quarta-feira, 30 de julho de 2025

É realmente necessário ler para aprender? O que a neurociência diz sobre ler versus ouvir

Vamos começar com uma experiência mental: feche os olhos e imagine como será o futuro daqui a algumas centenas de anos.

Será que as pessoas serão viajantes intergaláticos a voar entre galáxias? Talvez vivamos em naves espaciais, mundos subaquáticos ou planetas com céus roxos.

Agora, imagine o seu quarto como um adolescente do futuro. Provavelmente haverá um ecrã brilhante na parede. E quando olhar pela janela, talvez veja os anéis de Saturno, o brilho azul de Neptuno ou as maravilhas do fundo do oceano.

Agora pergunte a si mesmo: há algum livro no quarto?

Abra os olhos. Provavelmente, há um livro por perto. Talvez esteja na sua mesa de cabeceira ou debaixo da cama. Algumas pessoas têm apenas um; outras têm muitos.

Ainda hoje se encontram livros, mesmo num mundo repleto de podcasts. Porquê? Se podemos ouvir quase tudo, por que é que a leitura ainda é importante?

Como cientista da linguagem, estudo como os fatores biológicos e as experiências sociais moldam a linguagem. O meu trabalho explora como o cérebro processa a linguagem falada e escrita, utilizando ferramentas como a ressonância magnética e o eletroencefalograma.

Seja lendo um livro ou ouvindo uma gravação, o objetivo é o mesmo: compreensão. Mas essas atividades não são exatamente iguais. Cada uma delas apoia a compreensão de maneiras diferentes. Ouvir não oferece todos os benefícios da leitura e ler não oferece tudo o que ouvir oferece. Ambas são importantes, mas não são intercambiáveis.

Processos cerebrais diferentes

O seu cérebro usa alguns dos mesmos sistemas linguísticos e cognitivos tanto para ler quanto para ouvir, mas também desempenha funções diferentes dependendo de como você está a absorver a informação.

Quando você lê, o seu cérebro está a trabalhar intensamente nos bastidores. Ele reconhece as formas das letras, associa-as aos sons da fala, conecta esses sons ao significado e, em seguida, vincula esses significados entre palavras, frases e até livros inteiros. O texto usa uma estrutura visual, como sinais de pontuação, quebras de parágrafo ou palavras em negrito, para orientar a compreensão. Pode ir ao seu próprio ritmo.

Ouvir, por outro lado, exige que o seu cérebro trabalhe no ritmo do interlocutor. Como a linguagem falada é fugaz, os ouvintes devem confiar em processos cognitivos, incluindo a memória, para reter o que acabaram de ouvir.

A fala também é um fluxo contínuo, não palavras separadas de forma organizada. Quando alguém fala, os sons misturam-se num processo chamado coarticulação. Isso exige que o cérebro do ouvinte identifique rapidamente os limites das palavras e conecte os sons aos significados. Além de identificar as palavras em si, o cérebro do ouvinte também deve prestar atenção ao tom, à identidade do falante e ao contexto para compreender o significado do que está a ser dito.

«Mais fácil» é relativo – e contextual

Muitas pessoas assumem que ouvir é mais fácil do que ler, mas isso não é normalmente o caso. A investigação mostra que ouvir pode ser mais difícil do que ler, especialmente quando o material é complexo ou desconhecido.

A compreensão auditiva e a compreensão de leitura são mais semelhantes em narrativas simples, como histórias fictícias, do que em livros de não ficção ou ensaios que explicam factos, ideias ou como as coisas funcionam. A minha investigação mostra que o género afeta a forma como lemos. Na verdade, diferentes tipos de textos dependem de redes cerebrais especializadas. As histórias fictícias envolvem regiões do cérebro relacionadas com a compreensão social e a narrativa. Os textos de não ficção, por outro lado, dependem de uma rede cerebral que ajuda no pensamento estratégico e na atenção direcionada para objetivos.

Ler materiais difíceis tende a ser mais fácil do que ouvir, também do ponto de vista prático. A leitura permite que se mova facilmente pelo texto, relendo partes específicas se tiver dificuldade em compreender ou sublinhando pontos importantes para revisitar mais tarde. Um ouvinte que tenha dificuldade em acompanhar um ponto específico precisa de pausar e retroceder, o que é menos preciso do que percorrer uma página e pode interromper o fluxo da audição, dificultando a compreensão.

Mesmo assim, para algumas pessoas, como aquelas com dislexia de desenvolvimento, ouvir pode ser mais fácil. Indivíduos com dislexia de desenvolvimento muitas vezes têm dificuldade em aplicar o seu conhecimento da linguagem escrita para pronunciar corretamente as palavras escritas, um processo conhecido como decodificação. Ouvir permite que o cérebro extraia o significado sem o difícil processo de decodificação.

Envolvimento com o material

Uma última coisa a considerar é o envolvimento. Neste contexto, envolvimento refere-se a estar mentalmente presente, concentrar-se ativamente, processar informações e conectar ideias ao que já se sabe.

As pessoas costumam ouvir enquanto fazem outras coisas, como exercícios, cozinhar ou navegar na Internet – atividades que seriam difíceis de fazer enquanto se lê. Quando os investigadores pediram a estudantes universitários para lerem ou ouvirem um podcast no seu tempo livre, os estudantes que leram o material tiveram um desempenho significativamente melhor num questionário do que aqueles que ouviram. Muitos dos estudantes que ouviram relataram ter feito várias tarefas ao mesmo tempo, como clicar no computador enquanto o podcast era reproduzido. Isto é particularmente importante, pois prestar atenção parece ser mais importante para a compreensão auditiva do que para a compreensão escrita.

Portanto, sim, ler ainda é importante, mesmo quando ouvir é uma opção. Cada atividade oferece algo diferente e elas não são intercambiáveis.

A melhor maneira de aprender não é tratar livros e gravações de áudio como se fossem a mesma coisa, mas sim saber como cada um funciona e usar ambos para compreender melhor o mundo.

Traduzido com a versão gratuita do tradutor - DeepL.com

Fonte: The Conversation por indicação de Livresco

terça-feira, 29 de julho de 2025

Para educar não é preciso pedir licença

Depois de anos de debates, petições, pareceres e opiniões sobre o uso de smartphones na escola, o Ministério da Educação anunciou a proibição do seu uso durante o 1.º e 2.º ciclos.

Tendo em conta as consequências e implicações do uso deste aparelho nas instituições de ensino – como a indisciplina, o cyberbullying, o isolamento e a diminuição do rendimento escolar – importa questionar por que motivo tantas escolas, apesar de desejarem proibi-lo mais cedo, encontraram dificuldade em fazê-lo de forma autónoma.

Lembro-me de uma reunião de pais em que a professora, com alguma hesitação, informou os encarregados de educação de que os alunos não deveriam andar de skate na escola apresentando uma longa e rocambolesca justificação que implicava um cabo de trabalhos entre seguros escolares, leis, ministério da educação, multas e feridos. Perguntei-me por que não teria dito simplesmente que não era permitido usar o skate dentro da escola. À partida as razões seriam mais do que óbvias, mas calculo que já imaginasse o chorrilho de protestos e comentários que daí adviria.

Hoje em dia, qualquer proibição, reprimenda ou advertência são assuntos absolutamente delicados que têm de ser tratados com pinças. Implicam explicações infindáveis, papeladas, pedidos de satisfações e, por vezes, visitas indesejadas ao recinto escolar.

É de lamentar que as escolas, enquanto instituições que deveriam ter autonomia na definição das suas práticas e decisões, se vejam frequentemente limitadas pela pressão externa, muitas vezes exercida por pais, encarregados de educação e demagogias, comprometendo o que consideram ser melhor para os seus alunos.

Paralelamente, também nos deparamos com pais que, apesar de reconhecerem que o uso excessivo e inadequado do telemóvel não é benéfico para os seus filhos, o oferecem em tenra idade e permitem que o usem livremente, sem orientação ou regras definidas.

