Da vontade de mostrar que não há barreiras que não possam ser ultrapassadas, nasceu a marca de jóias Hoyara Jewellery, às mãos de Sara Inês Serafim. É na oficina da marca, em Vila Nova de Gaia, que encontramos a jovem de 26 anos. Sara nasceu com surdez profunda bilateral e as mãos auxiliam-na não só na comunicação, mas também a dar vida às jóias que fabrica. Na escola, chegou a ser vítima de bullying e discriminação por não ouvir. Hoje, orgulha-se de ser autónoma: propôs-se a ir mais longe e deixar de ter intérprete para conseguir, ela própria, comunicar com todos.
Durante a infância e adolescência, Sara tinha a mãe, Isabel, como intérprete, que a acompanhou durante as aulas até terminar o ensino básico. “Quando a minha mãe descobriu que eu era surda, deixou de trabalhar para poder trabalhar comigo, para eu ter um crescimento mais fácil. Na escola primária, como eu não sabia falar, a minha mãe foi tirar o curso de intérprete de língua gestual portuguesa (LGP) e ensinou todos os meninos da minha turma para poderem conversar comigo, para eu não me sentir sozinha”, recorda, em entrevista (...).
Em criança, teve aulas de LGP, mais tarde ingressou na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, mas acabou por estudar Design de Interiores na Escola Superior de Artes e Design (ESAD). Ao mesmo tempo, Sara estudava também joalharia na Alquimia-Lab — Escola de Joalharia, no Porto. Foi esse gosto por jóias que a levou a fundar uma marca própria.
À paixão pelo oceano e pelos componentes da natureza juntaram-se projectos de anéis, pulseiras ou colares e, assim, nasceu a Hoyara Jewellery. Aliás, o próprio nome da marca agrega o nome da sua flor preferida, a hoya carnosa, ao de Sara.
Na oficina de Sara, além dos materiais necessários ao fabrico das jóias, como moldes, ferros ou alicates, as paredes estão também preenchidas por outros elementos, como conchas, búzios, estrelas-do-mar ou corais. As peças da Hoyara Jewellery são produzidas em prata e ouro de 24 quilates e os preços variam entre os 35 e os 120 euros. Estão à venda online no Facebook e Instagram da marca.
Falta ensinar LGP nas escolas
Num mundo ideal, a jovem gostava que todos soubessem falar “nem que fosse só um bocadinho de LGP”. Sara não duvida, aliás, de que a LGP deveria ser ensinada nas escolas, uma vez que se trata de uma “língua e não uma linguagem” — uma das três línguas oficiais de Portugal, reconhecimento dado pelo Estado em 1997. Para a jovem, a língua gestual é equiparável a qualquer outra língua. “A maior parte das pessoas sabe falar inglês para comunicar no estrangeiro. Mas falta aprenderem a LGP.”
Sara Inês ultrapassa as barreiras comunicativas através de gestos, leitura labial ou até mesmo escrevendo num papel, além de se esforçar também na oralidade, conseguindo manter uma conversa. “Há sempre uma solução. Se as pessoas não compreendem, o problema é delas, mas eu fico de consciência tranquila porque fiz o que podia”, explica.
A pandemia de covid-19 trouxe uma dificuldade acrescida aos surdos: as máscaras de protecção individual. O desafio da leitura labial é agora maior e aparece nas mais básicas tarefas do dia-a-dia, como ir ao supermercado, ao café, à farmácia ou até mesmo a uma consulta médica. “Os surdos têm dificuldade de comunicar com os ouvintes e a pandemia e as máscaras têm sido complicadas para todos os surdos”, lamenta Sara. “Quando eu não percebo, as pessoas que estão a usar máscara desviam-na e afastam-se para eu fazer a leitura labial”, acrescenta.
Sara cresceu entre os ouvintes, porque a família assim quis, e, também por isso, focou-se não apenas na LGP, mas também no desenvolvimento da oralidade. “Normalmente, o surdo cresce numa escola de surdos. Eu cresci numa escola de ouvintes”, refere. Desde pequena que Sara sempre teve uma grande necessidade de se sentir integrada, mas nem sempre conseguiu. “Alguns [colegas] não me aceitavam bem por eu ser surda e diziam que o meu lugar era entre os surdos, que eu não fazia parte [do grupo] dos ouvintes por ser uma pessoa diferente, estranha.”
“Gozavam-me por pensarem que eu era demasiado ingénua e que não tinha capacidades. Fui muitas vezes alvo de chantagem psicológica porque sabiam que era muito importante para mim ser aceite pelos grupos”, acrescenta. Nessas alturas, era a família (mãe, pai e irmão) e os amigos próximos que a apoiavam e ajudavam a ultrapassar episódios mais negativos.
Actualmente, a designer de jóias rodeia-se de pessoas que lhe querem bem e tem até surpresas vindas de desconhecidos. “Algumas pessoas sabiam da minha marca de joalharia, mas não sabiam que eu era surda. Recebi algumas mensagens carinhosas de pessoas que também são surdas e também passaram por uma fase complicada e, depois de saberem da minha história, sentiram que são capazes de ultrapassar uma fase difícil”, conta.
Foi precisamente a pensar no amor que recebeu dos familiares que Sara Inês lançou uma campanha especial para o Dia da Mãe, para promover a colecção mais recente da Hoyara Jewellery, marca já com quatro anos. Num vídeo que publicou na página de Instagram, quatro famílias falam sobre as suas histórias e relações, sob o mote “Amor incondicional”, nome da mais recente linha da Hoyara Jewellery. Também Sara e Isabel, a mãe, se juntaram para partilhar a história de ambas e como foi ultrapassar as dificuldades da surdez.
Fonte: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário