As crianças e jovens com autismo são, entre as pessoas com deficiência, as que maior risco correm de ser vítimas de bullying. Um estudo realizado em Espanha deu um número a esta realidade, que é replicada em muitos outros países: quem tem autismo tem sete vezes mais probabilidades de ser alvo de bullying do que os seus colegas.
O alerta partiu de especialistas nesta área que, nesta sexta-feira, se reuniram no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa para a divulgação de um projeto europeu destinado a prevenir o bullying contra pessoas com necessidades educativas especiais ou deficiência.
Neste universo já de si particularmente vulnerável a ações de bullying, choca o facto de muitas das crianças que são vítimas deste fenómeno “não tenham sequer a possibilidade de transmitir o que lhes acontece e de dar conta dos seus medos” como acontece frequentemente com quem tem autismo, frisou Ana Sezudo, presidente da Associação Portuguesa de Deficientes.
O bullying é o nome dado a comportamentos ou ações de intimidação ou humilhação entre pares que são intencionais, repetidos ao longo do tempo e nos quais existe um desequilíbrio de poder entre o agressor e a vítima, lembra a investigadora e professora do ISCTE, Susana Fonseca, que representa este instituto no projeto Stop Disabuse, desenvolvido em conjunto com mais quatro parceiros da Irlanda, Itália e Espanha.
As escolas têm sido o terreno de eleição deste fenómeno. “Acontece em todas e com uma frequência quase diária”, refere (...) com base na investigação que tem desenvolvido desde 2001. Mas com a Internet e as redes sociais, este fenómeno “já há muito que ultrapassou os portões das escolas e acontece em qualquer local e a qualquer hora”. É o chamado cyberbullying.
Mais números. Os inquéritos realizados têm mostrado que “um em cada cinco alunos está diretamente envolvido em situações de bullying”, refere Susana Fonseca. Os mesmos inquéritos mostram que entre a população com necessidades educativas especiais ou deficiência a incidência ainda é maior e afeta uma em cada quatro destas pessoas.
Susana Fonseca esclarece, a este respeito, que “qualquer facto que possa colocar uma pessoa numa situação de vulnerabilidade, perante os outros, pode ser um potencial desencadeador de um caso de bullying”. É o que se passa com as pessoas com deficiência, onde este fenómeno se exerce, “especialmente, através de comentários ou de linguagem de discriminação”.
Não é “uma forma de vida”
Com Carla, uma jovem utente da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental, as coisas foram mais longe. “Cheguei a ser agredida na sala de aula e o professor não fez nada”, contou na sessão desta sexta-feira. Antes e depois continuou a ser “insultada” pelos colegas, o que a levou a isolar-se cada vez mais: "Estava sempre sozinha."
Mas Carla lembra-se também de outro dia em particular. Estava muito bem arranjada, foi à casa de banho e duas colegas fecharam-na aí, cortaram-lhe o vestido em farrapos com uma tesoura e espalharam todo o conteúdo que trazia na mala. “Várias coisas foram pela sanita abaixo”, pormenoriza.
No projeto europeu de que o ISCTE faz parte assume-se que é preciso aprender com as experiências de pessoas como ela, para as ajudar — e também àqueles que as educam ou trabalham no mesmo local —, a identificar e combater o bullying, o que passa também por adotar ações de proteção face a este comportamento. Por exemplo, não ficar sozinho nos intervalos.
Irão ser criados materiais interativos, que passarão a estar disponíveis no site www.disabuse.eu com o objetivo de valorizar as pessoas com necessidades educativas especiais ou deficiência e contribuir assim para que ultrapassem aquelas que dizem ser as suas maiores dificuldades.
Mona O’Moore da Universidade de Dublin apresentou-as assim: medo de não ser levado a sério; medo de represálias; sentimento de vergonha (os insultos frequentes levam a que se pense que estes são verdade); normalização do bullying ("é apenas uma forma de vida").
Fonte: Público
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