É caso para pensar onde fica o diálogo, a capacidade de tomar decisões e definir estratégias. Por que razão parece que andamos todos com tanto medo uns dos outros. E por que temos tanto receio de interferir com o desejo ou a liberdade dos mais novos, mesmo quando sabemos que eles ainda não têm maturidade para decidir o que é melhor para si.

Para educar não é preciso pedir licença. A educação exige acompanhamento e diálogo, mas também coragem e firmeza. Quando os adultos hesitam em assumir o seu papel de orientadores, cedendo facilmente a pressões externas, querendo agradar ou deixando adivinhar o seu receio de represálias, desistem do seu importante papel de guias, deixando os jovens mais vulneráveis, num mundo onde ainda não têm recursos para se orientarem sozinhos.

Filipa Chasqueira

Fonte: SOL por indicação de Livresco

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Estudo nacional revela discriminação generalizada contra pessoas com deficiência

Um estudo nacional sobre políticas de inclusão demonstra que as pessoas com deficiência são discriminadas “praticamente em todas as áreas”, alertou o coordenador, que sublinhou o estigma que a sociedade ainda demonstra em relação a estas pessoas.

O Sistema de Indicadores de Políticas de Inclusão (SIPI), coordenado pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, recolheu ao longo de 2025 respostas de 721 pessoas com deficiência em idade ativa, para aferir o que as próprias entendem sobre o impacto das políticas públicas nas suas condições de vida.

Posteriormente serão adicionados os dados administrativos e o impacto da deficiência nas famílias.

Em entrevista à agência Lusa, o coordenador apontou que os inquéritos “demonstram uma vulnerabilidade acrescida das pessoas com deficiência, independentemente dos esforços que têm vindo a ser feitos a nível político nos últimos anos”.

O investigador entende que essa vulnerabilidade está “muito relacionada também com o estigma que a sociedade ainda tem relativamente a estas pessoas”.

“O estudo demonstra uma transversal discriminação praticamente em todas as áreas. Desde a escola, onde muitas vezes os alunos com deficiência são discriminados pelos próprios colegas, (…) mas também por professores e por outros agentes educativos, mas depois também a nível do emprego”, salientou José Miguel Nogueira.

Na educação, o estudo revela que os tipos de discriminação mais frequentes são o gozo/chacota (68%), a agressão ou pressão psicológica (56%), ou exclusão de atividades regulares da turma e/ou visita de estudo (52%).

“Somente 38,1% dos alunos apresentou queixa, mas 75% destes considera que a situação não foi bem resolvida”, lê-se no estudo.

José Miguel Nogueira disse que as acessibilidades são um problema crónico e alertou para a discriminação no acesso ao emprego.

Mesmo quando as pessoas encontram um emprego remunerado, “também se confrontam com situações de discriminação e de preconceito”.

“Esse preconceito muitas vezes tem a ver com aquilo que os colegas pensam, que os colegas dizem, as chefias, hipótese de progressão na carreira, cargos de chefia, etc., em que sentem de facto que existe discriminação”, exemplificou.

Segundo o responsável, a discriminação é também visível no acesso à cultura, desporto ou política e considerou “muito deprimente” que 10% dos inquiridos que revelaram fazer parte de um partido político se queixem da falta de condições para se fazerem ouvir dentro do próprio partido.

Para José Miguel Nogueira, a explicação reside nos “séculos de discriminação relativamente àquilo que é diferente” e que hoje é patente, não só em relação à deficiência, mas sobre outros grupos minoritários e que “são ostracizados em nome de uma determinada normalidade que a sociedade pretende construir ou que certos níveis da sociedade pretendem construir”.

Lembrou há “uma barreira muito grande entre aquilo que é a produção legislativa e aquilo que depois é a implementação e aquilo que as próprias pessoas fazem com essa implementação”, defendendo que “ainda existe uma discriminação grande” que é visível “nas manifestações das pessoas perante as pessoas com deficiência”.

Apesar de entender que o estudo pode ser uma chamada de atenção para o caminho que ainda falta percorrer, recusou a ideia de que não se tenha feito nada, apontando, por exemplo, que Portugal está “no topo das medidas de apoio ao emprego”.

“Eu gostava que estes dados, em primeiro lugar, servissem como um alerta, mas, em segundo lugar, que contribuíssem também para uma reflexão” e para que os decisores políticos pudessem “fazer melhores políticas públicas, políticas mais inclusivas”, defendeu José Miguel Nogueira.

Salientou ainda que “nunca houve nenhuma ditadura das minorias”, - e isso “é matéria de facto” – e que “as pessoas com deficiência são, ao longo da história, a minoria mais discriminada de todas as minorias”.

O SIPI é um projeto-piloto desenvolvido com a parceria do Instituto Nacional de Reabilitação e de mais 30 organismos públicos, 28 organizações não-governamentais com trabalho com pessoas com deficiência e 16 outras entidades setoriais da sociedade.

Fonte: RR por indicação de Livresco

sábado, 26 de julho de 2025

Plataforma de capacitação em Cibersegurança já disponível em português – Polícia Judiciária

A Polícia Judiciária (PJ), em colaboração com a Direção-Geral da Educação (DGE), acaba de divulgar o portal SecPort, uma plataforma digital dedicada à sensibilização e capacitação em Cibersegurança, com conteúdos disponíveis em língua portuguesa.

Um dos recursos em destaque neste portal é o jogo educativo CyberCity Tycoon, uma aplicação móvel já traduzida para português. Este jogo proporciona uma experiência lúdica e pedagógica sobre os desafios da Cibersegurança em ambientes urbanos, sendo especialmente indicado para jovens e educadores.

Concebido com o objetivo de reforçar competências em segurança digital e promover a literacia e cidadania digitais junto de diferentes públicos, o portal SecPort foi desenvolvido pela entidade CyberCitizen, com financiamento europeu, em parceria com a Universidade Aalto e o Ministério dos Transportes e Comunicações da Finlândia. A autorização para a utilização do portal e do respetivo jogo educativo, em português, foi emitida pela autoridade finlandesa competente e partilhada com a PJ, em articulação com a DGE.

Aceda ao Porta.

Fonte: DGE

sexta-feira, 25 de julho de 2025

Escola de Lisboa tem Língua Gestual Portuguesa como disciplina obrigatória

Susete Ornelas, docente surda, conseguiu introduzir a disciplina de LGP no currículo do Agrupamento de Escolas da Quinta de Marrocos. Uma medida que sonha ver aplicada em todas as escolas. (...)

Fonte: DN por indicação de Livresco

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Comissão IDEA foi criada para defender a inclusão e a acessibilidade. E já está a operar

Na Comissão para a Inclusão, Diversidade, Equidade e Acessibilidade (IDEA) é quase tudo novo. Depois de três meses de trabalhos informais, a nova Comissão recebeu luz verde para a constituição formal, através de um despacho da direção de CIÊNCIAS, que foi lançado no início de julho. A primeira reunião oficial já teve lugar e o novo elenco já começou a preparar os desafios para os próximos dois anos de atividade.

“Estamos ainda em fase de definir o cronograma de atividades. Algumas dessas atividades já estão sob a forma de proposta e vão ser apresentadas na reunião que temos agendada para esta sexta-feira”, responde Cláudio Pina Fernandes, membro da Comissão IDEA, e coordenador do Gabinete de Apoio Psicológico (GAPsi) de CIÊNCIAS.

Além das iniciativas que deverão ser apresentadas pelos membros deste novo órgão colegial, a Comissão IDEA garante que está recetiva aos contributos da comunidade. “Queremos que a comunidade de CIÊNCIAS possa participar na Comissão IDEA. E por isso disponibilizamos um endereço de e-mail para o efeito. Queremos enfatizar que as pessoas podem e devem apresentar-nos propostas, ideias ou críticas que estejam relacionadas com estes temas”, sublinha Duarte Almeida, membro da Comissão IDEA e coordenador do grupo OutCIÊNCIAS.

