O desconhecimento que ainda paira à volta da síndrome de Asperger leva-me a retomar o tema recentemente abordado (link com o artigo Asperger: será?), até porque não se trata de uma perturbação rara. Em Portugal estima-se que 30 mil pessoas apresentam síndrome de Asperger. Compreender os sentimentos dos "aspis" pode ajudar imenso quem convive diariamente com eles e quem, por dever profissional, deve contribuir para potenciar ao máximo o seu desenvolvimento. Quando se chega à conclusão de que uma criança é asperger tem de se fazer uma leitura muito específica do seu comportamento e direcionar a intervenção no sentido de a ajudar a desmontar um mundo que para ela é muito estranho e complexo.
O que pode ser confuso/enigmático/perturbador para os "aspis"?
"Quando chamo gordo a um colega ele parece não gostar e agride-me. Porque será que fica tão ofendido, se efetivamente ele é gordo?"
O desconhecimento das regras tácitas em termos de interação social, torna a vida destas crianças muito difícil. Para elas não é evidente que chamar "gordo", "chato" ou outra coisa menos simpática pode gerar grande antipatia nos outros. "Porque é que não posso chamar gordo ao colega, se ele tem evidentemente quilos a mais?" "Porque é que o professor fica ofendido quando eu lhe digo que as aulas dele são uma "seca" e que não percebo nada do que ele diz?" A irmã de uma pré-adolescente que tenho acompanhado dizia-me recentemente: "ela não sabe guardar segredos, apesar de já ser tão crescida, ainda não percebe que há coisas que não devemos partilhar".
"Quando os meus amigos contam anedotas, eu finjo que acho muita graça, mas sinceramente nunca percebo onde está realmente a piada."
Para os "aspis", metáforas e palavras com significado duplo são verdadeiros enigmas. Como é que crianças inteligentes não percebem o que está para além do literalmente afirmado? Porque esta é uma característica delas, que temos de compreender e aceitar como sendo intrínseca. Independentemente das nossas questões, o que temos a fazer é ajudá-las a ir percebendo e desmontando tudo o que possa ter um segundo sentido.
"Porque é que as pessoas dizem uma coisa e fazem outra? O facto de estar sempre tudo a mudar baralha-me e perturba-me profundamente."
Os "aspis" gostam de rotinas e aceitam a mudança com relutância. Por este motivo, têm dificuldade em se sentir bem em ambientes menos estruturados ou com rotinas e expectativas que são menos claras. Recentemente, uma mãe contava-me que o filho ficava perturbadíssimo sempre que esta seguia um caminho diferente na deslocação da escola para casa e vice-versa. Uma outra mãe referia que a alteração do conteúdo de uma refeição, previamente estabelecido, era, por si só, fonte de grande perturbação para a filha. É muito habitual os pais referirem que os filhos "aspis" impõem rotinas rígidas a si próprios e aos que os rodeiam.
"Porque é que quando começo a falar de animais os outros me mandam calar?"
Num atendimento recente a uma menina com esta síndrome, esta dizia-me que, no recreio, o local que mais adorava e onde habitualmente permanecia era junto a um lago. Sempre que tinha a companhia de alguém que adorasse peixes e outros seres aquáticos sentia-se feliz. O entusiasmo com que falava da vida aquática e o conhecimento sobre aspetos específicos inerentes a este tema deixou-me perplexa. Tal como a menina referida, os "aspis" têm, geralmente, áreas de interesse muito específicas e absorventes que podem ser: comboios, computadores, dinossauros, mapas, jogos, etc. Conheço uma criança asperger que tem uma quantidade infindável de miniaturas de animais, sendo este o seu tema predileto. Porque querem falar sempre do mesmo assunto, são percecionadas pelos outros como maçadoras.Para terminar, uma mensagem aos pais que acabam de descobrir que têm em casa um "aspi". Em primeiro lugar, é indispensável aceitar que o vosso filho tem características muito particulares e, em segundo, é fundamental dar a conhecer a quem o rodeia que ele tem uma forma muito particular de se relacionar com o mundo e com os outros, explicando as razões. Se assim não fizerem, muito dos comportamentos do vosso filho serão injustamente julgados pelos outros como indicadores de má educação.
Adriana Campos
In: Educare
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