quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Educação e ética

A relação entre a ética e a educação é tão estreita e profunda, como o é a relação entre a concepção do sentido humano e a sua realização. Qualquer educador constata que é fundamentalmente ao nível da acção moral que a educação se projecta, pelo que a maioria dos actos humanos, sejam eles dos educadores, sejam dos educandos, colocam a ética no coração do pedagógico. E é precisamente pela importância atribuída à impregnação valorativa de todos os actos de ensino e de aprendizagem que conviria chamar a atenção para uma obra de Maria do Rosário Gambôa, publicada pelas Edições Asa, e que a aborda as relações entre "Educação, Ética e Democracia".

A autora, com currículo profissional e académico ligado à formação de professores, é das que entende a educação como um espaço crítico onde o ético e o moral se entrecruzam, num jogo de complementaridades difíceis. É das que não esconde que, por trás de cada modelo pedagógico, existe sempre uma missão disciplinadora e moralizadora, por vezes levada ao limite. Por isso nos convida a revisitar esses caminhos que estabelecem as ligações entre a ética e a moral e sobre os quais agem as estratégias e as finalidades das políticas educativas.

Depois da década de setenta do passado século ter esgotado o discurso romântico de alguns projectos educativos, depois da crise de desenvolvimento que atravessaram os sistemas educativos ocidentais, tornou-se demasiado evidente que a educação e a escola não irão realizar as repetidas promessas de emancipação e de felicidade de cidadãos mais produtivos e inquestionavelmente mais participativos. Daí que se lance o aviso de que, mais do que uma crise de produção teórica sobre a educação, assistimos a uma crise sobre o próprio sentido, que fere a consciência dos que vivem, sofrem e pensam de forma particular as questões de natureza educativa.

Por isso interroga: Qual a possibilidade de abertura que resta à educação e à escola no horizonte actual? Como evitar, no actual terreno das sociedades de consumo, a subordinação da escolarização aos princípios de mercado e controlo social? Como é possível, numa sociedade que se quer pluralista, adoptar, formar e desenvolver valores que não sejam totalitários, ou seja, os valores de uns impostos aos de outros, evitando aberrações ideológicas e a colonização escancarada que o termo civismo por vezes oculta? Como conjugar a exigência de liberdade pessoal, com a ideia de socialização normalizadora?

São estas, a título de exemplo, algumas das interrogações que esta obra inquieta e de profunda reflexão nos levanta. Convicta de que a formação moral constitui um requisito básico da democracia, a autora acredita que o grande fim da vida política e social se traduz no desenvolvimento moral pela auto - criação dos indivíduos, face à qual se perspectiva a auto - regulação das instituições democráticas. Por isso não lhe é indiferente o pensamento de Dewey.

Se o fim da educação é o desenvolvimento harmonioso de todas as potencialidades do indivíduo, estas só adquirem significado quando socialmente interpretadas. Só o conhecimento compreensivo das situações sociais, nas quais cada indivíduo tem de usar determinadas faculdades, fornece os critérios de relevância educativa ou de significado pedagógico. Será então legítimo perguntar se a escola terá outros objectivos ou fins morais para lá de motivar os indivíduos à participação activa na vida social.

Eis como esta investigadora nos empurra a questionar a pedagogia e os pedagogos, na tentativa de reconstruir uma nova modernidade do pensamento e da acção da comunidade educativa a que de uma ou de outra forma todos nós pertencemos.

João Ruivo

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