A Comissão IDEA resulta de uma reformulação, levada a cabo nos últimos meses, da Comissão para o Acompanhamento para a Acessibilidade e Inclusão, que havia sido estabelecida em 2023. Com a reformulação, pretende-se alargar o raio de ação e garantir maior representatividade dos vários grupos de estudantes, professores e restantes profissionais que constituem a comunidade de CIÊNCIAS.

O plano de trabalhos contemplou ainda a constituição de cinco Grupos de Trabalho: um primeiro especializado na comunicação inclusiva; um segundo relacionado com a acessibilidade física; um terceiro para a acessibilidade digital; um quarto dedicado à igualdade de género; e por fim, um Grupo de Trabalho dedicado à divulgação de atividades do IDEA.

Na nova Comissão há expectativa de fazer reuniões mensais, mantendo os subgrupos a autonomia necessária para trabalhar as respetivas agendas. Apesar de grande parte das propostas e medidas ainda ter de ser debatida, os representantes da Comissão IDEA já estão em condições de avançar com alguns exemplos do trabalho que se avizinha.

Duarte Almeida recorda que a Comissão IDEA pretende ajudar os responsáveis de CIÊNCIAS a fazer um “levantamento” do campus do Campo Grande , que tem como termos de comparação as boas práticas de acessibilidade, que facilitam o dia-a-dia de pessoas com limitações sensoriais ou motoras. “Esse trabalho haverá de prosseguir numa segunda fase com técnicos especializados nestes temas”, refere ainda Duarte Almeida.

No rol de bons exemplos já em curso, Cláudio Pina Fernandes destaca a formação que os profissionais não docentes de CIÊNCIAS têm vindo a ter para garantir o respeito das normas de acessibilidade na produção de documentos, ficheiros ou conteúdos digitais.

“Pouco a pouco, as medidas práticas e a formação vão contribuir para uma cultura de respeito pela diferença em simultâneo com o sentido de pertença a CIÊNCIAS”, sublinha Duarte Almeida.

Apesar de ter por objetivo garantir o respeito pela acessibilidade e a equidade entre géneros, orientações culturais, sexuais ou religiosas, este primeiro texto aqui publicado sobre a Comissão IDEA acabou por sofrer um imprevisto, que impediu Tamires Nunes, técnica da área jurídica e membro da Comissão IDEA, de estar presente no momento de entrevista.

Mesmo com este contratempo, Cláudio Pina Fernandes reitera que a nova Comissão IDEA tem por objetivo zelar pelos interesses de todos os que constituem a comunidade de CIÊNCIAS. “Um grupo diverso não é necessariamente inclusivo, mas uma organização inclusiva é necessariamente diversa”, conclui.

Fonte: Ciências por indicação de Livresco

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Governo vai financiar a totalidade dos custos de formação de novos professores em Lisboa, Setúbal e Algarve

O Governo vai financiar a 100% os custos da formação de novos professores nas regiões da Área Metropolitana de Lisboa, Península de Setúbal e Algarve, numa resposta urgente à crescente escassez de docentes nas escolas públicas. O anúncio foi feito esta quarta-feira, 23 de julho, pelo ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, durante uma reunião com diretores escolares em Lisboa.

De acordo com um estudo de diagnóstico realizado pela Universidade Nova de Lisboa, cerca de 4.000 professores vão aposentar-se anualmente até ao ano letivo de 2033-2034, com as escolas a precisarem de recrutar cerca de 39 mil docentes até essa altura. Este número levanta preocupações sérias quanto à capacidade de resposta do sistema educativo, especialmente em zonas já afetadas pela falta de docentes, como são o caso da AML, Setúbal e Algarve.

“Estamos a falar de uma necessidade estrutural, não para os próximos cinco anos, mas para as próximas décadas”, sublinhou o ministro. Para enfrentar este desafio, o Ministério da Educação vai financiar integralmente os custos dos cursos de educação básica e dos mestrados em formação de professores.

Este novo modelo de apoio será formalizado através de contratos-programa com instituições de ensino superior, que ainda estão em negociação. Segundo Fernando Alexandre, o financiamento será orientado por objetivos, com compensações associadas ao número de diplomados, incentivando assim o aumento da oferta formativa.

“O objetivo é claro: formar mais professores, mais rapidamente, e garantir que chegam onde são mais precisos”, afirmou o ministro. A expectativa é que as universidades abram novas turmas ou criem novos cursos já em 2025, respondendo à urgência do problema.

Além do reforço da formação inicial, o Governo vai voltar a olhar para as habilitações próprias dos professores (aqueles que têm formação da área cientifica que lecionam, mas não são diplomados em cursos de ensino) e para a profissionalização em serviço, que deverá ser simplificada, passando a ser possibilitada a docentes com, pelo menos, um ano de experiência e não cinco.

O executivo irá ainda manter medidas do Plano +Aulas +Sucesso, implementadas no último ano letivo, e que ajudaram a mitigar temporariamente a falta de professores. Entre estas medidas está o apoio à deslocação, que beneficiou 2.807 docentes, e o prolongamento voluntário da carreira além da idade da reforma, que permitiu manter 1.496 professores no ativo.

Haverá também mudanças na atribuição de horas extraordinárias: a partir do próximo ano, o número de horas adicionais poderá ser compensado na componente não letiva, flexibilizando a carga horária dos docentes.

Com estas medidas, o Governo espera estabilizar o sistema educativo a médio e longo prazo. A formação gratuita para novos professores nas regiões mais afetadas representa, segundo Fernando Alexandre, “um sinal claro de que é preciso agir já”.

Fonte: DN por indicação de Livresco

terça-feira, 22 de julho de 2025

Os alunos do jardim-de-infância estão a ter dificuldades com a autorregulação

Ian Knox é o diretor da Escola Primária Hamagrael no norte do estado de Nova Iorque. Também faz parte da direção do The Principal Center da The Capital Area School Development Association, onde apoia o desenvolvimento da liderança, a orientação e as iniciativas de colaboração para os diretores das escolas na região de Albany.

O jardim de infância marca uma fase crítica no crescimento de uma criança, estabelecendo as bases para a sua jornada para se tornar um membro empenhado e compassivo da sociedade. Durante esta fase formativa, as crianças desenvolvem uma paixão pela aprendizagem, criam laços significativos e, mais importante ainda, começam a explorar e a gerir os seus sentimentos de forma construtiva.

Recentemente, aqueles de nós que trabalham em escolas primárias têm observado um número crescente de alunos do jardim de infância com dificuldades de autorregulação, o que pode ter impacto em toda a comunidade escolar. Os alunos desregulados podem criar stress, esgotamento e ambientes de aprendizagem inseguros para os seus professores e colegas.

Quando começamos a planear o início de um novo grupo de alunos do jardim de infância, como é que nós, enquanto líderes escolares, podemos lidar melhor com estas dificuldades e equipar os alunos, o pessoal e o corpo docente com as ferramentas de que necessitam para prosperar?

Nesta coluna quinzenal, diretores e outras autoridades em liderança escolar - incluindo investigadores, professores de educação, administradores distritais e diretores-adjuntos - dão conselhos oportunos e intemporais aos seus pares.

A solução começa com a confiança. Antes de implementar estratégias significativas, como programas de aprendizagem socio-emocional, os professores, funcionários, alunos e famílias devem confiar no líder da escola para promover a colaboração, fornecer orientação e criar unidade.

No artigo da Harvard Business Review "Managing People: Begins with Trust“, as autoras Frances Frei e Anne Morriss sublinham que a confiança é ”uma das formas mais essenciais de capital de um líder" e o primeiro passo para se tornar um líder genuinamente capacitador.

Esta confiança, explicam Frei e Morriss, baseia-se em três fatores fundamentais: empatia (“acredito que se preocupa comigo e com o meu sucesso”), autenticidade (“sinto que é realmente você”) e lógica (“sei que é capaz de o fazer; o seu raciocínio e o seu julgamento são sólidos”). Para os diretores escolares, a combinação destes três fatores pode ajudar-nos a criar a confiança de que necessitamos para responder eficazmente às complexas necessidades sociais e emocionais dos alunos.

