestrado na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto salienta a importância da formação dos técnicos do sistema de proteção de crianças e “a necessidade" de estes "terem em conta o novo perfil de famílias acompanhadas”.
Famílias monoparentais expostas
No retrato possível das crianças acompanhadas, por outro lado, quase metade vem de famílias clássicas (41%), mas uma grande parte (36%) vive só com a mãe (em maioria) ou só com o pai. “Sobressai a elevada percentagem de famílias monoparentais (36%) e de famílias reconstituídas (13%)", destaca o relatório.
Assim, mais de um terço das famílias com processo aberto nas comissões de proteção são monoparentais e essa proporção tem-se mantido estável ao longo dos últimos anos, e muito acima do lugar que ocupam na sociedade: de acordo com os dados mais recentes do INE, entre os cerca de quatro milhões de famílias existentes em 2017, quase 440 mil eram monoparentais, ou seja, cerca de 10% de todas as famílias.
"São famílias muito mais expostas, com níveis de stress mais elevado, onde só há uma fonte de rendimento”, diz a professora Maria Barbosa-Ducharne. “Não significa que sejam melhores ou piores pais. Estão em situação de maior exigência. E é preciso um maior apoio.”
Apoios e maior flexibilidade
Além de apoios, completa Fernanda Salvaterra, seria desejável uma maior flexibilidade de horários nas escolas e creches para receber estas crianças. “Nas famílias monoparentais, há dificuldades económicas, situações associadas à pobreza”, diz. Assim, quando a mãe trabalha longas horas, a criança fica entregue a um vizinho ou com os irmãos mais velhos, ou ainda desprotegida, explica.
"Entre ficar desprotegida ou passar muitas horas na escola ou na creche”, a segunda opção, embora não ideal, é preferível, entende Fernanda Salvaterra. Em muitos casos, o trabalho exige que a mãe entre ao serviço às 6h da manhã ou regresse muito tarde a casa, acrescenta. As famílias com rendimentos provenientes do trabalho (66,2%) representam dois terços dos lares com crianças são acompanhadas pelo sistema de protecção. Essa proporção, que estava acima dos 53% em 2011, tem vindo a ganhar importância, desde então, todos os anos.
Fonte: Público
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