sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

INTERDISCIPLINARIDADE: O FIM DOS MUROS

A escola dos muros e paredes, das portas fechadas, dos bastiões solitários vai aos poucos caindo, cedendo, dando mostras de querer ser outra coisa.

No passado, cada disciplina era uma torre de saber, blindada e de acesso difícil. Os alunos encaravam cada disciplina do currículo como uma realidade única, sem ligação às outras disciplinas. Cada nova matéria, cada novo conteúdo eram sempre um recomeço solitário. E, ainda que um assunto parecesse semelhante ao tratado noutra disciplina, havia sempre uma voz que avisava: «Essa matéria nada tem a ver com o que aqui se faz!» Desde modo, o Português e a Matemática eram dois universos distantes, a Física e a Filosofia, disciplinas de costas voltadas, o Inglês e a Geografia, podiam trilhar caminhos por vezes paralelos, mas nunca se cruzavam.

Sempre houve quem quisesse abrir portas e ver o mundo, que é uno, na companhia de outros olhos. Mas, muitos outros quiseram manter a solidão de uma disciplina orgulhosamente independente. E as partilhas só ocasionalmente funcionavam.

Hoje, o novo conceito de Escola pede que os curricula nasçam e desagúem noutras disciplinas, que sejam afluentes e que recebam outros afluentes, que concebam como únicos saberes que não existem separados. Atualmente, o desafio é o de harmonizar e coordenar saberes. Não faz sentido estudar a orientação em Geografia e, mais tarde, abordar o sistema GPS, em Física, como se estes assuntos não tivessem qualquer tipo de relação entre si. Não é profícuo para os alunos desenvolver a capacidade de interpretação na disciplina de Português como se a Matemática não assentasse também nesta competência, ou as Ciências, ou a História, ou … 

O mundo é plural, mas cada realidade é única. A opção da Escola foi a de olhar para estas realidades do seu ponto de vista, como se esta fosse a única verdade. Mas, a Escola tem de se adaptar aos novos tempos de acesso fácil ao conhecimento e compreender que o desenvolvimento da capacidade de adotar múltiplos enfoques sobre a realidade é uma competência que se exige aos futuros adultos. As estrelas do universo são astronomia, física, matemática, filosofia, inglês, francês e poesia. Perceber isto é perceber que os saberes acabados e solitários deixaram de fazer sentido num mundo sedento de constante evolução. A escola, enquanto incubadora de adultos, quer preparar verdadeiramente os cidadãos do futuro e não formar adultos concebidos como recetáculos de saberes vetustos que se destinam a serem papagueados acriticamente. Cada vez mais, o saber não é estático, é múltiplo; não é unidimensional, é multimodal; não está sozinho, bebe de múltiplas fontes.

A certa altura, exigiu-se à escola a adaptação tecnológica, e esta era considerada a verdadeira mudança do sistema de ensino, mas a verdadeira revolução é a que pede para acontecer e que se funda na construção de saberes multidisciplinares e interdisciplinares. O desenvolvimento de competências de investigação e de construção de um saber pessoal, de forma autónoma, é o grande desafio da atualidade, que está a colocar em causa todo o edifício que foi laboriosamente erguido ao longo de muitos anos, mas que, agora, precisa de uma intervenção profunda.

Porque a Escola é isto mesmo: mudança e avanço. Aqui se constrói o futuro e ninguém pode ser indiferente a esta realidade.

Carla Marques

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