Seguem-se três passos práticos que descobri para aplicar estes fatores de construção de confiança ao serviço de uma comunidade escolar próspera e solidária:

1. Demonstrar empatia levando cada desafio a sério.

Os líderes devem dar prioridade à empatia nas suas ações para promover a confiança e a colaboração. Demonstrar empatia através da escuta ativa, reconhecendo os desafios e fornecendo apoio significativo aumenta o sentido de eficácia dos professores e constrói uma cultura escolar mais forte e unificada.

Um aluno que luta contra a desregulação conduz inevitavelmente a numerosas reuniões - quer com as famílias, quer com os professores. Os sinais que nós, dirigentes escolares, damos durante estes momentos de tensão podem reforçar a confiança nas nossas equipas ou criar obstáculos significativos. Como diretores de escola, temos muitas vezes as mãos cheias, mas no momento em que damos a entender que uma situação não é tão importante como outra, a confiança começa a desgastar-se.

Participar em reuniões e visitas às salas de aula com toda a atenção, demonstrando que cada preocupação é valorizada. Validar as emoções dos professores, alunos e famílias, reconhecendo os seus desafios e oferecendo encorajamento sem julgamento. Esta empatia abre caminho a soluções práticas para desenvolver a autorregulação dos alunos.

2. Liderar com autenticidade, reconhecendo as suas próprias limitações.

Tem medo de mostrar o seu verdadeiro eu na sua posição? Quão diferente é a sua personalidade profissional da sua personalidade pessoal? Se se mostrar demasiado no trabalho, pode criar o que Frei e Morriss identificam como “um limite artificial de confiança”.

Os líderes que são autênticos e transparentes podem fomentar uma confiança mais profunda nas suas equipas. A disponibilidade de um líder para admitir limitações e confiar em perspectivas diversas incentiva a abertura e a inovação nas suas equipas. Lembre-se de alinhar as suas acções e decisões com os valores que promove - como a empatia e a colaboração - para modelar autenticamente o comportamento que espera dos outros.

Como líderes de edifícios, muitas vezes esforçamo-nos por ser o “solucionador” de todos os problemas nas nossas escolas, mas seria melhor sermos transparentes sobre as áreas em que nos falta confiança. Por exemplo, se a SEL é uma das áreas em que não se sente completamente confiante, seja honesto e procure o apoio da sua equipa. É por isso que é tão importante ter membros da equipa com diferentes conjuntos de competências.

3. Modelar a sua lógica com um julgamento consistente e sólido.

Quando os líderes dão prioridade a um raciocínio claro e alinhado com os valores escolares partilhados, criam uma base fiável para a sua equipa durante as fases de incerteza.

Como líderes escolares, devemos modelar esta força na nossa liderança. Quando somos transparentes em relação à lógica da nossa tomada de decisões, permitimos que as nossas equipas confiem que o nosso raciocínio e o nosso julgamento são sólidos. Navegar na imprevisibilidade do dia a dia de uma criança desregulada pode parecer uma montanha russa, por isso é essencial que sejamos consistentes. Quando sabem o que podem esperar de nós, é mais provável que as nossas equipas nos procurem sem hesitação quando precisarem de mais apoio.

Assegure-se de que as suas ações e decisões refletem os valores e os objetivos da sua equipa escolar. Mantenha-se firme e estável, para que o seu pessoal tenha confiança no seu julgamento e raciocínio e o veja como fiável.

Traduzido com a versão gratuita do tradutor - DeepL.com

Fonte: Education Week por indicação de Livresco

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Guia para professores pretende desenvolver competências para combater extremismo violento

Preparado pela UNESCO, este guia para professores foi pensado para ajudar os professores a perceberem e enfrentarem as questões ligadas ao extremismo violento na sala de aula.

O documento está disponível de forma aberta e pretende ser uma ajuda para os professores e outras pessoas que trabalham em contextos educativos, mas pode ser útil para qualquer pessoa que se preocupa com estes fenómenos e com a melhor forma de reforçar a resistência à propaganda e discursos extremistas e violentos.

"O extremismo violento e as forças subjacentes à radicalização estão entre os desafios mais pervasivos do nosso tempo. Embora o extremismo violento não se limite a nenhuma idade, sexo, grupo ou comunidade, os jovens são particularmente vulneráveis às mensagens de extremistas violentos e organizações terroristas", reconhece o documento, adiantando ainda que "perante tais ameaças, os jovens necessitam de oportunidades de aprendizagem relevantes e oportunas para desenvolver os conhecimentos, as competências e as atitudes que os possam ajudar a construir a sua resiliência a esta propaganda"

A UNESCO entende que é importante os professores estarem confiantes e bem preparados para saber quando e como discutir as questões do extremismo violento e da radicalização com os alunos, adicionando alguns conselhos sobre como criar um clima de sala de aula inclusivo e propício ao diálogo respeitoso, à discussão aberta e ao pensamento crítico.

O Guia traz também uma área de contextualização e recomendações sobre formas de iniciar a conversa na sala de aula, com regras para gerir a discussão e garantir que as várias perspectivas são ouvidas.

Pode aceder ao Guia para professores sobre a prevenção do extremismo violento através deste link, onde pode ler o documento ou descarregá-lo e guardá-lo para ler mais tarde.

Fonte: Tek Notícias por indicação de Livresco

sábado, 19 de julho de 2025

Seguro escolar: coberturas e exclusões

O seguro das escolas públicas tem falhas, apesar de ser mais abrangente do que o da maioria das escolas privadas. Além de praticarem exclusões graves, as escolas não distribuem uma cópia da apólice aos alunos ou encarregados de educação na matrícula. Estes desconhecem os direitos em caso de acidente.

Quem tem direito ao seguro escolar?

O seguro abrange os alunos de quase todos os graus de ensino público: jardins-de-infância, básico, secundário, profissional e artístico, recorrente e de educação extracurricular. O superior está excluído. Estão cobertos os alunos de estabelecimentos particulares e cooperativos em regime de contrato de associação. Ou seja, sempre que, num raio de quatro quilómetros, não exista uma escola pública que sirva as crianças e os jovens residentes ou, havendo, esteja sobrelotada, estes também beneficiam do seguro.

O que está coberto?

Estão cobertos os acidentes durante a atividade escolar ou na ocupação de tempos livres. A cobertura é também válida em excursões, aulas práticas, estágios e visitas de estudo ou outras atividades organizadas pela escola. Estão igualmente abrangidos os acidentes ocorridos no trajeto entre a residência e a escola e vice-versa.

Em caso de atropelamento ocorrido no percurso normalmente efetuado entre a residência e o estabelecimento de ensino, o seguro só poderá ser ativado se a responsabilidade for imputável ao aluno (quando a responsabilidade for do condutor, a indemnização será paga pelo seguro de responsabilidade civil automóvel deste), se este for menor de idade e não se encontrar acompanhado de um adulto responsável pela sua vigilância. Neste caso, é também necessária a participação do acidente às autoridades competentes.

Quais as exclusões?

O seguro não reembolsa acidentes em atividades não organizadas pela escola, ainda que decorram nas suas instalações. Estão também de fora da lista os problemas resultantes de cataclismos da natureza, tumultos ou desordens.

Dá para acionar o seguro escolar nestas situações?

Algumas situações da vida estudantil podem levantar dúvidas sobre o enquadramento nas coberturas do seguro escolar. Eis as respostas.

Óculos partidos

O seguro só cobre estes danos se resultarem claramente de um acidente ocorrido em tempo de aulas (intervalos incluídos). No entanto, só as ocorrências que provoquem lesões, doença ou morte do aluno são consideradas “acidente”.

