segunda-feira, 20 de julho de 2020

Os problemas e as necessidades que a pandemia destapou

De repente, tudo mudou e o país ficou confinado devido a um novo vírus que provocou uma pandemia que afetou o mundo inteiro. Alunos e professores, de todos os níveis de ensino sem exceção, tiveram de ficar em casa, as aulas passaram para o online, a comunidade escolar foi obrigada a adaptar-se rapidamente a novas estratégias antes do 2.º período terminar. Houve de tudo um pouco, multiplicidade de plataformas, diversos equipamentos tecnológicos, muita troca de e-mails, telefonemas, aulas síncronas e assíncronas, o #EstudoEmCasa na televisão como complemento. O modelo de ensino mudou de um dia para o outro.

Cada docente estabeleceu uma forma de contacto com os seus alunos, as plataformas de entrega de trabalhos variaram de disciplina para disciplina, métodos e estratégias diversas causaram alguma confusão. De um momento para o outro, a Educação viu-se carregada de pontos de interrogação. O que fazer? Como fazer? O ensino à distância tornou-se a regra e não a exceção. Os alunos do 11.º e 12.º anos voltaram à escola em meados de maio para aulas presenciais, as creches reabriram, as provas finais do 9.º ano foram suspensas, os exames nacionais do Secundário avançaram no calendário, o 3.º período estendeu-se por mais algumas semanas. Certos problemas e fragilidades no ensino tornaram-se visíveis.

Falta de equipamentos em casa, falta de preparação para trabalhar com ferramentas tecnológicas, diferentes contextos familiares e socioeconómicos, desigualdades a vários níveis, dificuldades em aceder aos meios digitais, alunos sem acompanhamento, falta de motivação, falta de diálogo. Será necessário um balanço para perceber os impactos de tantas mudanças, num curto espaço de tempo, e suas consequências. A democratização do acesso às tecnologias e à Internet, a segurança online, a perda do rasto de vários alunos, o abandono escolar, são alguns dos assuntos que agora estão em cima da mesa.

Todos os esforços não conseguem eliminar todos os problemas. As refeições asseguradas pelas escolas aos alunos mais carenciados saltaram à vista durante o ensino à distância. Como não falhar na questão da alimentação? A tutela analisou o assunto e informou que alguns estabelecimentos de ensino estão abertos até ao final de julho para garantir almoços a cerca de 30 mil alunos.

As desigualdades sociais tornaram-se mais evidentes, reconhecidas pelo próprio ministro da Educação que, perante o cenário, acabou por anunciar 125 milhões de euros para reforçar os recursos humanos nas escolas através da contratação de quase 800 professores, além de pessoal não docente e de técnicos especializados. A contratação destes profissionais especializados, que incluem assistentes sociais, psicólogos e mediadores, faz parte de um programa de desenvolvimento pessoal, social e comunitário, para mitigar os problemas associados ao insucesso e ao abandono escolar.

O programa de apoio tutorial será reforçado e alargado ao Ensino Secundário, passando também a incluir um conjunto de alunos, identificados pelas equipas multidisciplinares de educação inclusiva, que não tenham tido um acompanhamento regular durante o 3.º período. O crédito horário será também reforçado, segundo a tutela, em mais de 25%, para que as escolas possam dedicar a apoios e coadjuvações, e que lhes permita assegurar também eventuais desdobramentos de turmas durante todo o ano letivo. A pandemia obrigou a decisões específicas.

“As primeiras cinco semanas serão, particularmente, dedicadas à recuperação e consolidação das aprendizagens, permitindo superar um conjunto de eventuais lacunas resultantes das dificuldades de aprendizagem, mas serão suplementadas ao longo de todo o ano letivo com o reforço significativo do crédito horário e do apoio tutorial específico”, adiantou o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues. E assim começará o próximo ano letivo, previsivelmente com aulas presenciais para todos os alunos, e um novo cenário com máscaras nas caras, salas ventiladas, distanciamento social, desinfeção regular dos espaços e das mãos. Um novo mundo de cuidados a ter e regras a respeitar.

A impossibilidade de elogiar
As diferenças entre o ensino público e o ensino privado também se destacaram no que diz respeito às novas tecnologias. Por norma, os docentes do privado têm plataformas exclusivas, ou configuradas a cada estabelecimento de ensino, para ensinar. Os professores do público não têm uma plataforma com essas especificidades ao dispor. Escolas, autarquias e outras instituições sociais juntaram-se então para assegurar, aos alunos mais desfavorecidos, o acesso aos meios digitais, trataram da distribuição de materiais de trabalho em suporte de papel, e do empréstimo de computadores.

Muitos avisos, muitas chamadas de atenção, muitos pedidos. Pede-se menos alunos por turma, mais psicólogos nas escolas, o reforço de apoios sociais, a pré-reforma para os professores e um novo regime de aposentação. Volta-se a lembrar a importância e urgência de rejuvenescer a classe docente, a tutela pondera continuar com as emissões televisivas do #EstudoEmCasa, provavelmente noutros moldes. Pedem-se também dados sociodemográficos detalhados que mostrem as lacunas detetadas e discriminadas por nível de ensino, níveis etários, estratos sociais e região a região.

