A Educação é uma das áreas mais complexas da sociedade e, também, da ação dos nossos governantes. As suas múltiplas facetas obrigam os profissionais a ter preparação adequada que, muitas vezes, não se adquire com a licenciatura, mas em formação contínua, até porque as alterações são uma constante. Considero que, em termos genéricos, a Escola tentou responder à diferença de forma empenhada e profissional, fazendo um trabalho notável, igualmente no âmbito da Educação Especial, mérito dos professores, técnicos e assistentes operacionais, que se entregaram em pleno para dar a melhor resposta a quem apresentava “limitações significativas de caráter permanente” que “resultavam em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, aprendizagem, mobilidade, autonomia, relacionamento interpessoal e participação social”.
No entanto, facilmente se percebia que as respostas ao abrigo do DL n.º 3/2008, de 7 de janeiro, não conseguiam enquadrar todos os alunos que apresentavam dificuldades no seu processo de aprendizagem, porque a lógica de resposta apenas servia alguns, rigidamente tipificados e categorizados. E mesmo assim, todos os anos, assistia-se ao aumento exponencial, porventura descontrolado, de elegibilidades de alunos, na ordem dos milhares (dados estatísticos de 2017 contabilizaram, só nesse ano, 4441 novas elegibilidades), em contraciclo com a diminuição do número global de discentes, julgando que muitas dessas sinalizações pudessem ter uma outra resposta pedagógica diferenciada com mobilização de recursos organizacionais da escola.
Perceciona-se que o modelo assistencialista não resulta numa escola que não quer permitir que nenhum aluno seja deixado para trás, pela assunção de que todos aprendem, participando de forma ativa para progredir na obtenção do sucesso educativo. Deste modo, em articulação e complementaridade com os contributos e princípios orientadores do Programa de Autonomia e Flexibilidade Curricular, Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória e Plano Nacional de Promoção e Sucesso Educativo, entre outros, emerge o DL n.º 54/2018, de 6 de junho, normativo referente à Educação Inclusiva, avançando uma abordagem multinível de medidas de suporte à aprendizagem e desafiando as escolas a (re)pensar a sua atuação, num desenho universal para a aprendizagem, convocando todos, professores, técnicos, assistentes operacionais e outros, cooperativamente, a encarar a diversidade como uma oportunidade de construção compreensiva e integral de cada um dos seus alunos.
Para o efeito, é imperativo que a escola estabeleça pontes com a comunidade, nas suas diferentes áreas de intervenção e serviços, protocolando parcerias fundamentais, numa colaboração estreita, que fundamenta uma visão holística na adequada resposta educativa que se espera efetivar.
Uma palavra de apreço aos centros de recursos para a inclusão, nomeadamente APPACDM (Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental), Cerci (Cooperativa de Educação e Reabilitação de Cidadãos com Incapacidades) entre outros, nos diversos territórios educativos, cujo apoio prestado (Psicologia, Terapia Ocupacional, Terapia da Fala e Fisioterapia) a alunos e professores se afigura-se uma mais valia, porém insuficiente, situação recorrentemente contestada pelos encarregados de educação e pela escola, porque escasso para o leque de alunos que dele necessita.
Não obstante estes constrangimentos, que não se situam apenas ao nível dos recursos humanos, mas também materiais e físicos, os alunos que se encontravam ao abrigo do DL n.º 3/2008, de 7 de janeiro, diploma da educação especial, sentem-se bem acolhidos na escola, participando com os seus pares no acesso à aprendizagem. Os encarregados de educação, expressam frequentemente a sua confiança e agrado pela qualidade do ensino prestado aos seus filhos por excelentes profissionais, quer docentes quer não docentes.
Questiono se estes níveis de satisfação se verificam tratando-se do ensino superior, onde a inclusão raramente é discutida ou debatida, julgando-se um problema exclusivo do ensino que o antecede. Importaria perceber os motivos que levaram 231 estudantes portadores de deficiência a abandonarem as universidades ou as escolas superiores de educação, de acordo com o relatório referente aos “Principais resultados do Inquérito às NEE no Ensino Superior – 2017/2018”, publicado pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência.
As ideias que a seguir explano, já apresentadas noutros fóruns e periódicos, merecem a atenção das escolas, e em particular da sociedade, não se podendo alhear das dificuldades vividas pelos seus cidadãos. Surpreendentemente, não é a Escola a andar a reboque da sociedade, tendo esta ainda um longo caminho a percorrer, ficando muito a dever ao trabalho que, nesta área, as escolas já desenvolvem.
Refiro-me, agora, em concreto aos alunos, usando a nova terminologia, com adaptações curriculares significativas, nomeadamente aos que apresentam problemas graves de saúde física e mental que comprometem significativamente a sua funcionalidade. E neste sentido, destaco duas questões que merecem ser analisadas: pausas letivas e pós-escolaridade obrigatória.
No que respeita às primeiras, as pausas letivas, sobretudo as tradicionais “férias grandes” deitam muito a perder, pois estes discentes são considerados pela sociedade “especiais” só em tempo de aulas… lamentavelmente! Realizando as suas aprendizagens com base num trabalho alicerçado na estruturação e na consistência da intervenção, nas repetições e na persistência, como se entende a ausência das terapias e outras valências, aquando da interrupção das atividades letivas? Alguém beneficia com a paragem destes alunos entre junho e outubro?