Braço partido

Sim, estão cobertas pelo seguro as lesões sofridas pelos alunos no recinto da escola em tempo de aulas, ainda que decorra um intervalo ou que as aulas não tenham ainda começado.

Hospital à escolha

Os alunos que precisarem de atendimento hospitalar devem ser encaminhados para um estabelecimento do Serviço Nacional de Saúde. Se a família optar pelo encaminhamento para uma unidade privada, a despesa poderá não ser paga pelo seguro escolar, salvo se for abrangido por sistema, subsistema ou seguro de saúde de que o aluno seja beneficiário.

Pedras atiradas a carros no exterior

Sim, os danos provocados a terceiros (sejam pessoas ou objetos) por alunos durante a sua permanência na escola estão cobertos pelo seguro, ainda que as vítimas estejam no exterior do recinto escolar.

Casaco roubado

Não. O furto ou roubo de bens não está abrangido pelas coberturas do seguro escolar.

Telemóvel partido

Não. O seguro escolar ainda não prevê a cobertura de danos em telemóveis, tablets ou computadores.

Queimadura no laboratório

Sim, qualquer lesão sofrida pelo aluno durante o tempo de aulas está coberta pelo seguro escolar. Cabe aos responsáveis do estabelecimento de ensino acionar os meios de socorro adequados e, se necessário, encaminhar o aluno para um hospital.

Acidente a caminho da escola

Estão cobertos os acidentes ocorridos no trajeto entre a casa e a escola, se não existir um terceiro responsável e desde que o aluno se desloque a pé, de bicicleta, de trotinete, de skate ou qualquer outro veículo sem motor.

Seguro escolar: quais as indemnizações?

Paga a totalidade das despesas de tratamento não comparticipadas pelo sistema de proteção social do aluno, como o Serviço Nacional de Saúde. A assistência médica tem de ser prestada em instituições públicas. Garante as despesas de hospedagem, alojamento e alimentação se a vítima tiver de se deslocar para fora da sua área de residência por determinação médica, bem como as do acompanhante, mas só no caso de a vítima ser menor de idade.

No transporte para o tratamento, devem ser utilizados transportes coletivos, a menos que a lesão recomende outros. A indemnização por incapacidade permanente é calculada em função do grau atribuído por uma junta médica, segundo a tabela nacional de incapacidades. No limite, ou seja, se a incapacidade corresponder a 100%, o aluno recebe uma indemnização de 300 vezes o salário mínimo nacional. Pode ainda receber uma indemnização por danos morais equivalente a 30% da anterior. Está garantido o pagamento dos danos causados a terceiros pelo aluno quando se encontrar à guarda do estabelecimento de ensino ou no trajeto, se a responsabilidade for sua.

Quanto custa?

O prémio de seguro é pago no ato da matrícula, e corresponde a 1% do salário mínimo nacional. Para o ano escolar 2024-2025 foi de 8,20 euros e será, no ano escolar 2025-2026, de 8,70 euros. Ficam isentos de pagamento os alunos do pré-escolar e do ensino obrigatório (até ao 12.º ano ou aos 18 anos) e os portadores de deficiência.
Como acionar o seguro escolar?

Se possível, participe o acidente à escola o mais rapidamente possível. Depois, apresente os comprovativos das despesas e preste os esclarecimentos pedidos pelo estabelecimento de ensino ou pela Direção Regional de Educação. Pode ainda ter de se submeter a exames médicos.

Fonte: DECO por indicação de Livresco

Comissão Europeia apresenta diretrizes e protótipo de aplicação para reforçar a segurança das crianças online

A Comissão Europeia (CE) apresentou recentemente um novo conjunto de diretrizes dirigidas às grandes plataformas digitais, com o objetivo de proteger os menores de idade no espaço online. Em simultâneo, foi também apresentado um protótipo de aplicação para verificação de idade, que poderá ser utilizado como solução transitória até à implementação da futura Carteira Europeia de Identidade Digital, prevista para 2026.

As novas diretrizes da CE, enquadradas pelo Regulamento dos Serviços Digitais (Digital Services Act - DSA), pretendem dar resposta à necessidade crescente de garantir um ambiente digital mais seguro para crianças e jovens. Entre as medidas recomendadas estão a definição de contas de menores como privadas por predefinição, a limitação de funcionalidades de design persuasivo (como reprodução automática ou notificações constantes), a proibição da recolha e partilha de conteúdos gerados por menores, bem como a disponibilização de ferramentas simples para bloqueio e denúncia de utilizadores. Além disso, os sistemas de recomendação das plataformas devem ser ajustados para reduzir a exposição a conteúdos nocivos.

Complementarmente, a CE apresentou um protótipo de aplicação de verificação de idade que permite aos utilizadores provar que são maiores de 18 anos sem necessidade de partilharem dados pessoais sensíveis (p. ex., data de nascimento). Esta solução assenta em tecnologias de privacidade avançadas, como a separação entre os processos de verificação e validação, provas únicas e não rastreáveis, e mecanismos de encriptação com garantias de anonimato.

O protótipo será testado, numa fase inicial, em cinco Estados-Membros: Dinamarca, França, Grécia, Itália e Espanha. Durante esta fase piloto, a aplicação será utilizada por diferentes serviços online, incluindo plataformas de redes sociais e websites com conteúdos para adultos. A CE sublinha que esta é uma solução tecnicamente fiável e respeitadora da privacidade, e que poderá ser adotada de forma voluntária por operadores digitais até à entrada em vigor da Carteira de Identidade Digital da UE.

Com estas iniciativas, a CE reforça o seu compromisso com a criação de um ambiente digital mais seguro, inclusivo e adequado às necessidades das crianças e dos jovens, promovendo simultaneamente o respeito pelos seus direitos fundamentais no mundo online.


Fonte: DGE por indicação de Livresco

sexta-feira, 18 de julho de 2025

Marta ficou paraplégica mas voltou a andar e sente-se "um filme de ficção científica"

Marta Dombi nunca aceitou o destino que os médicos lhe traçaram. Seis anos após ouvi-los dizer que nunca voltaria a andar, conseguiu caminhar graças a implantes ligados a inteligência artificial e sente-se “um filme de ficção científica em pessoa”.

Em 2018, durante uma prova de Ironman, Marta Dombi sofreu um acidente de bicicleta que a deixou paraplégica. Ninguém assistiu ao desastre, mas o resultado foi uma lesão medular completa, a forma mais grave da doença: Marta perdeu completamente a mobilidade e a sensibilidade da cintura para baixo.

Os médicos disseram-lhe que nunca voltaria a andar, mas Marta não quis ouvir: “Os médicos (…) não nos dão esperança. Tiram-na desde o começo. Mas, para mim, foi como se não quisesse mesmo acreditar naquela versão da história”, contou, em entrevista à Lusa, à margem de uma conferência sobre medicina e inteligência artificial que decorreu esta semana na Fundação Champalimaud, em Lisboa.

“Acho que fiz a possibilidade acontecer. (…) Sempre fui otimista e sempre fui focada. Pesquisei tudo o que estava a acontecer no mundo em termos de lesão da espinal medula”, disse.

Logo após o acidente, Marta inscreveu-se como participante nos ensaios clínicos do NeuroRestore, um centro de investigação e tratamento que desenvolve e aplica estratégias de bioengenharia envolvendo intervenções neurocirúrgicas e que envolve a Universidade de Lausana, na Suíça.

Apesar de não haver então ensaios clínicos para pacientes com lesão completa da medula espinal, Marta insistiu e acabou por ser chamada em junho do ano passado e operada em setembro.

Na cirurgia, que durou sete horas, foram-lhe colocados três implantes: um no crânio, junto à zona do cérebro que controla o movimento das pernas, e dois na medula espinal, logo abaixo da lesão.

Com recurso a inteligência artificial, os elétrodos do crânio ligam-se aos da coluna e permitem a Marta ativar e controlar os músculos das pernas, numa espécie de “ponte digital” sobre a lesão, explicou à Lusa a neurocientista Valeria Spagnolo, membro da NeuroRestore, que apresentou o caso de Marta na conferência Medica AI da Champalimaud.

