sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Integração Escolar e Social em Ambiente Rural - Uma experiência no interior de Portugal

A ASSOL – Associação de Solidariedade Social de Lafões - é uma Organização Não Governamental sem fins lucra­tivos (IPSS), fundada em 1987 em Oliveira de Frades com o objectivo de desenvolver uma rede de apoios a pessoas com deficiência na região de Lafões, situada no distrito de Viseu. Até essa altura, as crianças com deficiências eram mais ou menos aceites nas escolas do primeiro ciclo ou ficavam em casa entregues aos seus pais. Os jovens e adultos ficavam ao cuidado das suas famílias, sem mais apoios.
Em 1987 apenas existiam Cen­tros de Educação Especial em Viseu (cidade que fica a cerca de 50 km de distância), fre­quentados por muito poucas crianças e jovens da nossa região.
A ASSOL, desde o momento da sua fundação, definiu a sua missão como promover a inte­gração social das pessoas com deficiência por oposição à ideia de criar serviços especiais para pessoas especiais. Esta opção procurava dar corpo à inclusão escolar e social das crianças, jovens e adultos numa comuni­dade que até aí sempre se orga­nizara, com muitas dificuldades e limitações, para responder às necessidades das pessoas com deficiência, onde ainda funcio­nava uma economia assente na pequena agricultura de sub­sistência e onde os valores tradicionais diziam que cuidar das pessoas com deficiência é uma cruz a ser carregada por aqueles a quem Deus deu esse destino.
Apesar desta situação, foi decidido que a ASSOL nunca faria escolas especiais que ao tempo eram estruturas muito populares em Portugal. A sua primeira iniciativa, em 1989, porque era para isso que havia financiamento, foi a criação de um curso de formação profis­sional para adultos e jovens desempregados, o que permitiu dar alguma estrutura à Asso­ciação. A segunda, em 1991, foi celebrar um protocolo com o Ministério da Educação que permitiu à ASSOL ter alguns técnicos com a tarefa de co­laborar com as escolas e os serviços de educação especial integrada, então a nascer, de modo a conseguir a integração de todas as crianças e jovens com deficiência.
O local para as crianças e jovens crescerem é entre os seus pares, sendo certo que, para que possam fazê-lo, po­dem precisar de apoios especi­ais. Este é o conceito que está na base do projecto que temos vindo a desenvolver e que, aos poucos, foi contaminando as escolas e a comunidade. O fac­tor distintivo da ASSOL é esta estratégia, pois os recursos acrescentados às escolas são relativamente reduzidos, aten­dendo a que, para uma popu­lação global de 40.000 habitan­tes, temos apenas mais uma psicóloga, um terapeuta da fala, 3 auxiliares pedagógicas e uma técnica de serviço social a meio tempo.
Hoje, passados cerca de 17 anos sobre os primeiros pas­sos, está consolidada a ideia da integração escolar e social como um direito básico que, na nossa comunidade, é asse­gurado a todos, independente­mente da sua condição física ou intelectual. Esta orientação é continuada através de experiên­cias dos alunos em processo de transição da escola para o mundo do trabalho, facilitado pela crescente disponibilidade das empresas em aceitar a sua colaboração. Esta mudança e o empenho das escolas permitem que uma criança com deficiên­cia frequente a mesma escola dos seus pares até aos 16 ou 18 anos sem que os seus pais tenham que fazer mais do que matriculá-la na escola, tal como fazem com os outros filhos.
Através de outros programas dirigidos a jovens e adul­tos, a ASSOL tem conseguido assegurar que, uma vez ter­minada a escola, exista algum apoio seja em centro de activi­dades ocupacionais, formação profissional ou emprego, de­pendendo das capacidades e necessidades de cada jovem.
No sentido de aprofundar o envolvimento dos pais e dos colegas estamos actualmente a utilizar as técnicas do Pla­neamento Centrado na Pessoa (MAPS e PATH1) , que revelam grande potencial para a clarifica­ção de projectos de vida e para promoverem o envolvimento de toda a comunidade na concretização desses projectos.
Esta é uma técnica que exige um grande envolvimento das pessoas mas que se faz com poucos recursos: papel de cenário ou mesmo um quadro onde escrever.
O objectivo essencial é criar uma visão do futuro, desejado pela pessoa e que o grupo de colegas se compromete a apoiar.
A realização do PATH por uma aluna com multideficiência e limitações gravíssimas na co­municação (não fala), na mo­bilidade (anda em cadeira de rodas) na aprendizagem (não sabe ler nem escrever) com os seus colegas de turma com idades entre os 14 e 16 anos e os seus professores, permitiu perceber que todos tinham o sonho de serem mais amigos uns dos outros. Nesta sessão e para realizar esse sonho, os co­legas comprometeram-se a or­ganizar grupos para realizarem actividades com a aluna em questão, em diversos momen­tos ao longo da semana e, em conjunto com os professores, encontrar formas de aumentar a sua participação nas aulas que frequenta, inserida na turma.
A integração escolar das pessoas com as maiores limi­tações tem uma enorme impli­cação no modo como são per­cebidos pelos outros. A mãe da jovem atrás referida pediu que a sua filha continuasse na escola por mais um ano porque no ano seguinte viria a sua filha mais nova para a mesma escola e o facto da irmã mais velha lá es­tar daria segurança à irmã mais nova. Esta transformação de uma “deficiente profunda” em “irmã mais velha” só se consegue pela presença e pela participação e nunca haverá passes de mágica, acções de sensibi­lização ou discurso políticos sobre a inclusão capazes de a operarem.
Esta mudança faz toda a diferença do mundo e é ela que nos dá alento para, embora cometendo erros, persistirmos neste caminho. Esta coopera­ção com as escolas tem uma enorme repercussão em toda a comunidade, criando um ambi­ente de naturalidade que facilita o acesso das pessoas com defi­ciência a outros serviços.
Os recursos são impor­tantes mas mais importante é a estratégia porque se orientam, pois é ela que permite moldar os projectos e estabelecer a direcção a seguir. Os profis­sionais costumam dizer que tra­balham para as pessoas, o que, sem dúvida, é verdade. Mas acontece que em terapias que utilizam animais, por exemplo a hipoterapia com cavalos, estes também trabalham. Portanto, não é o facto de trabalhar que, por si só, distingue o terapeuta do animal. A capacidade de re­alizar o trabalho em função de uma estratégia, esse sim, é o factor distintivo.
As casas e as prisões são feitas com os mesmos materi­ais. A diferença está apenas no plano. Também em educação os recursos podem servir para promover a integração e puxar as pessoas para a corrente da vida comunitária ou pelo con­trário para as conter nas mar­gens.
1- MAPS – Making Action Plans (Formulação de Planos de Acção)
PATH - Planning Alternative Tomorrows with Hope (Planea­mento dum Futuro Alternativo com Esperança)
Mário Pereira é Psicólogo e Di­rector Técnico da ASSOL

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