No passado dia 4 de setembro celebrou-se o Dia Mundial da Saúde Sexual. Esta é uma data em que se assinala a importância da Saúde Sexual, considerada uma das dimensões centrais da saúde em geral e consagrada como um direito de todas as pessoas pela Organização Mundial de Saúde Sexual. Contudo, a saúde sexual de pessoas com deficiência ou incapacidade é ainda frequentemente negligenciada e mesmo ignorada em termos institucionais, políticos e sociais.
Deficiência, incapacidade… não é tudo o mesmo?
Cerca de 15% da população mundial vive com algum tipo de deficiência ou incapacidade. Em Portugal, estima-se que mais de 600 mil pessoas vivem com algum tipo de limitação a nível físico ou mental. Apesar de os termos deficiência e incapacidade dizerem respeito ao mesmo assunto, não querem dizer o mesmo. Importa compreender os significados dos termos que utilizamos, já que as palavras traduzem muitas das nossas atitudes e preconceitos.
No senso comum, utiliza-se mais frequentemente o termo deficiência. A palavra deficiente foi caindo em desuso, pela sua conotação negativa, e tende-se a preferir Pessoa com deficiência ou Pessoa portadora de deficiência. No entanto, segundo o modelo Biopsicossocial da Organização Mundial de Saúde, o termo deficiência diz respeito apenas aos aspetos biomédicos relacionados com a perda ou alteração das estruturas e funções do corpo. Podemos falar de diferentes tipos, desde a deficiência motora (por exemplo, a lesão vertebro-medular ou amputação), neuromuscular (como a esclerose múltipla), até sensorial (como a surdez ou cegueira) e mental. E podemos também referir-nos a situações congénitas, em que a pessoa nasce com uma determinada alteração estrutural ou funcional; ou adquiridas, em que, por meio de uma doença ou acidente, a pessoa perde uma determinada estrutura ou função.
Contudo, este termo não traduz todas as dimensões da vivência de uma pessoa com uma destas condições de saúde. Segundo o modelo referido, o conceito de incapacidade diz respeito aos processos interativos do indivíduo e o seu contexto psicológico, relacional e social. Ou seja, não é pela condição de saúde em si que a pessoa “está incapaz”; é por estar inserida num contexto com determinadas barreiras ou facilitadores que a pessoa vive com mais ou menos (in)capacidade.
Mais recentemente, começou a falar-se de Diversidade Funcional. Este conceito, proposto pelo movimento de Vida Independente em Espanha, enfatiza a diversidade enquanto uma qualidade inerente de todos os seres humanos. Por isso, de todos, é o termo que mais põe de lado as diferenças e se foca nos aspetos situacionais, transitórios e comuns da vivência humana.
Quais as principais barreiras à saúde sexual das pessoas com deficiência ou incapacidade?
As pessoas com deficiência ou incapacidade, tal como as outras, podem ter dificuldades a nível da sua resposta sexual. Dificuldades de ereção, diminuição da sensibilidade e lubrificação, e mesmo falta de desejo são comuns nesta população. A condição de saúde pode estar diretamente implicada, mas muitas vezes os aspetos secundários como a medicação, a fadiga ou a dor podem causar desafios adicionais ao seu prazer e satisfação sexual.
Porém, a vivência sexual e afetiva das pessoas com deficiência ou incapacidade é muito mais complexa. A sexualidade na deficiência continua a estar envolta em muitos mitos e preconceções falsas. Nomeadamente, a ideia de que as pessoas com deficiência são assexuais, ou seja, não têm necessidades ou impulsos sexuais; ou, noutros casos, a ideia de que algumas destas pessoas são hiperssexuais, e não conseguem controlar os seus impulsos sexuais. Tudo isto assente em padrões irrealistas de beleza corporal que acentuam a não-atratividade de pessoas que a sociedade vê como estando fora destas normas. Assim, os principais desafios das pessoas com deficiência ou incapacidade prendem-se com o acesso e reconhecimento da sua sexualidade.
Como promover uma sociedade mais inclusiva… na saúde sexual?
Apesar de lentos, têm-se assistido a avanços significativos na área da Deficiência em Portugal. Atualmente, estão a ser implementados projetos-piloto de Vida Independente, que visam criar postos de Assistentes Pessoais. Caminha-se, assim, para uma sociedade de maior autonomização e autodeterminação dos seus cidadãos portadores de deficiência, que encontram outras possibilidades de vivência diária para além da dependência institucional ou familiar. No âmbito da sexualidade, há já algum ativismo, de que se destaca o grupo Sim, nós fodemos. Este tipo de iniciativas tem-se mostrado relevante na desmistificação do tema da sexualidade, e sensibilização para a promoção de respostas como a Assistência Sexual.
A Assistência Sexual é ainda muito confundida com a prostituição, e por isso é importante esclarecer o que é e quais as suas vantagens. A figura do Assistente Sexual já existe em alguns países como Dinamarca, Holanda e mesmo Espanha. Este profissional é formado para ter um conjunto de cuidados que garantam a acessibilidade e a segurança da pessoa com deficiência ou incapacidade, ao mesmo tempo que apoia a pessoa na exploração da sua sexualidade. Em que é que essa exploração consiste vai variar de pessoa para pessoa, consoante as suas necessidades num dado momento. Para muitas pessoas com deficiência ou incapacidade, pode ser mesmo a única forma que têm de aceder ao seu corpo e ao seu prazer.
Contudo, talvez o mais importante seja reconhecer que quebrar o tabu sobre a sexualidade de pessoas com deficiência ou incapacidade é quebrar o tabu da sexualidade de todas as pessoas. Esta é, definitivamente, uma questão de diversidade humana. Se todos contribuímos para a diversidade humana, esta torna-se uma questão que diz respeito a todos. A sensibilização e educação em várias camadas da sociedade é o veículo para que a inclusão se concretize e abarque todas as dimensões do ser humano, incluindo a saúde sexual.
Fonte: Público
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