O dispositivo colocado no crânio tem pequenos elétrodos que registam a eletricidade provocada pela comunicação dos neurónios quando Marta pensa num movimento de uma das pernas.

Esses sinais são registados, codificados em algoritmos que permitem identificar qual o movimento exato que a paciente pretende fazer, e convertidos em pulsos elétricos que são transmitidos aos elétrodos colocados na medula espinal, que por sua vez estimulam os músculos.

Além destes elétrodos, são necessários vários dispositivos externos para o sistema funcionar: um boné para recolher os sinais do implante no crânio, um aparelho para enviar sinais para os elétrodos na coluna e um computador portátil que tem de ser ligado e que comunica com os restantes dispositivos por bluetooth ou wireless, sendo transportado no andarilho que apoia Marta nos seus passos controlados.

“Sou um filme de ficção científica e algumas pessoas brincam que funciono no Windows, mas é verdade, porque preciso da tecnologia e do ‘hardware’ para o ‘software’ funcionar”, gracejou.

Pôr tudo isto a funcionar requereu meses de trabalho e terapia para Marta recuperar os músculos que estavam inativos há seis anos e para a equipa afinar a codificação dos sinais e os estímulos.

“Há pequenas peças que precisam sempre de ser melhoradas. (…) O corpo humano não é como a tecnologia, que funciona logo quando se carrega no enter”, brincou.

Para Valeria Spagnolo, o caso de Marta é “o princípio de algo muito grande, mas é preciso calibrar as expectativas”.

“Não é como se a Marta fosse ao supermercado a andar. Ainda é algo muito experimental, que fazemos no laboratório ou que ela faz duas vezes por semana em casa”, disse.

A neurocientista admite que ainda há muito espaço para melhorar, nomeadamente nos algoritmos ou no volume e portabilidade do ‘hardware’ externo, para que seja mais fácil de usar pelo paciente.

“Não é uma mudança de vida, mas sim, é muito excitante como prova de que é possível”.

Marta, que segundo a cientista foi a primeira pessoa com lesão medular completa e a primeira mulher a andar, lamenta sobretudo não se sentir a andar: “É duro”.

Por enquanto, usa o espelho enquanto treina, na esperança de aprender a sentir o movimento.

Apesar de otimista, Marta, que continua a usar a cadeira de rodas para a sua vida quotidiana, sabe que não há cura para o seu caso e que nunca voltará a ter a vida que tinha antes do acidente.

Mas foca-se naquilo que pode fazer: “Tornar o treino parte da vida quotidiana de uma forma que esteja mais perfeitamente integrado na minha vida”.

E espera também que a tecnologia evolua para que andar exija menos ‘hardware’, menos ‘software’ e menos dificuldades técnicas.

Na sua intervenção na conferência, Marta agradeceu aos médicos e cientistas “que continuam a empurrar as fronteiras da ciência” e deixou palavras de incentivo a quem receba um diagnóstico como o seu: “Tenho de lhes dizer que eu voltei a andar e que mais está para vir”.

Fonte: JN

quinta-feira, 17 de julho de 2025

A exposição de crianças a microplásticos prejudica-lhes a tiróide e o desenvolvimento

A exposição a plastificantes e microplásticos constitui um perigo para o normal funcionamento da tiroide e um risco para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, revela um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) divulgado este domingo.

Em causa estão os ftalatos, substâncias químicas utilizadas principalmente em produtos de plástico, como PVC (plástico de cloreto de polivinil), para torná-los mais flexíveis.

A equipa da FMUP analisou dados de mais de 5.600 crianças e adolescentes de vários países e reuniu, lê-se no resumo enviado à Lusa, “evidências suficientes para concluir que a exposição aos ftalatos causa alteração na função da glândula tiroide com um aumento nos níveis de hormona T3 e uma diminuição nos níveis hormona T4 total”.

O estudo foi publicado em janeiro na revista médica European Journal of Pediatrics com um alerta dirigido aos médicos, nomeadamente pediatrias, e às autoridades de saúde.

“Ao longo das décadas que usamos plásticos, começou-se a perceber que estes ftalatos têm impacto na saúde humana e em quase todos os organismos vivos. Infelizmente, vivemos com eles por todo o lado. É quase impossível comprar algo no supermercado sem um plástico. Até os suminhos das crianças têm um plástico à volta”, exemplificou a professora da FMUP, Augusta Coelho.

Em declarações à Lusa, a investigadora considerou que os pediatras têm um papel crucial ao educar os pais sobre a exposição aos ftalatos e sugerir medidas preventivas, como uso de vidro ou aço inoxidável para armazenar alimentos, e evitar aquecer comida em recipientes plásticos, entre outras.

“Não nos podemos enganar a nós próprios: atualmente com o nosso nível de civilização e a procura de conforto que buscamos é muito difícil não termos contacto com os microplásticos. Há medidas que eu posso enumerar, mas sinceramente acho que isto merece uma reflexão mais política, mais global, a pensar no que vamos oferecer às gerações futuras”, disse.

Além dos riscos para a saúde já conhecidos, especialmente no que diz respeito às alterações hormonais e à saúde reprodutiva, este estudo da FMUP vem reforçar os potenciais riscos dos ftalatos para o neurodesenvolvimento das crianças.

Os ftalatos são plastificantes amplamente utilizados na indústria dos plásticos que estão presentes em muitos bens de consumo, incluindo embalagens de alimentos e vestuário.

Também são utilizados em produtos de cuidados pessoais, como sabonetes, champôs, ‘sprays’ para o cabelo, perfumes e vernizes, e em vários brinquedos infantis, incluindo lápis de cera, insufláveis, massa de modelar e tintas.

Estas substâncias podem entrar no organismo por ingestão, absorção cutânea e inalação.

“Os resultados do nosso estudo realçam a importância de minimizar o contacto com plastificantes e microplásticos no ambiente”, frisou Augusta Coelho, lembrando que hoje, “e bem”, se investe muito na conversa com os pais sobre questões de segurança, “como colocar a cadeirinha no carro”, por exemplo, e se deve aproveitar para “parar um bocadinho e motivar os pais a ter comportamentos de proteção das crianças em relação aos microplásticos”.

“A população, os jovens, também é bastante ativa nestas campanhas. Acho que isto deve ser falado nas escolas, Não sabemos ainda qual é o impacto que esta geração terá mais tarde, daqui a décadas, por ter sido sujeita a um elevado nível de exposição aos ftalatos”, sublinhou.

De acordo com a especialista, a União Europeia (UE) tem tomado medidas para reduzir a exposição dos cidadãos a estas substâncias, mas fora da UE, não são regulamentados da mesma forma devido às suas diferentes aplicações.

Assim, produtos contendo esses ftalatos podem ser encontrados no mercado da UE.

Atualmente, vários ftalatos (DEHP, BBZP, DiBP e DNBP) não podem ser utilizados sem autorização para usos específicos.

O DEHP, DNBP, DIBP e BBZP estão proibidos em todos os brinquedos e artigos de puericultura, enquanto o DINP, DIDP e DNOP estão proibidos em brinquedos e artigos de puericultura que possam ser colocados na boca.

A UE estabeleceu um limite para a quantidade de BPA em brinquedos para crianças até três anos e em brinquedos destinados a serem colocados na boca.

O uso de ftalatos classificados como tóxicos para a reprodução é proibido em cosméticos.

A UE está ainda a definir limites legais para a concentração de certos ftalatos (DEHP, BBZP e DNBP) em materiais em contacto com alimentos.

Fonte: CNN Portugal por indicação de Livresco

segunda-feira, 14 de julho de 2025

No cérebro digital

A Organização Mundial da Saúde recomenda não expor os menores de 2 anos a ecrãs e limitar o seu uso a uma hora por dia como máximo até aos 5 anos. Apesar das advertências, a imagem de uma criança concentrada num tablet ou num telemóvel é bastante habitual.

