De certeza que já te aconteceu sentir que tens sempre muitas ideias ao mesmo tempo, que não consegues parar para descansar, que começas inúmeras tarefas e não acabas nenhuma. Ou talvez dês por ti a saltar de separador em separador no computador, a esquecer onde colocaste as chaves ou o teu telemóvel, a interromper conversas sem querer, ou a adiar coisas importantes até ao último segundo.
É natural que te identifiques com alguns destes sinais. Mas, antes de procurares um autodiagnóstico, é importante lembrar que estes sintomas podem ter várias origens: desde a hiperestimulação constante em que vivemos, às exigências do dia-a-dia (no trabalho, na família, em casa, ou perante as expectativas sociais) até a outras questões físicas ou mentais, como a exaustão, a ansiedade, o burnout, a privação de sono ou até fases de vida mais desorganizadas. A distração, a fadiga e a sensação de estar sempre a correr contra o tempo nem sempre se traduzem em PHDA 2126558).
Então vamos começar por dar resposta à pergunta inicial: a PHDA não se adquire ao longo da vida, nem se transmite de pessoa para pessoa. É uma forma de operar diferente que existe desde que o cérebro se começa a desenvolver — chamamos a isto o neurodesenvolvimento.
Podemos imaginar este processo como a construção de uma casa: desde cedo, cada parede e cada divisão são moldadas, criando as bases para o seu funcionamento. Na PHDA, existem diferenças nesta arquitetura interna que influenciam áreas como a atenção, a motivação, o controlo dos impulsos e a gestão das emoções. Não surge de repente, acompanha a pessoa desde sempre.
Para compreendermos ainda melhor porque se confundem tanto estes sintomas, é necessário que compreendamos o papel da dopamina. É o neurotransmissor responsável por processos como a motivação, o prazer e a recompensa. E é precisamente por ser tão central ao nosso comportamento diário que os sintomas associados à sua flutuação, como dificuldade em começar tarefas, baixa tolerância à frustração ou necessidade de estímulos constantes, podem surgir em diferentes contextos: em fases de exaustão, sob stress crónico, ou quando estamos constantemente hiperestimulados.
A diferença, no caso da PHDA, é que esta (des)regulação dopaminérgica é diferente na sua origem e mantém-se ao longo da vida. Ou seja, não se trata apenas de um desequilíbrio pontual provocado por fatores externos, mas de uma característica estável e estrutural do funcionamento cerebral.
O cérebro com PHDA processa a dopamina de forma diferente. Em determinados momentos ou contextos, pode haver uma baixa disponibilidade de dopamina, o que torna mais difícil iniciar tarefas, manter a atenção ou sentir motivação. Noutras situações, sobretudo perante estímulos muito interessantes e gratificantes, pode haver uma disponibilidade aumentada, associada a fenómenos como o hiperfoco, a criatividade ou uma energia dirigida muito intensa.
Estima-se que cerca de 5% das crianças e adolescentes e 2,5 a 3% dos adultos em todo o mundo tenham PHDA. Em Portugal, os dados oficiais ainda são muito poucos, mas sabemos que a realidade não foge muito a estas percentagens. Então porque é que parece que “agora toda a gente tem PHDA”?
Talvez porque, até aos anos 90, a PHDA só era reconhecida como uma perturbação da infância. Só em 1994 passou a ser oficialmente reconhecida em adultos, o que deixou gerações inteiras sem diagnóstico ou sem perceberem que as suas dificuldades tinham nome.
Esta identificação tardia fez com que muitos profissionais também não tivessem formação para a reconhecer nos adultos, criando um vazio de compreensão e de apoio. Atualmente, com o crescente reconhecimento da PHDA no adulto, é natural, e até expectável, que mais pessoas se identifiquem com os sintomas, procurem respostas e queiram aceder a um diagnóstico.
Hoje, como psicóloga, é comum receber pacientes em consulta depois de anos de diagnósticos errados ou incompletos, como depressão, ansiedade ou perturbações da personalidade. Como as intervenções eram direcionadas a estes diagnósticos, as abordagens nem sempre resultavam. Não é que não tivessem sintomas reais, mas ninguém tinha olhado para o seu modo de funcionamento como algo que pudesse ser diferente. Ou seja, não necessariamente com origem em fatores emocionais, mas, na grande maioria das vezes, em processos executivos.
A PHDA não é uma doença no sentido clássico. É uma neurodivergência, uma forma diferente de o cérebro funcionar, como disse. E as dificuldades raramente estão apenas na pessoa: estão, sobretudo, na relação desajustada entre este funcionamento neurodivergente e as exigências de um mundo construído para quem pensa e sente de forma mais linear.
Percebemos, portanto, que a PHDA não é uma “pandemia”. É um funcionamento diferente, que sempre existiu, mas agora finalmente reconhecido. E não deve ser motivo de alarme, mas sim de progresso. Quando olhada com a devida atenção, a PHDA deixa de ser um “rótulo” e passa a ser uma porta aberta: para o autoconhecimento, para a aceitação, para as acomodações da sociedade e acima de tudo, para a autenticidade.
Rita Gama Ferreira
Fonte: Público de acesso livre
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