segunda-feira, 15 de abril de 2024

O anacrónico Ministério da Educação: ardósias e giz ou computadores?

1 OS ERROS DO ME

A Escola Pública é, provavelmente, o serviço púbico que mais sofreu com os erros das políticas adotadas nos últimos anos bastando recordar (Tavares e Neves, 2023): 
A desorganização currricular contrariando todos os pareceres cientííficos das associações profissionais e de especialistas tal como aconteceu na Matemática;
O permanente clima de confrontação com os professores e a desvalorização progressiva das suas carreiras;
A destruição gradual dos sistemas de avaliação aferidos ignorando que sem eles não existe equidade na avaliação, deixa de ser possível evitar progressões sem as bases necessárias e os resultados obtidos deixam de merecer credibilidade pelos empregadores.

A pioria dos resultados dos nossos alunos aferidos nas avaliações internacionais confirma estes erros.

Todavia, a estes erros somou-se o desconhecimento sobre a estratégia que deve ser adotada para modernizar a escola integrando-a no mundo digital em que vivemos e potenciando os espantosos instrumentos que esse mundo oferece à educação moderna. Com efeito, os novos paradigmas educativos apostam nas partilhas de informação em rede, na potenciação do Blend-Learning, nas tutorias virtuais, nas práticas ativas de pesquisa e de construtividade do próprio conhecimento, em suma em novas competências e aprendizagens que são fundamentais, não só pelos resultados que permitem atingir mas também pelo domínio de competências e práticas essenciais a qualquer atividade no mundo moderno.

2 O ANACRONISMO DO ME

Se os três erros anteriores sugerem que o ME não entende o mundo atual preferindo manter velhas convicções ideológicas, o que se tem passado no domínio do digital para a nossa escola pública, confirma que este Ministério também se poderia apelidar do Ministério do Anacronismo (MA) já que a aposta no digital tem vindo a ser prosseguida como se se tratasse da aquisição de ardósias negras e de giz para as nossas escolas. Na verdade, durante a pandemia, o ensino a distância baseado em meios informáticos e com acesso à internet quase não existiu, tal como se confirmou em tese de doutoramento de colega da Universidade Lusíada (Silva, 2022) por falta de meios informáticos, de formação dos professores e de falta de acesso à internet. Com efeito, as entregas foram muito tardias (na maioria, só em 21/22), a análise dos cursos de formação dos professores confirma a quase inexistência desta temática e, como se não bastasse, o acesso à internet era pouco disseminado e a própria tarifa social da internet só surge no final da pandemia e para quem já estivesse no Ensino Superior (!!). As recentes dificuldades explicitadas ao tentarem realizar os exames sem papel confirmam a manutenção do problema.

3 QUAIS AS TRÊS PRINCIPAIS IGNORÂNCIAS REVELADAS

Esta situação deplorável que muito agravou a redução das aprendizagens durante a pandemia e que tanto agrava as desigualdades sociais e regionais resulta principalmente de três tipos de ignorância:

Não compreender que é essencial dar prioridade à formação dos professores e a programas de incentivo para desenvolver projetos educativos, integrando e potenciando o digital;
Não conhecer as modernas políticas de apetrechamento informático, já seguidas por qualquer grande empresa, segundo as quais, em vez de comprar caixas de material, adquire-se a sua disponibilização em condições de bom funcionamento e de renovação tecnológica;
Não conhecer os modernos procedimentos e critérios de contratação pública baseados nas Diretivas de 2014 e transpostas para o quadro legal nacional através do DL 111-A/2017 e sucessivas atualizações. Na verdade, passou a ser possível adotar soluções muito mais vantajosas, desde o Acordo-Quadro com múltiplos cocontratantes e plena especificação, à Parceria de Inovação, desde os Sistema de Aquisição Dinâmica ao Catálogo Eletrónico (Tavares, 2018).

Estes profundos níveis de ignorância resultam, por certo da ausência de formação que tem sido dada a dirigentes e técnicos, a qual pode ser confirmada nas mais conhecidas ações de formação. É especialmente grave a ausência da oferta de tais ações nos programas financiados pelo PRR e, segundo parece, a entidade responsável por esta área no PRR será o INA, pelo que, mais cedo ou mais tarde, esta avaliação há-de vir a ser feita.

Como é evidente, os prejuízos materiais cifram-se em centenas de milhões de euros mas os imateriais serão ainda maiores pois traduzem-se na degradação da escola pública e no agravamento acentuado das desigualdades sociais, já que aqueles que pertencem a famílias mais abastadas continuarão a integrar-se no digital quando chegam a casa e podem dispor de meios modernos e eficazes.

4 O PROGRAMA MINERVA E AS LIÇÕES DO PASSADO

Recordo-me de, quando fui Presidente do Programa MINERVA, na década de 90, o qual correspondeu ao primeiro programa de informatização das nossas escolas, ter dado, desde início, a maior prioridade a dois objetivos:

Lançar programas de formação para os professores e programas incentivando projetos inovadores. Neste ãmbito, também se lançou o programa de formação “Informática para a Vida Ativa-IVA” que formou muitos professores no digital a partir de professores de outras áreas, confirmando-se o seu interesse e capacidade.
Contratar a disponibilidade dos meios incluindo-se a sua manutenção e introduzindo sistemas de avaliação de desempenho dos meios adqurirdos cujos resultados passaram a ser tidos em conta em qualquer contratação.

Ou seja, numa época distante no digital, e sem as virtualidades do novo pensamento sobre os mercados públicos, evitou-se a atual calamidade.

Em suma, deseja-se que haja um sopro de modernidade no Ministério de Educação, pois, os procedimentos que têm sido adotados apenas estão adaptados ao apetrechamento das escolas com quadros de ardósia e caixinhas com giz de diversas cores.

Luís Valadares Tavares

Fonte: Observador por indicação de Livresco

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