Trata-se de uma desescalada tecnológica: tudo o que pode ser feito em papel, é feito em papel. É o que nos dizem os professores da Escola Pia de Caldes de Montbui, perto de Barcelona, cujas salas de aula são um doce retrocesso no tempo.

Não há computadores portáteis, nem tablets, nem quadros eletrónicos. Quase não há calculadoras. E, claro, nem um telemóvel. Numa sala de aula, os alunos do quinto ano, com 10 e 11 anos, copiam à mão o enunciado de um problema de matemática ditado pelo professor (não há folha impressa) e, num caderno à parte, fazem as operações. Noutra sala, alunos do ensino secundário numa aula de Literatura dispõem-se em semicírculo para conseguirem ver a cara uns dos outros.

Os livros são de papel. Os estudantes tiram apontamentos com a caneta e todos têm à mão um corretor, um utensílio nostálgico com a mesma função da tecla delete.

A campainha toca e saem para o pátio onde se conversa e brinca. É um microcosmo, digo para mim. Sobrecarregados como estamos por uma avalancha de estímulos constantes na palma das nossas mãos, tecnodependentes e incapazes de narrar seja o que for sem mostrar uma imagem ou olhar nos olhos uns dos outros enquanto julgamos estar mais ligados do que nunca, a visão de cinco adolescentes a jogar às cartas parece-me uma cena idílica que seria inaudita se tivessem um telemóvel no bolso.

No seu gabinete, Lorena Jiménez e Ascensi Laglera, diretoras pedagógicas da escola, falam como corajosas arquitetas da mudança, porta-vozes de um movimento que decidiu dar prioridade ao papel em detrimento do ecrã. Contam-me como, após a pandemia de COVID-19 e o confinamento, os computadores portáteis e as plataformas online para comunicar com o professor, aceder ao material didático ou fazer trabalhos ganharam terreno: os ecrãs foram a grande salvação, permitiram estudar à distância e os alunos habituaram-se a eles. Mas, ao fim de três anos, começaram a soar os alarmes.

“Demo-nos conta de que os estudantes tinham cada vez mais dificuldade em estruturar apontamentos ou um dossier”, explica Lorena. “Faltava-lhes o exercício mental que se faz em frente da folha em branco, quando se pensa no que é importante e se planeia mentalmente o espaço a dar a cada conceito. Apagar e trabalhar em tempo real com uma aplicação facilitava a criação de apresentações com ótimo design, mas reduziu a capacidade de síntese.” A interpretação de um texto – ou até a definição de um dicionário – era uma montanha a escalar e, nos exames, a má caligrafia juntava-se ao péssimo domínio da ortografia: “Quando escrevemos em papel, temos de saber se uma palavra se escreve com g, com j, com h ou sem h; mas quando escrevemos com autocorrector, não precisamos de aplicar essas regras e não as aprendemos.” O cálculo também se ressentia: “Agora promovemos o cálculo mental.

O factor que convenceu estas duas docentes a revolucionar o projecto escolar foi a irrupção das ferramentas de IA, como o ChatGPT, que inviabiliza alguns princípios pedagógicos básicos: como pode um aluno aprender sem esforço? Como pode escrever bem se nunca escreve?

Naturalmente, esta não é a única instituição a apostar na desescalada tecnológica: há uma tendência global. Há dois anos, a Suécia anunciou um investimento de 60 milhões de euros para voltar a ter livros de papel nas escolas públicas, uma ideia que se expandiu pela Europa.

Em Portugal, o processo é mais tímido, mas também existe. O Movimento Menos Ecrãs, Mais Vida nasceu da iniciativa de quatro mães com filhos entre os 6 e os 12 anos. Catarina Prado e Castro, uma entomóloga forense sediada em Coimbra, cujo trabalho, por vicissitudes do destino, até já foi abordado pela National Geographic Portugal reconhece que ainda só se deram os primeiros passos. “Na Europa e em países como o Brasil, já foram adotadas pela comunidade escolar restrições no acesso aos smartphones. É inevitável caminhar nesse sentido”, diz.

No seu caso, um dos primeiros sinais de alarme soou quando se apercebeu pelas conversas do filho de 10 anos que na escola estava a ter acesso a conteúdos pornográficos. Os filhos de Catarina não têm smartphone, mas a maioria dos colegas tem, e boa parte deles sem qualquer controlo parental. Este é aliás um argumento de peso para não confiar no simples bom senso dos encarregados de educação. Catarina sublinha o carácter aditivo das redes sociais e dos jogos, mas também a necessidade de salvaguarda da privacidade das crianças e o cyberbullying.

“O bullying sempre existiu nas escolas, mas agora pode dar a volta ao planeta e ficar visível para sempre com um impacte mais violento e duradouro”, resume. A exposição excessiva e sem mediação a conteúdos online transformou-se num problema de saúde pública e deve ser encarado como tal. Catarina gostaria de ver, como já sucede noutros países, campanhas de sensibilização para o problema. No passado, estes instrumentos revelaram-se eficazes no combate ao tabagismo, na prevenção rodoviária ou no incentivo à reciclagem. Há por isso motivos para acreditar que também poderia ajudar a superar este problema.

Ainda antes da constituição do Movimento, em 2023, Mónica Pereira, instrutora de ioga para crianças, criou uma petição para levar o tema ao Parlamento. Apesar de reunir 24.000 assinaturas, foi preciso esperar por Setembro de 2024 até o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) aceitar uma reunião com o recém-criado Movimento. Na altura, em Portugal, apenas 2% dos agrupamentos escolares impunham algumas restrições ao acesso a smartphones dentro das escolas. No rescaldo da reunião, o MECI emitiu um conjunto de recomendações às escolas sobre o uso de smartphones em contexto escolar.

Desde então, o número de escolas aderentes duplicou. A relutância em implementar restrições não é fácil de entender, mas Catarina Prado e Castro sugere uma hipótese. “Com quadros muito limitados, é mais fácil manter os alunos absorvidos em frente dos ecrãs do que a brincar no recreio, onde a vigilância seria mais exigente.” Entretanto, algumas escolas estão a trocar os manuais de papel e os cadernos por manuais digitais e tablets. Os indicadores internacionais sugerem que os problemas de saúde mental estão a crescer entre os mais novos e a pandemia tem costas largas, mas Catarina sublinha que vários estudos sugerem que estes problemas já estavam a aumentar quando o vírus surgiu e os ecrãs se estabeleceram ainda mais na vida dos jovens. “A pandemia acelerou um processo de crescimento de problemas de saúde mental, que já estavam em ascensão”, diz.

A médio prazo, as mães portuguesas que se organizaram neste movimento têm a expectativa de que, à semelhança do que sucede noutros países, as escolas sejam zonas livres de smartphones, mas no imediato concentram-se em assegurar que isso ocorra pelo menos até ao 9.º ano, contribuindo para que a idade com que a maioria das crianças recebe o seu primeiro smartphone possa passar da faixa de 9-10 anos para 14-15. Os gurus da tecnologia digital de Silicon Valley gabam-se de não terem ecrãs em casa e inscrevem os filhos em escolas alternativas como a Escola Waldorf, presente em todo o mundo e conhecida por promover a aprendizagem artística e experimental. No mundo pré-pandémico, era considerado um sonho proporcionar computadores portáteis aos alunos da escola primária. O número de computadores e tablets disponíveis reflectia a capacidade de cada escola para enfrentar os desafios do futuro e o nível socioeconómico das famílias. Agora, o lema é outro: quanto menos ecrãs, melhor.

O cérebro digital é uma realidade. Corresponde de facto àqueles que nasceram no século XXI, os “nativos digitais”, mas também se tornou, por adaptação, uma anatomia necessária para a “geração analógica”. É fascinante, mas o fenómeno exige uma observação mais minuciosa.