Os diretores escolares pedem mais autonomia para gerir o trabalho e tomar decisões adaptadas a cada contexto. Cada realidade é uma realidade. “O Ministério da Educação tem de confiar nas escolas e conceder-lhes a autonomia necessária para cada uma tomar as melhores decisões”, avisou Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE).

A falta de equipamentos adequados para os alunos e a dificuldade em envolvê-los na aprendizagem foram os principais entraves sentidos no ensino à distância, em tempo de covid-19, segundo um estudo da Universidade do Minho. O Centro de Investigação em Estudos da Criança recolheu opiniões de 2 369 professores, do pré-escolar ao Secundário, maioritariamente de escolas públicas (96,8%) situadas em zonas predominantemente urbanas (57,3%).

A falta de tempo, a ausência de formação adequada, e avaliação foram outros obstáculos referidos pelos docentes que, segundo a síntese o estudo, referem “ter sido muito difícil lidar com a impossibilidade de elogiar, de dar reforços positivos, de dar e receber feedback instantâneo, da ausência da presença física”.
Cerca de 43% dos docentes sentiram desconforto, stress, receio e cansaço “devido à necessidade de uma resposta rápida”. Mais de metade dos participantes afirmaram que as suas práticas de ensino, comparativamente ao ensino presencial, mudaram muito e 23,5% afirmaram que “mudaram totalmente”.

“Estas mudanças implicaram, para a grande maioria dos professores (92%), a preparação de material novo para trabalhar com os seus alunos, assim como a planificação de estratégias pedagógicas para ensinar”, refere-se nesse estudo que acrescenta que 37,3% dos professores afirmaram não ter sido “fácil pensar em estratégias”. As circunstâncias foram difíceis e obrigam a analisar o que funcionou e o que não funcionou.

Nuno Crato, ex-ministro da Educação, alertou que os alunos mais prejudicados pelo ensino à distância vão necessitar um “cuidado especial” no início do próximo ano letivo, para recuperar dos constrangimentos do 3.º período causados pela pandemia. “É preciso dar uma atenção grande a esses alunos, porque se esses alunos se atrasam, atrasam-se em relação a tudo”, referiu numa entrevista dada à Lusa. “Mas os bons professores sabem isso naturalmente”, acrescentou.

Centenas de crianças sinalizadas
Sucederam-se estudos para perceber os impactos do ensino à distância, das novas plataformas, desta readaptação no setor educativo. Promoveram-se debates para analisar como ficou, como está e como ficará a Educação. A Federação Nacional dos Professores (FENPROF) aplicou um inquérito a professores, em maio, e concluiu que mais de metade dos docentes não conseguiu chegar a todos os alunos durante o primeiro mês do 3.º período e que 93,5% dos inquiridos admitiram que as desigualdades se agravaram em resultado do novo modelo de ensino.

Outro estudo, da Universidade Nova de Lisboa, revelou constrangimentos e desigualdades no ensino no 3.º período, que dois terços dos alunos não fizeram testes nesse período, e que um quarto dos professores não deu matéria nova, apenas revisões.

Durante o período de emergência, a Comissão Nacional de Promoção de Direitos e Proteção de Crianças e Jovens (CNPDPCJ) sinalizou cerca de 800 crianças, através de uma ficha criada para o efeito e entregue aos professores. A linha específica para denúncias criada para o período de confinamento recebeu mais de 120 chamadas, algumas situações de perigo, muitos pedidos de informação.

Defende-se que o regresso à escola é fundamental para combater as desigualdades e proteger crianças em risco. Sem essa presença física nas escolas “avaria-se o elevador social” que combate desigualdades e aumentam os riscos para crianças e jovens. Os alertas vêm de Rosário Farmhouse e Dulce Rocha, responsáveis por organismos de proteção de menores.

“A escola é fundamental, faz a diferença na vida destas crianças”, sublinhou Rosário Farmhouse, presidente da CNPDPCJ. “Tenho a perceção que nenhuma criança ficou desprotegida. As comissões reinventaram-se”, acrescentou durante a audição no Parlamento. De qualquer forma, as atuais circunstâncias levam a repensar o sistema de proteção de menores, desenhado em formato de pirâmide.

A diretora da Unicef Portugal também veio a público defender que as escolas deviam acolher, durante o verão, as crianças que tiveram dificuldades de aprendizagem no ensino à distância, de forma a tentar diminuir as desigualdades. Beatriz Imperatori, em declarações à Lusa, alertou que nem todos os alunos conseguiram aprender através do novo modelo de ensino. “O desafio que lançamos é que a escola, antes de abrir, possa chamar as crianças mais vulneráveis e possa trabalhar com elas durante o verão, de forma formal e não formal para que estejam mais bem preparadas no regresso às aulas”, afirmou.

Fonte: Educare

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