Nos finais dos anos 80 (com Roberto Carneiro como ministro da Educação), a palavra autonomia entrou no léxico das escolas, alavancada nos diplomas legais e, quantas vezes, de forma abusiva para abrilhantar certos discursos políticos.
Curiosamente, passados quase dez anos (1998), foi aprovado o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, bem como dos respetivos agrupamentos (Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de maio, com a palavra autonomia a aparecer 47 vezes!) e volvido igual período temporal, novo regime de autonomia entra na esfera educativa (Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, onde a mesma palavra está escrita 58 vezes!), revogando o anterior. Tanta parra e pouca uva!
Adjetivamente, os primeiros contratos de autonomia (22), assinados em 2007, com base em matriz gizada pela tutela, escaparam à negociação, similares no essencial, transformaram-se num acordo unilateral, atendendo à imposição implícita. A estratégia prejudicou substantivamente o conteúdo do documento, pois atribuiu escassas margens de autonomia (ilusória) às escolas, obrigando-as à prestação de contas, submergindo-as em burocracia desmesurada (reuniões, relatórios, preenchimento de plataformas e um tanto mais).
Talvez por isso, decorreram cinco anos (2012/13) até serem celebrados mais 23 contratos de autonomia (CA); em outubro e novembro do ano letivo seguinte, 134 e, em 2014/15, os últimos 30, totalizando, até à data, 212 agrupamentos e escolas não agrupadas contraentes, num universo de 811 unidades orgânicas. Nos últimos três anos não foram celebrados CA e aqueles que existem foram sendo sucessivamente prorrogados, percebendo-se a batata quente que o Ministério da Educação tem em mão.
Na prática, a grande vantagem das escolas que assinaram este documento traduziu-se na afetação de um recurso humano (professor ou técnico). Contudo, que autonomia visionam para as escolas quando se centraliza cada vez mais, não se deposita confiança nos profissionais que as servem, legisla-se por tudo e por nada, e se atribui aos diretores, os rostos das escolas, responsabilidade descomunal e ímpar na administração pública, por sua conta e risco? Nem para formar turmas as escolas têm liberdade! Defendo que em lugar de fixar limite mínimo e máximo de alunos por turma, o Ministério da Educação deveria atribuir um número máximo de turmas a cada escola, por ano de escolaridade, acreditando na competência dos profissionais na composição das mesmas (ao respeitar os perfis e as especificidades dos alunos que as comporão). A gestão de currículo, liberdade de adoção de disciplinas adicionais, processos e metodologias de ensino, gestão e organização escolar, com especial enfoque nas matérias pedagógicas, contratação de docentes para preencher necessidades transitórias e a possibilidade de recondução dos docentes contratados são exemplos de áreas em que deveriam incidir as cláusulas inerentes à autonomia.
Se as escolas forem dotadas, e exercerem, de efetiva autonomia, consubstanciada nos níveis de confiança da tutela, potenciarão a melhoria das aprendizagens e, consequentemente, os saberes integrais adquiridos e os resultados dos alunos, com influência positiva no sucesso pretendido.
Na atual conjuntura, a descentralização gera inseguranças também às escolas, pois tem sido um processo com recuos e avanços, pouco discutido e partilhado, envolto na indefinição sobre as competências que a tutela quer atribuir, e a quem, embora se vislumbre quem serão os grandes beneficiários... Poderão as escolas ter autonomia abaixo de zero?!
As escolas devem ser convidadas a participar neste processo que, julgando-o com características positivas, poderá resultar adverso e hostil se as entidades envolvidas forem desprezadas, retiradas de forma deliberada na decisão da mudança, mormente quando os efeitos incidem na sua esfera de responsabilidade.
Filinto Lima
Professor e diretor; membro da direcção da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas
Fonte: Público
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