Há mais de 20 anos, havia dois casos britânicos que acompanhava com interesse. Os rankings das escolas e a falta de professores. Sobre o primeiro, assinalámos 20 anos que começamos a publicá-los e já não são umas simples listas de escolas ordenadas, são um retrato possível, com todas as injustiças que possam ter. Quanto ao segundo, ouvia com frequência sindicatos e professores dizerem que ou se fazia alguma coisa ou o mesmo aconteceria por cá e faltariam professores no sistema. Mas não eram os únicos preocupados, desde pelo menos 2016, que o Conselho Nacional de Educação alerta para este problema.
À medida que os anos foram passando fomos assistindo ao envelhecimento da classe docente, mas também à perda de alunos interessados em prosseguir os seus estudos na área do ensino ou, pior ainda, aqueles que a seguem não são sequer os melhores — pelo menos não são os que chegam com as melhores notas de acesso ao ensino superior. Veja-se um exemplo muito concreto: há perto de 30 anos, a nota de entrada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, para Português-Inglês era a terceira mais alta do país. Hoje vão para as humanidades os alunos mais fracos do secundário e a nota do último classificado, o ano passado, em Estudos Portugueses na mesma instituição foi de 13,4 (numa escala de 0 a 20), muito longe das Medicinas, Engenharias Aeroespaciais, Arquitecturas e afins – aliás, se um filho nosso tiver grandes notas, a última coisa que queremos é que ele escolha humanidades.
Uma das primeiras reportagens que fiz foi acompanhar dois professores de Filosofia no período de concurso. Saímos de Lisboa de madrugada e fomos parando nas capitais de distrito que lhes interessavam – Santarém, Castelo Branco… – para se irem candidatando. Enfrentamos filas de outras centenas de candidatos. Hoje, chegados a Setembro, vemos os candidatos noutras filas, as do Instituto de Emprego e Formação Profissional a candidatar-se ao subsídio de desemprego. A proletarização reflecte-se no termos professores que andam de escola em escola para conseguirem completar horários. Ou que recusam horários em regiões como Lisboa ou Algarve, onde é impossível arrendar um quarto com o salário que se vai ganhar. Os professores levam décadas a conseguir entrar nos quadros – a Federação Nacional dos Professores (Fenprof) revela que os docentes vinculam depois dos 45 anos de idade e de mais de 16 anos de serviço. Não só demoram a conseguir um vínculo como levam 34 anos a chegar à remuneração máxima, diz um estudo da rede Eurydice – sofrem de congelamento da carreira, sabemos.
Quem são os principais prejudicados por este sistema que, incompreensivelmente, quer poupar nos recursos, quando a escola e os seus professores podem ser os grandes contribuintes para o esbatimento de desigualdades sociais, para o tal elevador social, para a defesa da democracia? Os alunos.
Feito o retrato, em pinceladas grossas (grosseiras até, dir-me-ão alguns), vamos ao que nos trouxe aqui: como atrair os melhores para a docência?
1. Sermos bons ouvintes
Se um filho nos disser que quer ser professor, não fazer logo aquele ar do “ando eu a criar um filho para isto…”. Claro que devemos falar-lhes dos prós e contras da profissão, mas também incentivá-los a prosseguir os seus sonhos. Se fizerem o que gostarem vão fazê-lo sempre com um sorriso, mesmo que ganhem mal.
Se os nossos amigos nos disserem: “Já viste que o nosso filho quer ser professor…” falar-lhes da importância desta profissão, como podem, de facto, ajudar a mudar o mundo! É esse lado poderoso que os professores têm e que tem de ser mais sublinhado – o seu poder para contribuir para um mundo melhor!
2. Valorizarmos as ciências sociais e humanas
Em épocas como a que estamos a viver, com o avanço rápido das inovações cientificas e tecnológicas, percebemos cada vez mais como é importante reflectir sobre as questões e nada como as ciências sociais e humanas para nos darem essas ferramentas. Aprender a pensar, a questionar, a encontrar respostas – essa é uma capacidade fundamental que as crianças devem aprender com os pais, educadores de infância e professores.
