sexta-feira, 4 de novembro de 2016

O trabalho de casa dos pais devia ser, tão só, o de educar



Em vez de informar os pais sobre as novidades do ano letivo, a professora pegou no giz e antes de se virar para o quadro disse: “Bem, as contas já não se montam como no vosso tempo. Por isso, vou ensinar-vos para em casa poderem ensinar os vossos filhos, para que eles não venham dizer-me ‘o meu pai não faz assim’, para não os confundir.”

A mãe que me contou esta história era uma das encarregadas de educação daquela turma de um colégio de Lisboa. A reunião era a primeira do ano e os meninos estavam no 1.º ciclo, já não me recordo se no 1.º, se no 2.º ano. Primeiro, a mãe ficou furiosa com o “já não se montam como no vosso tempo”. A professora era bastante mais nova, reconhece, “mas o ‘no vosso tempo’ pareceu-me que andara na escola na pré-história”, confessou-me. Depois achou “inacreditável” que a professora estivesse a ensinar os pais a fazer contas – ela é de Matemáticas, mas de certeza que estariam ali outros pais de outras áreas. Sim, pensei, podia lá estar eu e a minha inumeracia...

“Inacreditável” era também a frase “poderem ensinar os vossos filhos”, continuou a dissecar a mãe. Mas não era a professora que tinha de os ensinar? No entanto, por muito incomodada que estivesse, a mãe não protestou e, tal como todos os outros pais, em vez de apontar no caderninho as datas das interrupções letivas, aprendeu tudo para “não confundir” a filha.

Esta semana, os pais espanhóis decidiram fazer greve, durante um mês, aos trabalhos ao fim-de-semana; já os pais portugueses defendem que pode haver trabalhos de casa, se forem feitos na escola.

Os trabalhos de casa dão cabo das relações dos pais com os filhos. Os miúdos chegam a casa com horas e horas de escola; os pais pousam os sacos e as mochilas em cima da mesa da cozinha, pensam no que será o jantar ao mesmo tempo que perguntam “há trabalhos de casa para fazer?”.

E há. Há trabalhos de casa e é o cabo dos trabalhos. “Faz! No que é que estás a pensar? Olha para o livro, lê a pergunta… Mas continuas na mesma questão? Não sabes, mas não aprenderam isso hoje? Vai lá ver ao caderno…” Depois vêm as queixas: “A professora não sabe ensinar! Se calhar falou nisso, mas eu não percebi…” E começa a discussão: “Mas estás atento nas aulas ou estás a brincar?” E vem a repreensão: “De certeza que se estiveres com atenção percebes!” Para terminar tudo com um “vá, arruma tudo e põe a mesa!”.

Ao fim-de-semana é melhor porque temos mais tempo? Nem por isso, porque é fim-de-semana os professores mandam mais trabalhos!

Os trabalhos fazem mal aos meninos? Não. É importante que eles tenham hábitos de trabalho e de estudo, se queremos que tenham sucesso escolar. É importante que saibam fazer trabalho autónomo, sem ajuda do professor, do explicador ou do pai. É importante que percebam, por exemplo, que só fazendo muitos exercícios se têm dúvidas e se consolida a matéria.

Se os trabalhos são benéficos, qual é o problema? É que os trabalhos fazem mal aos pais! Porque os pais não saem às quatro da tarde, mas às seis (e ficam mal vistos pelos colegas) ou às sete; porque os pais não moram ao lado da escola e enfrentam filas no trânsito para chegar à casa grande e com garagem, mas que fica nos subúrbios; porque os pais não têm empregada doméstica que passe a ferro, faça as refeições e limpe, têm eles de fazer esses trabalhos na casa; porque os pais trabalham em empresas que despediram e levam facturas e processos para adiantar casa; porque nem todos os pais conseguem ajudar os filhos – uma frustração para pais e filhos. Estão cansados, os pais.

Então, qual é a solução? Menos trabalhos de casa, se faz favor; mais trabalho em sala de aula; e trabalhos de casa mais criativos. Para que os finais de dia não sejam um inferno; para que os fins-de-semana sejam tempo de descanso, de brincadeira, de descoberta – quantos pais conhecem realmente os filhos? –, de cumplicidade, mas também de castigo não por causa do trabalho de casa, mas porque mentiu ou portou-se mal. Porque o trabalho de casa dos pais devia ser, tão só, o de educar.

Bárbara Wong

Fonte: Público

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