quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Dislexia: falta de formação de professores compromete milhares de alunos

Nos quotidianos escolares, em qualquer estabelecimento de ensino, os professores constatam que alguns alunos, dotados embora de capacidade intelectual, sentem dificuldades nas realizações escolares iniciais, nomeadamente fluência e compreensão leitora, retenção da informação, articulação de ideias, ordenação sequencial, dificuldades com conceitos espaciais, etc., afetando os resultados nas aprendizagens em geral. Poderão ter dislexia!

A prevalência é de 5% a 10% de alunos do sistema escolar, “o que equivale a várias dezenas de milhares de alunos” (Correia, 2008).

“As dificuldades de aprendizagem específicas dizem respeito à forma como um indivíduo processa a informação – a recebe, a integra, a retém e a exprime – tendo em conta as suas capacidades e o conjunto das suas realizações. Podem manifestar-se nas áreas da fala, da leitura, da escrita, da matemática e/ou da resolução de problemas, envolvendo défices que implicam problemas de memória, percetivos, motores, de linguagem, de pensamento e/ou metacognitivos; tais dificuldades não resultam de privações sensoriais, deficiência mental, problemas motores, défice de atenção, perturbações emocionais ou sociais, embora exista a possibilidade de estes ocorrerem em concomitância com elas, podem, ainda, alterar o modo como o indivíduo interage com o meio envolvente” (Correia, 2005).

Assim, estas Perturbações de Aprendizagem Específicas podem revelar-se como: i) défice na leitura; ii) défice na expressão escrita; iii) défice na matemática.

A sua génese neurológica é referida em múltiplos estudos publicados. Em geral, esses alunos apresentam áreas desenvolvimentais com baixa eficiência, inusuais noutros alunos. Constituem como que “alicerces” das aprendizagens simbólicas iniciais: i) a linguagem – consciência fonológica, compreensão e expressão linguística; ii) a psicomotricidade – interiorização do esquema corporal e da lateralidade (no seu corpo, no espaço envolvente e nos espaços gráficos), a orientação espacio-temporal (conseguir situar-se no espaço, na folha e num mapa ou compreender uma tabela de dupla entrada, ou aprender as horas, os dias da semana, os meses do ano ou relacionar acontecimentos ordenando-os no tempo); competências percetivas auditivas e visuais (atender a pormenores visuais e diferenças entre sons próximos, perceber as orientações visuo-espaciais dos grafemas e a correspondência grafema-fonema); a destreza e controle motor fino (o desenho das letras exige controle e destreza motora fina e respeito pela direcionalidade); dificuldades de atenção e de memória de trabalho. Atrasos significativos nestas habilidades levam a baixos resultados escolares generalizados, uma vez que, por sua vez, ler-compreender-escrever-raciocinar-escutar-reter são competências transversais.

A intervenção diferenciada, de qualidade, só poderá ter lugar com base na descrição do “perfil desenvolvimental e de realização académica do aluno”, através de estratégias e recursos específicos, a fim de se direcionar devidamente a intervenção. Torna-se de crucial importância fazer intervenção atempada, precoce (possível já na educação pré-escolar) sobre estas competências facilitadoras das aprendizagens escolares iniciais, baseadas em símbolos.

Na atual legislação, decreto-lei n.º 54/2018, prevêem-se medidas capazes de proporcionar um envolvimento adequado a estes alunos, a ser promovido quer em sala de aula, quer em apoios individualizados. A intervenção educativa específica terá de ser sistemática (não esporádica); ser estruturada (atender às diferentes áreas fracas e emergentes do aluno); ser focalizada (partindo do nível de realização atual do aluno, prosseguir os níveis superiores); ser individualizada (atender ao aluno-pessoa); ser atempada (no início da escolaridade); com modelos e abordagens multissensoriais (que apelam ao recurso a vários sentidos). A intervenção pressupõe o trabalho de uma equipa multiprofissional e implica todos os contextos próximos. Em Portugal, a maioria dos alunos com perturbações de aprendizagem específicas fica sem apoios especializados, porque se entende que aos docentes em geral cabe fazer a identificação e a diferenciação pedagógica. Só que os professores não têm formação neste campo, não os sabem identificar nem o que ou o como fazer, e o melhor tempo para intervir vai-se esgotando. Estão sentados nas salas de aula portuguesas milhares de alunos com estas perturbações. Sabe-se que muitos deles ao abandonarem a Escola, talvez magoados ou marcados pela falta de compreensão e apoio, assumem mais adiante comportamentos disruptivos e antissociais. O preço, em termos individuais e coletivos, é, portanto, muito alto!

Nesta data, a Dislex alerta para a falta de respostas educativas de qualidade, quer na identificação e diagnóstico, quer na intervenção, e formula uma pergunta: por que esperamos para apetrechar os agrupamentos em geral com meios bastantes para uma atuação eficiente e atempada com os alunos disléxicos?

Helena Serra

Fonte: Público

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