Pessoas com limitações cognitivas vão passar a ter uma formação desenhada a pensar em si no ensino superior. A Universidade de Aveiro formaliza esta quarta-feira a criação de um curso que vai permitir a estes estudantes frequentar aulas juntamente com colegas de licenciatura e também fazer estágios numa empresa, com o objectivo de facilitar a entrada no mercado de trabalho.
O novo curso começa em Outubro e terá o mesmo calendário das restantes formações da Universidade de Aveiro. As candidaturas arrancam este mês e são feitas directamente junto da instituição de ensino superior. Na primeira fase estão disponíveis seis vagas. Se a procura justificar, podem ser abertas novas fases de ingresso.
Esta formação não confere um grau formal, como uma licenciatura ou um curso técnico superior profissional, por exemplo. O curso dará ainda assim direito a um diploma da instituição de ensino superior que será “valioso” para o futuro das pessoas com deficiência que o venham a frequentar, confia a investigadora Maria Maia Machado, uma das responsáveis pelo nascimento desta iniciativa.
O curso vai chamar-se “Programa individual de estudos multidisciplinares” e terá um modelo distinto das restantes formações. Cada aluno poderá “escolher o seu próprio percurso, com base nos seus objectivos pessoais”, explica Maria Maia Machado. No início de cada semestre, um estudante decide quais as disciplinas que pretende frequentar, a partir de um cardápio pré-definido que inclui matérias de sete departamentos da Universidade de Aveiro.
Os estudantes com deficiências intelectuais vão ter aulas ao mesmo tempo que os colegas que frequentam licenciaturas. Na base desta iniciativa está um projecto-piloto, desenvolvido nos últimos anos, no âmbito do doutoramento de Marisa Maia Machado. Nesse primeiro momento, cinco estudantes, entre os 18 e os 37 anos, frequentaram as salas de aula de várias licenciaturas da Universidade de Aveiro.
Os bons resultados levaram o Conselho Pedagógico e o Conselho Científico da instituição de ensino superior a dar “luz verde” a esta nova formação. O curso tem a duração de dois anos e um mínimo de cinco disciplinas obrigatórias para que seja conferido o diploma de conclusão. Além disso, o plano de estudos incluiu dois períodos de estágio, um no final do primeiro ano e outro no final da formação.
Para isso, a Universidade de Aveiro assina, esta quarta-feira, um protocolo de colaboração com a Jerónimo Martins. O grupo empresarial vai acolher os alunos durante os períodos de estágio e indicar um “mentor” entre os seus funcionários para esse momento de formação em contexto de trabalho. Além disso, patrocina o curso pagando, na totalidade, as propinas destes estudantes.
"Universidade inclusiva"
Para o reitor da Universidade de Aveiro, Paulo Jorge Ferreira, “uma universidade verdadeiramente inclusiva garante a todos os seus estudantes o acesso ao conhecimento e o acesso ao trabalho”. O responsável lembra que a instituição que dirige já tem feito ajustamentos para garantir o acesso ao conhecimento de estudantes com necessidades especiais. A colaboração com o grupo Jerónimo Martins “permite ir mais longe e garantir o acesso ao trabalho, a valorização e a integração profissional”.
Uma formação superior para pessoas com deficiências cognitivas tem um valor “distinto” de uma formação profissional, por exemplo, destaca, Maria Maia Machado. Desde logo, porque estes estudantes vão estar em formação “já na sua idade adulta, quando estão a desenvolver plenamente a sua autonomia”.
A investigadora da Universidade de Aveiro valoriza ainda o facto de esta formação permitir dar resposta a uma exigência da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de que Portugal é um dos países subscritores. Esse documento estabelece que os Estados devem “asseguram que as pessoas com deficiência podem aceder ao ensino superior geral, sem discriminação e em condições de igualdade com as demais”, assegurando para isso “as adaptações razoáveis”.
A lei estabelece um contingente especial para estudantes com deficiência, que é destinado a candidatos com limitações físicas ou sensoriais. Estes estudantes têm que completar o ensino secundário e fazer os exames nacionais, como todos os alunos. Têm, no entanto, vagas reservadas em cada um dos cursos do ensino superior. Para os estudantes com deficiência cognitiva ou com problemas genéticos que causam limitações no funcionamento intelectual não existe qualquer via de acesso.
Fonte: Público
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