David Bueno, catedrático de Neuroeducação da Universidade de Barcelona, é membro da recém-criada Comissão para a Digitalização Responsável nos centros educativos da Catalunha. Biólogo de formação, gosta de lembrar que a ciência aprende com todas as expressões artísticas, quer se trate de música, poesia ou pensamento filosófico e que todas têm repercussões no desenvolvimento cognitivo, emocional e social. Talvez por isso, vê-lo posar com essa atitude para a nossa revista na instalação de arte imersiva digital de Irma de Vries, no Museu MOCO, é testemunhar uma cena improvável.

David alerta para o impacte negativo da digitalização excessiva: “Se vivermos num ambiente em que tudo é imediato, isso levará à impulsividade. Estamos a perder a nossa capacidade de atenção e não podemos adiar as recompensas.”

As redes sociais geram dependência: “As gratificações instantâneas que oferecem são descargas de dopamina, um neurotransmissor que funciona como nas adições: queremos mais e, se não o tivermos, sentimo-nos vazios. O humor oscila como numa montanha-russa.”

E podem essas faíscas de euforia alterar as funções cerebrais? Sim, sobretudo nas crianças e nos adolescentes: “Os que olham para as redes sociais com frequência mostram neurodesenvolvimento diferente nas redes emocionais, motivacionais e de controlo cognitivo; a verificação habitual à procura de likes pode estar associada a alterações da sensibilidade neural.”

A equipa do Laboratório ConnectedMinds de Amsterdão tem trabalhado sobre a impulsividade e o impacte dos likes. Wouter van den Bos, licenciado em Filosofia, fundou o laboratório em 2018 para monitorizar as mudanças no desenvolvimento cognitivo dos jovens em relação ao ambiente. A equipa “aterra” nas escolas secundárias munida de tablets com os quais os jovens respondem a todo o tipo de testes, depois analisados com modelos computacionais e técnicas de neuroimagem. O estudo mais recente aborda a repercussão das redes e dos likes na saúde mental e na autoestima: “Nesta faixa etária, são mais sensíveis à aceitação e à rejeição e já não estão só expostos ao que pensa um grupo ou uma pessoa: mostram-se ao mundo inteiro e, através do que publicam, constroem a sua identidade social”, diz Wouter por videoconferência. E, de facto, o humor dos adolescentes muda em função dos likes recebidos.

Quando lhe peço para se pronunciar como defensor ou opositor desta nova realidade, Wouter é evasivo: “Quase todos os estudos têm mais em conta o tempo que os jovens passam em frente aos ecrãs do que o conteúdo que consomem. Assistir a histórias no TikTok ou similares não conduzirá ao desenvolvimento de novas competências. Mas há outras utilizações em que o ecrã é apenas o suporte, e a mudança na forma como percebem os conteúdos não tem de ser negativa.” (...)

Continuação do artigo em National Geographic, por indicação de Livresco

domingo, 13 de julho de 2025

PHDA: estamos perante uma nova pandemia?

De certeza que já te aconteceu sentir que tens sempre muitas ideias ao mesmo tempo, que não consegues parar para descansar, que começas inúmeras tarefas e não acabas nenhuma. Ou talvez dês por ti a saltar de separador em separador no computador, a esquecer onde colocaste as chaves ou o teu telemóvel, a interromper conversas sem querer, ou a adiar coisas importantes até ao último segundo.

É natural que te identifiques com alguns destes sinais. Mas, antes de procurares um autodiagnóstico, é importante lembrar que estes sintomas podem ter várias origens: desde a hiperestimulação constante em que vivemos, às exigências do dia-a-dia (no trabalho, na família, em casa, ou perante as expectativas sociais) até a outras questões físicas ou mentais, como a exaustão, a ansiedade, o burnout, a privação de sono ou até fases de vida mais desorganizadas. A distração, a fadiga e a sensação de estar sempre a correr contra o tempo nem sempre se traduzem em PHDA 2126558).

Então vamos começar por dar resposta à pergunta inicial: a PHDA não se adquire ao longo da vida, nem se transmite de pessoa para pessoa. É uma forma de operar diferente que existe desde que o cérebro se começa a desenvolver — chamamos a isto o neurodesenvolvimento.

Podemos imaginar este processo como a construção de uma casa: desde cedo, cada parede e cada divisão são moldadas, criando as bases para o seu funcionamento. Na PHDA, existem diferenças nesta arquitetura interna que influenciam áreas como a atenção, a motivação, o controlo dos impulsos e a gestão das emoções. Não surge de repente, acompanha a pessoa desde sempre.

Para compreendermos ainda melhor porque se confundem tanto estes sintomas, é necessário que compreendamos o papel da dopamina. É o neurotransmissor responsável por processos como a motivação, o prazer e a recompensa. E é precisamente por ser tão central ao nosso comportamento diário que os sintomas associados à sua flutuação, como dificuldade em começar tarefas, baixa tolerância à frustração ou necessidade de estímulos constantes, podem surgir em diferentes contextos: em fases de exaustão, sob stress crónico, ou quando estamos constantemente hiperestimulados.

A diferença, no caso da PHDA, é que esta (des)regulação dopaminérgica é diferente na sua origem e mantém-se ao longo da vida. Ou seja, não se trata apenas de um desequilíbrio pontual provocado por fatores externos, mas de uma característica estável e estrutural do funcionamento cerebral.

O cérebro com PHDA processa a dopamina de forma diferente. Em determinados momentos ou contextos, pode haver uma baixa disponibilidade de dopamina, o que torna mais difícil iniciar tarefas, manter a atenção ou sentir motivação. Noutras situações, sobretudo perante estímulos muito interessantes e gratificantes, pode haver uma disponibilidade aumentada, associada a fenómenos como o hiperfoco, a criatividade ou uma energia dirigida muito intensa.

Estima-se que cerca de 5% das crianças e adolescentes e 2,5 a 3% dos adultos em todo o mundo tenham PHDA. Em Portugal, os dados oficiais ainda são muito poucos, mas sabemos que a realidade não foge muito a estas percentagens. Então porque é que parece que “agora toda a gente tem PHDA”?

Talvez porque, até aos anos 90, a PHDA só era reconhecida como uma perturbação da infância. Só em 1994 passou a ser oficialmente reconhecida em adultos, o que deixou gerações inteiras sem diagnóstico ou sem perceberem que as suas dificuldades tinham nome.

Esta identificação tardia fez com que muitos profissionais também não tivessem formação para a reconhecer nos adultos, criando um vazio de compreensão e de apoio. Atualmente, com o crescente reconhecimento da PHDA no adulto, é natural, e até expectável, que mais pessoas se identifiquem com os sintomas, procurem respostas e queiram aceder a um diagnóstico.

Hoje, como psicóloga, é comum receber pacientes em consulta depois de anos de diagnósticos errados ou incompletos, como depressão, ansiedade ou perturbações da personalidade. Como as intervenções eram direcionadas a estes diagnósticos, as abordagens nem sempre resultavam. Não é que não tivessem sintomas reais, mas ninguém tinha olhado para o seu modo de funcionamento como algo que pudesse ser diferente. Ou seja, não necessariamente com origem em fatores emocionais, mas, na grande maioria das vezes, em processos executivos.

A PHDA não é uma doença no sentido clássico. É uma neurodivergência, uma forma diferente de o cérebro funcionar, como disse. E as dificuldades raramente estão apenas na pessoa: estão, sobretudo, na relação desajustada entre este funcionamento neurodivergente e as exigências de um mundo construído para quem pensa e sente de forma mais linear.

Percebemos, portanto, que a PHDA não é uma “pandemia”. É um funcionamento diferente, que sempre existiu, mas agora finalmente reconhecido. E não deve ser motivo de alarme, mas sim de progresso. Quando olhada com a devida atenção, a PHDA deixa de ser um “rótulo” e passa a ser uma porta aberta: para o autoconhecimento, para a aceitação, para as acomodações da sociedade e acima de tudo, para a autenticidade.

Rita Gama Ferreira

Fonte: Público de acesso livre