Os professores e terapeutas que com eles trabalham dizem-nos que, para além de não progredirem, muitas destas crianças e jovens revelam regressões, bem como episódios de desestruturação emocional, desperdiçando o trabalho efetuado nas escolas, cujo valor é inestimável.
Talvez por isso, em Vila Nova de Gaia, a Câmara Municipal lançou o Projeto GAIA aprende+i, (programa para a inclusão) após ter no terreno atividades para todas as crianças, quer no período não letivo (7h30 até às 9h e no fim das aulas), quer nas pausas, incluindo as férias de verão. É um exemplo muito feliz de sensibilidade e preocupação com os alunos, mas também com os cidadãos a tempo inteiro, a quem, mais que ninguém, a inoperância decorrente da paragem forçada é prejudicial ao seu bem-estar e desenvolvimento físico, emocional e intelectual.
Numa segunda instância, a preocupação destes pais é mais profunda e complexa, sobretudo e principalmente, para aqueles cujos filhos frequentam unidades especializadas existentes em algumas escolas, com a extinta medida currículo específico individual. Se é certo que até aos 18 anos, estes alunos estão integrados no Ministério de Educação, a partir daquela idade passam para a alçada de outro ministério, o Ministério do Trabalho e Segurança Social ou… de ministério nenhum. O grande problema desta franja de alunos é a sua colocação numa instituição de educação especial, depois de atingirem a maioridade ou, em alternativa, a obtenção de uma resposta da rede escolar num agrupamento ou escola com ensino secundário para aí prolongarem o seu percurso educativo até aos 20 anos, limite máximo da frequência na escola regular.
O dinheiro investido pelo governo através do Ministério de Educação poderá ser desperdiçado quando estes jovens, cidadãos do mundo, atingem os 18 ou 20 anos. Tendo sorte fazem a transição para o Ministério do Trabalho e da Segurança Social, ingressando numa instituição, se a fortuna não lhes sorrir, ficam tutelados pelo Ministério da Casa – o primeiro dia do resto das suas vidas! Ou seja, muitos, chegados à maioridade, são obrigados a deixar a escola, onde obtiveram progressos visíveis, e ficam confinados a um lugar que, apesar de normalizado no século passado, afigura-se criminoso no presente: a casa.
E o Estado não se pode alhear deste enorme drama, de todos os envolvidos, especialmente dos pais, nem enterrar a cabeça na areia, como tem acontecido até agora, pois muito pouco tem sido feito. Na verdade, é sabido que a necessidade de vagas para estes cidadãos após os 18 anos é imensa, sendo mais aqueles que permanecem em casa do que os que ingressam e passam a frequentar as instituições de educação especial, que deveriam conseguir responder a todos. Esta situação é imensamente injusta, por quatro fatores principais:
- Desperdício da intervenção que se fez nos anos anteriores na educação destes jovens que, assim, “vai por água abaixo”;
- Estando em casa, não evoluem como seria desejável, muitos acabam por apresentar regressões, pois não são estimulados, nem acompanhados por professores e técnicos especializados;
- Os encarregados de educação ficam desesperados pela ausência de resposta efetiva, sentindo-se ainda mais perdidos. Muitos têm que deixar os empregos para se tornaram cuidadores a tempo inteiro;
- Inobservância de igualdade de oportunidades, sendo colocada em causa a justiça social. Estes jovens não têm acesso direto ao nível seguinte de educação/ensino, sendo-lhes negado o direito à educabilidade universal e prestação de cuidados reabilitativos em instituição.
Por isso, há que fazer um esforço para dar a todos estes jovens uma resposta efetiva, não sendo abandonados por quem tem a obrigação de lhes dar um futuro condigno. O Estado tem desprezado a realidade e a sociedade “assobia para o lado”, ainda pouco sensibilizados para as reais necessidades destes jovens e, também, a dos seus pais, eternos encarregados de educação, cuidadores que desesperam face à incerteza com que equacionam o amanhã, que lhes apresenta perspetivas desoladoras e cruéis, pois a impossibilidade de frequentarem uma instituição especializada é o drama imerecido.
Não existindo, por enquanto, o Ministério da Casa (!), será pedir muito aos nossos governantes que acautelem o futuro destas pessoas? Continuaremos a ser indiferentes à diferença? Quem lucra com a existência/criação de barreiras à inclusão? Enquanto o acesso destes jovens a estes locais, após a maioridade, estiver condicionado por qualquer numerus clausus, os nossos políticos não poderão dormir descansados. Nem nós!
Filinto Lima
Professor/diretor. Presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).
Fonte: Observador
1 comentário:
Palavras sábias!
Inquietações que muitas vezes me assolam, barreiras que umas vezes tenho conseguido ultrapassar é que outras se tornam impossíveis.
Também a mim me dói pensar que o (A) vai para casa, assim como o (Z) e o(....) e tantos outros já lá estão.
Anos de inclusão, no meio menos restritivo possível na escola e depois?
Durante uns tempos quando nos encontramos , por acaso, ainda vemos aquele sorriso e a palavra mágica professora.
Depois deixam d se ver e, quando perguntamos aos pais por eles, estes respondem:
- Lá estão
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