Sair do trabalho a correr, ir buscar à escola à pressa, aguentar o para-arranca, dar banho, fazer o jantar, ler história e, por fim, adormecer em contrarrelógio. Cinco dias em correria, solicitações, pedidos e exigências, onde o tempo escasseia e, vezes de mais, a disponibilidade.
Poucos serão os pais que gozam o privilégio de reservar tempo de qualidade para os filhos, de intimidade e de atenção, entre mimos e brincadeiras, que garanta, sobretudo, momentos felizes todos os dias. E se o impacto está à vista nos adultos, que se queixam de falta de tempo para estar com família e amigos, o que sentirão então as nossas crianças?
Sabemos que a felicidade é um conceito muito amplo e abstrato, mas ao mesmo tempo essencial para o desenvolvimento pessoal de cada indivíduo. Afinal, há sabores, cheiros e memórias que não voltam a ter o mesmo corpo em mais nenhuma fase da vida.
Qual é o papel dos pais em tudo isto? Que linhas se estão a seguir para contribuir para a felicidade dos mais pequenos? Qual é o papel da brincadeira real na construção da felicidade na infância?
Estas e muitas outras questões foram agora reveladas no II Estudo sobre Felicidade e Infância elaborado pela marca de brinquedos Imaginarium, e apresentado esta quarta-feira, em Lisboa, que reúne respostas sobre a felicidade na infância até aos oito anos.
Segundo Natalia Chueca, diretora de marketing da empresa espanhola com lugar no mercado há 25 anos, o estudo assenta na crença de que uma criança feliz terá maior hipótese de se tornar um adulto feliz. «Partindo das respostas destes pais, a ideia é disponibilizar conteúdos e partilhar com a comunidade as ferramentas que possam contribuir para a felicidade das crianças», diz Madalena Galamba, responsável pela comunicação da marca em Portugal.
Através de inquéritos online elaborados por um painel de especialistas que incluiu os portugueses Rui Lima, Magda Dias e Rita Ferro Alvim, pretende-se descobrir o que faz então as nossas crianças felizes, refletir sobre as suas causas, e, perceber também se são conscientes, sabedoras da sua felicidade.
Vamos então a números. O que salta à vista é a conclusão de que 80,4% dos pais portugueses mostram-se muito preocupados com a felicidade futura dos filhos e apenas 0.1% acredita que no dia-a-dia, os seus filhos não são felizes.
De acordo com os resultados, mais de metade das crianças portuguesas, são, na opinião dos seus progenitores, «muito felizes» (51,6%), contra 8,8% dos que oscilam entre a felicidade e a tristeza. Quando questionados acerca dos principais motivos de infelicidade dos seus filhos, não passar tempo suficiente com os pais (26,3%) e não ter tempo suficiente para brincar (21,37%) são respostas generalizadas. Ficar de castigo também os deixa infelizes, mas abaixo dos fatores acima. Apenas 16,45%.
Segundo Rui Lima, professor e autor do livro A escola que temos e a escola que queremos, a falta de tempo alia-se à «crescente pressão imposta às crianças e jovens, tanto por pais como escolas, onde o desempenho académico, a competição dos pares e a necessidade constante de alcançar a perfeição em todas as atividades, tem, certamente, um impacto negativo na felicidade das crianças», assegurando que há uma grande diferença entre as crianças de hoje ou as crianças de há 20 anos.
«E este aspeto não tem só a ver com tecnologia, a principal diferença reside no facto de terem hoje ferramentas que não tinham noutra altura», explica o diretor pedagógico do Colégio Monte Flôr, em Lisboa. Tendo em conta a sua experiência no meio escolar, considera que «as escolas não querem alunos felizes, mas já há a noção de que é preciso mudar», diz, apontando o alvo ao tempo exagerado que passam na escola.
E a tecnologia, torna-os mais ou menos felizes? «Não devemos ser radicais, até porque o futuro vai incluir inteligência artificial, o importante é saber usar a tecnologia para aprender e para comunicar, o aluno deixar de ser apenas utilizador para ser um criador, e esse é um caminho para a felicidade», diz.
Mas se há noção de que o tempo é um bem raro na ligação entre pais e filhos, a palavra «afeto» torna-se um aliado importante no combate à infelicidade dos mais pequenos, já que 33% dos pais contactados para este inquérito, afirma que é «fazendo os filhos sentirem-se queridos e ouvidos» que mais contribuem para a sua felicidade. Perto deste valor estão os 28% que acreditam que passar mais tempo com os seus filhos é importante para a sua felicidade, e 14% consideram que reforçar a autoestima das crianças garante o bem-estar no seu crescimento.
Magda Dias, autora do blogue Mum’s the boss e do site Parentalidade Positiva, declara que é fundamental proporcionar experiências de qualidade até aos seis anos e que isso só se consegue passando tempo com eles, «um tempo de intimidade».
A terapeuta dá o exemplo da própria filha que lhe perguntou se os filhos do astronauta Neil Armstrong não ficaram tristes por estarem tanto tempo sozinhos enquanto o pai ia à Lua. «Eles têm noção de que o tempo juntos é mesmo muito importante».
A coach parental destaca o amor e a segurança como elementos base no crescimento dos mais pequenos até aos 12 anos. «É vital no que toca a encontrar o sentimento de pertença a uma família, cabe-nos a nós aceitar a natureza deles e fomentar a sua autonomia». A autonomia emocional é, segundo Magda, seguramente, «mais complexa» e difícil do que vestir-se ou atar os atacadores sozinho. «Passa por eles próprios sentirem que têm esse direito».
Entre tantas respostas, direções e fatores é unânime – 99,8% – para os pais que responderam ao questionário, que a felicidade dos seus filhos passe pelo tempo de qualidade partilhado com os pais, mas o valor cai vertiginosamente quando se trata da própria realidade em família. 63% dos pais acredita que os filhos sentem a sua falta e 51% sente que passa pouco tempo de qualidade com os filhos.
«Esta questão do multitasking, a mãe que faz a sopa enquanto responde a e-mails de trabalho, esta coisa de estar sempre online, de manhã à noite, retira-nos o foco dos nossos filhos e não é assim tão engraçado», conta Rita Ferro Alvim, jornalista autora do blogue Socorro sou mãe!, vencedor do prémio de blogger de família mais influente de Portugal, atribuído pela revista Forbes.
São dados como estes que podem ajudar a detetar os sintomas do que é preciso mudar. «Retiramos daqui informações muito úteis que devem não só ser utilizadas por nós, pais mas que na minha opinião até deviam ser passadas também às escolas», remata a jornalista.
Fonte: Notícias Magazine
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