quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Ranking favorece escolas de alunos de classes privilegiadas

Projectos educativos bem elaborados, reforço da carga curricular e frequência de alunos das classes dominantes. Estas são algumas das razões apontadas por especialistas para explicar o predomínio do ensino privado no topo dos rankings.
"As escolas privadas têm dono que sabe muito bem cuidar da sua casa". É desta forma simples que o padre Amadeu Pinto, director do Colégio S. João de Brito, em Lisboa, tenta explicar a razão por que os colégios ocupam a maioria dos lugares de topo do ranking das escolas secundárias.
Amadeu Pinto é de opinião que o sucesso das escolas privadas está no projecto educativo. "Nas escolas oficiais, esse projecto não passa de um proforma", referiu, para destacar, ainda, a estabilidade do corpo docente como também uma mais-valia dos colégios. Por outro lado, Amadeu Pinto critica o "facilitismo" que existe nas escolas de ensino oficial. "As crianças têm necessidade que se puxe por elas e não que se lhes facilite cada vez mais a vida", realçou.
O director do Colégio S. João de Brito sabe que só frequenta a instuição quem pode pagar os 460 euros de mensalidade mensal no Ensino Secundário. Em troca disso, salientou AmadeuPinto, os alunos beneficiam de um projecto educativo credível, que tem por detrás a Companhia de Jesus, um corpo docente estável ("dos nossos 120 professores, apenas dois mudaram"), aulas de apoio e salas bem equipadas.
Conceição Amaral, directora pedagógica do Externato Ribadouro, também aponta o projecto educativo da instituição como a razão principal da liderança à frente nos rankings.
"O objectivo dos nossos alunos é o acesso ao Ensino Superior, enquanto no ensino público os alunos têm outros objectivos", fez notar. Para Conceição Amaral, é a qualidade do ensino ali ministrado que explica que 85% dos seus alunos tenham entrado no Ensino Superior na primeira fase e que 83 alunos tenham conseguido um lugar em Medicina.
Com uma mensalidade de 330 euros mensais, os alunos frequentam, para além do currículo idêntico ao do ensino oficial, aulas de reforço em Biologia e Geologia, Físico-Químicas, Matemática e Português. "Todos os alunos têm mais 90 minutos por semana nessas disciplinas desde o 10.º ano ", explicou. Além disso, os estudantes em ano de exames (11.º e 12.º anos) passam a poder frequentar aulas exclusivamente de preparação para os exames. "Nessas aulas, treinamos os alunos para interpretarem as perguntas dos exames e ensinamos a estruturação das respostas em todas as disciplinas com exames", referiu.
Ao contrário do ensino oficial, os professores são seleccionados e constituem um corpo estável.
"Para além disso, o nosso sucesso assenta também num trabalho de proximidade que fazemos com as famílias, queremos que os pais estejam bem informados sobre a forma como trabalhamos", afirmou Conceição Amaral. A directora do "Ribadouro" apontou, ainda, o equipamento das salas como muito importante para o êxito escolar. "Temos tecnologia de ponta, principalmente nas aulas de Biologia e Físico-Químicas", salientou.
Conceição Amaral refuta a ideia de que o Ribadouro esteja apenas vocacionado para os alunos que desejam ir para Medicina. "Eu quero que esta escola seja heterogénea e,por essa razão, é que temos aqui turmas dos cinco cursos do ensino regular", referiu.
Pedro Oliveira, investigador da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e um dos primeiros participantes no programa de avaliação das escolas oficiais, esclarece que as instituições que lideram os rankings concentram-se nas grandes cidades e têm uma expressão muito reduzida no resto do país.
Numa primeira leitura, Pedro Oliveira referiu que é nos colégios privados que estão os filhos das classes privilegiadas, que dispõem de melhores condições económicas e culturais para o sucesso escolar.
"Quando as escolas podem escolher os alunos, que comparação é possível fazer com aquelas que não podem fazer tal escolha?", indagou.
Para Pedro Oliveira, seria interessante se os rankings mostrassem a origem social dos alunos para se perceber o posicionamento das escolas nas listagens.
Também Ivo Domingues, sociólogo do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, põe a tónica do êxito dos colégios privados na continuidade que proporcionam às classses média e alta de manterem os seus privilégios sociais e culturais.
Por outro lado, quando olha para o interior das organizações escolares, identifica diferenças a nível da organização. "Os colégios têm processos de organização e regulação mais estruturados e mais controlados do que as escolas de ensino público", fez notar.
Ivo Domingues referiu que a regulação das instituições privadas de ensino tem tradição na diversidade de actividades que são desenvolvidas e oferecidas aos alunos. "A formação é um trabalho de equipa que, para ser eficiente, tem de ser concertado e coordenado. E isto tem melhor expressão no ensino privado", referiu.
Por fim, o sociólogo esclareceu que há muitas escolas públicas que fazem um esforço enorme em acrescentar mais valor nos conhecimentos que os alunos trazem no início do ano e, lamentavelmente, esse esforço não é revelado nos rankings. "Há muitas escolas que dão mais-valia aos conhecimentos dos alunos e, mesmo assim, elas não estão no topo do ranking", concluiu.

2 comentários:

Cristina disse...

É uma pena que as crianças com nee sejam convidadas a sair destes colégios ou que nem lhes seja dada hipótese de entrarem... Efectivamente a competição entre colégios para estarem no topo dos rankings é tal que, em muitos casos, passa logo à partida por uma triagem das crianças que aceitam ter ou manter, o que é "meio caminho andado" para o sucesso do ensino. Os recursos são bons, a estrutura está muito bem organizada e a matéria prima tem potencialidade. Neste aspecto há que louvar o esforço que vem sendo feito no ensino público, apesar de todas as suas deficiências e ineficiências. Mas também isto não é revelado nos rankings.

João Adelino Santos disse...

Cristina, concordo em absoluto consigo!
Para se poderem comparar resultados, é necessário que estes possuam as mesmas condições de partida.
No entanto, penso que o ME deveria analisar os factores determinantes do sucesso dos estabelecimentos privados e fazer um esforço para equiparar as condições dos estabelecimentos públicos.
Quanto aos alunos com nee... são os excluídos do sistema privado!