Vários estudos internacionais sugerem que a qualidade dos professores é decisiva para evitar o abandono escolar e para melhorar o sucesso educativo. Face a isto, é preocupante que Portugal surja como um dos países onde é mais reduzida a proporção de bons alunos que querem ser professores. Estes dados deveriam ser tidos em conta na discussão pública sobre o tema, mas raramente é assim.
O debate sobre os docentes dos ensinos básico e secundário no nosso país tem sido determinado pelas restrições orçamentais do Estado português. Isto é assim desde há duas décadas, quando as finanças públicas se tornaram a questão primordial da governação - e a contenção dos gastos com pessoal docente uma missão central dos sucessivos ministros da Educação.
O objetivo tem sido alcançado de diferentes modos. Durante muitos anos os governos mantiveram dezenas de milhares de professores na condição de contratados, apesar de satisfazerem necessidades permanentes do sistema, evitando assim que progredissem na carreira e auferissem salários mais elevados. Forçado pelo Tribunal de Justiça da UE a vincular grande parte dos contratados, o Ministério da Educação foi encontrando outras vias para a poupança: aumentando o número de horas de trabalho lectivo e não lectivo, aumentando o número da alunos por turma, eliminando reduções de horários para docentes mais velhos, adiando a idade da reforma, dificultando a progressão na carreira, etc.
Como seria de esperar, aquelas medidas mereceram o protesto dos professores. Com pouca margem orçamental para o evitar, os responsáveis pelo Ministério da Educação socorreram-se demasiadas vezes de uma arma negocial de recurso: tentar descredibilizar publicamente a outra parte.
A receita é frequentemente usada em diferentes contextos: qualquer grupo profissional que resiste à perda de direitos é apresentado como uma elite privilegiada, movida por interesses egoístas, sem consideração pelo bem comum. Na era das redes sociais, não falta quem - por ignorância, maldade ou oportunismo - amplifique a mensagem. O objetivo é isolar na sociedade o grupo que protesta, retirando-lhe assim legitimidade democrática e força negocial.
Objetivamente, não faltam motivos à insatisfação dos docentes. Não se trata apenas da redução de salários e do aumento da carga letiva. Juntamente com a forte pressão orçamental, a última década foi marcada pelo alargamento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos, ao mesmo tempo que o país passava por uma crise económica e social profunda. Como resultado, as escolas públicas passaram a lidar diariamente com todos os tipos de disfuncionalidade cognitiva, familiar e social, sem recursos para fazer face aos novos desafios.
Os professores de hoje não só trabalham mais e recebem menos do que no passado, como fazem as vezes dos psicólogos, dos assistentes sociais, dos mediadores culturais e familiares, dos orientadores profissionais e dos funcionários administrativos que o Estado não garante e que as escolas não podem pagar. Poder-se-á dizer que outros grupos profissionais têm histórias equivalentes para contar - polícias, enfermeiros, médicos, juízes, etc. - e que a crise toca a todos. É um facto, mas não tal reduz o desalento nem o cansaço dos profissionais em questão.
Neste contexto, qualquer sugestão de que o protesto dos professores é a mera expressão de interesses corporativos ilegítimos terá como resultado inevitável o acentuar do mal-estar e da contestação. Os responsáveis pela política de educação têm obrigação de saber isto. Mas não só: têm de ter consciência das implicações da sua estratégia de negociação para o futuro do país. Afinal, quem quererá ter um emprego cujo horizonte é trabalhar cada vez mais, ganhar cada vez menos e ser permanentemente desconsiderado pelo patrão?
Fonte: DN
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