sábado, 26 de janeiro de 2019

IR PARA A ESCOLA AOS 6 OU AOS 7? «O RISCO É ENTRAR CEDO DE MAIS»

São cada vez mais as crianças de seis anos no pré-escolar e isso é uma boa notícia, de acordo com os especialistas. Mais um ano para brincar, mais um ano para amadurecer e consolidar aprendizagens e mais um ano para aprenderem a aguentar muito tempo sentados, quietos e calados.

«Quantos anos tens?» «Seis» «Andas em que ano?» «Na “pré”, mas já podia andar no primeiro ano. Os meus pais é que não deixaram.»

Tomé é uma das 9912 crianças que, em 2017, com seis anos, permanecia na educação pré-escolar, número que representava 9,9 por cento dos inscritos nesta valência.

A taxa tem vindo a aumentar e em 2017 era de mais 70 por cento do que em 2007, segundo um relatório do Conselho Nacional de Educação, o que, para o pedopsiquiatra Pedro Strecht, é uma boa notícia. «É um erro os miúdos entrarem [para o primeiro ano] antes dos seis anos. Há todo um tempo de crescimento e de maturidade que é necessário para fazerem a integração e a digestão das próprias experiências».

A explicação para os números não consta do estudo, mas as razões encontrar-se-ão entre a falta de vagas no primeiro ano do ensino básico para todos os alunos condicionais [crianças que fazem seis anos entre 16 de setembro e 31 de dezembro] e a decisão dos pais [destes alunos] de os manter no pré-escolar.

O pediatra Fernando Chaves congratula-se com a falta de vagas para os «condicionais», se for esse o caso, mas considera que, sim, hoje os pais estão mais informados, ou pelo menos procuram mais aconselhamento, sobre o que é melhor para as crianças.

«E isso é que entrem com seis anos, ou sete, quando tanto o desenvolvimento cognitivo como emocional são adequados», diz, reconhecendo que cada vez os miúdos estão mais imaturos, «porque os pais não os frustram, superprotegem-nos e isso atrasa o desenvolvimento e retira-lhes a capacidade de voar sozinhos».

Ana Valente, psicóloga no agrupamento de escolas Anselmo de Andrade, em Almada, concorda e adianta que cada vez mais as próprias escolas, através das educadoras ou dos psicólogos, aconselham os pais a não inscrever as crianças no primeiro ano, se estiverem na situação de condicionais. «As crianças estão mais imaturas e não é negativo, pelo contrário, que tenham mais um ano de pré-escolar.»

Os pais do Tomé acharam o mesmo. Rita e Alexandre consideraram que o filho mais novo, que fez seis anos em novembro de 2017, apesar de ter aprendido a ler sozinho aos cinco, de saber fazer contas e de ter um desenvolvimento cognitivo que provavelmente não seria um obstáculo às aprendizagens, não tinha a maturidade emocional para enfrentar as exigências da «escola dos grandes», nomeadamente a de estar sentado e quieto muito tempo seguido: «no ano passado, era difícil mantê-lo sentado até para comer», diz a mãe, que não se arrepende da decisão, bem pelo contrário. «Este ano [Tomé já está no primeiro], está a correr muito bem.»

Quanto ao diálogo do início do texto, que Rita e Alexandre tiveram que ouvir muitas vezes, é normal e saudável, de acordo com Ana Valente, que acompanha miúdos desde o pré-escolar até ao 12º ano. «Os pais e as educadoras devem explicar a não ida para o 1º ano como algo positivo e reforçar os benefícios de ficar “na pré”. Se escola e pais trabalharem no mesmo sentido, tudo fica mais fácil e os miúdos ao fim de pouco tempo já se esqueceram que uns foram e outros ficaram e não sofrem com isso.»

Tomé não sofreu, até porque os pais decidiram que ele faria o último ano de pré-escolar noutra escola, para não ver todos os amigos irem e ele ficar. No entanto, nem toda a gente apoiou a decisão. «A minha mãe achou mal, a educadora só confessou que achava bem depois de termos decidido – acho que se calhar às vezes têm receio que levemos a mal, que pensemos que estão a dizer que os nossos filhos estão atrasados -, mas uma psicóloga infantil nossa amiga disse uma coisa que foi determinante: “não há risco nenhum de ele não ir já para o primeiro ano, só há risco de ir cedo de mais”», conta Rita.

O pediatra Fernando Chaves pensa o mesmo. Para o especialista, cinco anos é muito cedo para entrar no primeiro ano e, havendo que fazer uma escolha, mais vale entrar com sete do que com cinco. «Dou-lhe um exemplo, uma criança que sigo e que nasceu prematura. Ia entrar com seis anos acabados de fazer. É uma miúda fantástica do ponto de vista cognitivo, mas muito imatura a outros níveis. Aconselhei que se atrasasse a entrada na escola, mas depois de consultar uma psicóloga, a criança entrou e tem sido ano e meio de sofrimento. A mãe reconhece agora que foi a pior coisa que podia ter feito, mas já não dá para voltar atrás.»

E se pensarmos para a frente, que diferença faz? «No fim do dia, nenhuma. É igual se entram na faculdade com 17 ou 18. O problema é outro: muitas vezes chegam ao 9.º ano e ao 12º sem saberem que área escolher ou o que gostariam de fazer no futuro», diz Fernando Chaves.

Adiar pode, então, ser positivo? A psicóloga Ana Valente, que faz orientação curricular, acha que sim. «Aos 14, 15 anos não estão preparados para decidir que área querem seguir. Não se interessam. Vão atrás do que os amigos dizem. São muito infantis e o sistema de ensino não está adaptado à sociedade atual e aos novos adolescentes.»

Por isso, para esta psicóloga faz cada vez mais sentido os sete anos como idade ideal para entrar para o 1.º ano. «A forma como os novos currículos estão construídos, com matérias que eram do 3.º e 4.º anos a serem aquisições a fazer no 2.º, aconselha-o».

Ana Valente não tem dúvidas: «O insucesso escolar, no primeiro ciclo do ensino básico, com mais retenções a acontecerem no 2.º ano, deve-se ao facto de o currículo não estar adaptado ao desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças.» E os números do relatório Estado da Educação 2017 parecem dar-lhe razão: «o 2.º ano continua a ser o ano de escolaridade em que mais alunos ficam retidos (7,4%)». Destes, os que entraram com cinco anos «chumbam» mais do que os que entraram com seis.

Catarina Raio é mãe de dois filhos e bem gostaria que assim fosse. Lamenta que nenhum dos dois tenha nascido depois de 15 de setembro (o segundo nasceu mesmo a 15!), porque assim ser-lhe-ia dada a possibilidade de escolher. E se a tivesse, Catarina não hesitaria, retardaria a entrada dos miúdos no ensino básico para os sete anos.

«Não tenho pressa. Penso que a inteligência emocional deve ser trabalhada antes. Mesmo que as crianças estejam preparadas do ponto de vista cognitivo, não estão em termos emocionais e de concentração. Em relação ao primeiro senti imenso isso, achei que devia ficar a brincar mais um ano e as dificuldades por que passámos no primeiro ano de escola confirmou isso. Foi uma angústia.»

Angústia evitável, se existisse escolha. Nem todas as crianças têm o mesmo ritmo, o mesmo grau de maturidade. «Uma maior flexibilidade no sistema», como defende o pediatra Fernando Chaves, talvez fosse um bom ponto de partida.

Fonte: DN Life

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