Há dois dados divulgados esta semana que nos deveriam obrigar a repensar a organização do sistema de ensino básico. O primeiro é este: as escolas portuguesas perderam mais de 187 mil alunos devido à diminuição da natalidade, do número de imigrantes no país e ao ressurgimento de uma vaga emigratória durante a conjuntura de crise. Acresce a este facto uma outra realidade demográfica. A desertificação do interior implica a concentração de alunos nas escolas das principais cidades, com as devidas consequências na organização da rede de ensino.
O segundo dado consta do relatório Education at a Glance, no qual se comparam estatísticas escolares dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, e de um outro, da rede Eurydice. Aqui, deparamo-nos com um paradoxo, que talvez não seja pedagogicamente recomendável e que pode contribuir para baixar a eficácia do ensino: porque é que os alunos portugueses que frequentam o 1.º ciclo são quem passa mais tempo na escola e, ao mesmo tempo, são aqueles que têm menos aulas a nível europeu?
É certo que um relatório deste género pode cometer o erro de comparar realidades bem díspares e ignorar as diferenças culturais ou climáticas entre Oslo e Lisboa. Um calendário de aulas mais concentrado — as crianças portuguesas têm entre 161 e 173 dias de aulas por ano, que variam em função da data do início do ano lectivo, ao passo que a Noruega tem 190 dias — tem as suas consequências. As crianças portuguesas, durante os quatro anos do 1.º ciclo, passam cerca de 1200 horas a mais nas escolas do que a média europeia. São 25 horas semanais no básico, do 1.º ao 4.º ano, mais duas de enriquecimento escolar e cerca de duas horas de trabalho de casa.
Como dizem especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, as crianças trabalham mais tempo do que alguns adultos e fazer depender a aprendizagem do estudo que é feito em casa corre o risco de penalizar extractos socioeconómicos mais vulneráveis. Daqui resulta uma série de perguntas pertinentes, que os mesmos colocam — a saber, qual é o número de aulas recomendável por dia, se as férias de Verão devem ou não ser encurtadas, se as pausas para descanso ao longo do ano devem ser prolongadas ou até se não seria preferível a divisão do ano lectivo em dois semestres. Mais dias de aulas e menor carga horária permite uma outra gestão de tempo. Boas perguntas exigem boas respostas.
Amílcar Correia
Fonte: Editorial do Público
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