O CNE propôs um 10.º ano igual para todos, “mais livre e transversal”. Na formação inicial dos professores, a História e a Filosofia não devem ser esquecidas. Da mesma maneira que nos cursos de Jornalismo há cadeiras de estatística (que nos permitem ler o mundo através dos números e fazer manchetes bombásticas), também os futuros professores – sejam de Matemática, Biologia ou Educação Física – têm de conhecer a sociedade em que vivem, têm de saber pensar e ter mundo para lá da disciplina que leccionam.
3. O ensino superior ser exigente com quem quer a via ensino
Os cursos superiores para o ensino não podem ter as médias mais baixas, não podem acolher alunos medíocres que vão fazer um curso só porque sim e que ali chegam já vencidos, já com os vícios e as palavras de ordem dos sindicatos.
Da mesma maneira que há faculdades que procuram atrair os melhores alunos – vejam-se os cursos de Economia e Gestão com todo aquele jargão do “somos vencedores, somos os melhores”, etc. –, também as faculdades de letras e de ciências, bem como as escolas superiores de educação têm de ter orgulho naquilo que fazem e incuti-lo nos seus alunos. Têm de conquistar os melhores. Têm de ser mais dinâmicas, mais activas, com os pés no mundo e não lamentarem-se porque qualquer dia têm de fechar as portas por falta de estudantes.
Preparar os futuros professores não é só ensinar didáctica e inovação, é transmitir-lhes confiança, é dar-lhes bons exemplos, é ensiná-los a ser para que – quando chegarem à sala de aula – reflictam o que aprenderam e sejam daqueles professores que os alunos não esquecem o seu nome até ao fim da vida, daqueles que os miúdos olham com reverência como uma referência, daqueles que, um dia, pensam “quando for grande quero ser como o meu professor de Matemática!”.
4. Ajudarmos a reabilitar o papel social do professor
Projectos como o do Global Teacher Prize, que premeiam os professores que se destacam; projectos educativos que levam a sociedade civil a entrar nas escolas e a contribuir para que os estudantes estejam mais predispostos a aprender; ou aquelas correntes que percorrem as redes sociais sobre “o professor que mudou a minha vida”, contribuem para que olhemos para a docência com o respeito que merece.
A comunicação social também tem o seu papel – somos muitas vezes acusados de mostrar o pior. É verdade, mas esse pior não pode ser escondido porque deve levar-nos a reflectir sobre o sistema e como este pode mudar. Contudo, também damos voz a tantos professores que escrevem colunas de opinião no PÚBLICO, também saímos em reportagem e informamos sobre bons exemplos, boas práticas, actividades que as escolas fazem que contribuem para a mudança e que podem ser exemplos inspiradores para outras comunidades educativas.
5. Exigirmos mais investimento e mudanças na carreira docente
É lamentável que a “bazuca” não seja usada para investir mais nos recursos humanos – o CNE defendeu o uso destas verbas para atrair professores –, mas em mais tecnologia e infra-estruturas para as escolas. As máquinas nada são sem a intervenção humana. Vimos isso recentemente, como o ensino à distância.
Se não houver mudanças na forma como os candidatos a professores acedem à carreira; se não se melhorar e não se derem incentivos para que estes se fixem em terras ou em escolas do interior, ou se dê um suplemento a quem está deslocado a mais de x quilómetros de casa; se as escolas não tiverem mais autonomia (inclusive na contratação); se não existirem ferramentas transparentes para avaliar as escolas e os seus professores; se não se integrarem outros profissionais como assistentes sociais, psicólogos, mediadores, que trabalhem directamente com os professores, alunos e famílias; de nada vale estarmos a debater formas de atrair futuros profissionais para uma carreira estagnada e sem quaisquer incentivos.
Lamentavelmente, o desinvestimento na educação é o desinvestimento no nosso futuro.
Fonte: Público
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