Uma forma reincidente de abandono escolar pode acentuar-se no próximo ano letivo em Portugal. Recentemente, a agência Lusa deu conta que "um pouco por todo o País há alunos que querem ajudar os pais ou que deixaram pura e simplesmente de ter dinheiro para estudar". Este é um fenómeno que entre meados dos anos 1980 e 1990 era visto como normal, mas a necessidade de alfabetização de Portugal, já como país da União Europeia, e as políticas dos ministérios e secretarias de Estado de Educação conseguiram mudar grande parte da situação. Hoje, e ainda que não figure entre as estatísticas, por se tratar de um caso que só agora se vem reconhecendo e porque são exemplos pontuais dispersos por todo o País que não influenciam diretamente a taxa de abandono escolar (que tem vindo a diminuir na sua globalidade), esta desistência por motivos financeiros parece ser uma realidade a ter em conta. Há até quem espere um crescimento do número de alunos que desistem de frequentar os estabelecimentos de ensino para ganhar um salário e com isso ajudar os pais na rotina económica. O EDUCARE.PT contactou diversos agentes educativos no sentido de perceber esta mesma realidade.
Maria José Viseu, presidente da Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação (CNIPE), comprova o abandono escolar de que falamos e diz mesmo que a CNIPE já tem vindo a denunciar esta situação. Mais, Maria José Viseu salienta que " poderá haver mais abandono escolar por tais causas", se a situação económica do País se agravar. "Temos conhecimento de alguns casos pontuais e a situação está a ocorrer com alunos que já tiveram retenções ou dificuldades e por isso foram integrados noutras ofertas formativas, nomeadamente nos cursos CEF ou Profissionais", reforça Maria José Viseu, que acrescenta: "Famílias não são pobres mas precisam desse dinheiro para equilibrar orçamento".
"Esta saída da escola ocorre não porque os pais não tenham dinheiro, até porque estes cursos são de frequência totalmente gratuita, mas sim, porque o dinheiro é necessário no orçamento familiar, muitas vezes fruto do desemprego de um dos progenitores." Os alunos de que fala a presidente da CNIPE saem da escola e vão para trabalhos que, à partida, não exigem mão de obra qualificada, destacando-se na maioria dos casos setores como a construção civil, agricultura, calçado e restauração. E a verdade é que, para combater este reincidente problema, os agentes educativos vão ter que fazer muito mais do que apelar aos jovens para que continuem a estudar, isto se nos detivermos nos eventuais salários destes jovens, que ainda que sejam mais baixos dos que os de um trabalhador qualificado aliviam o apertado orçamento familiar, como aliás conclui Maria José Viseu, não querendo deixar esquecer o assunto para frisar o que a CNIPE pensa: "a situação vai agravar-se no início do próximo ano letivo devido às alterações das ajudas sociais e aí, sim, tememos que o número possa ingressar com famílias que não poderão comprar manuais ou dispor de verbas para pagar a deslocação e a alimentação dos seus filhos".
Filhos: uma fonte de rendimento
Citado pela Lusa, Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), lembra que algumas famílias em situação limite veem nos filhos uma fonte de rendimento extra: "Sei que há miúdos que estão a apoiar as famílias", diz. Pessoalmente, Manuel Pereira conhece apenas um caso: "Um aluno meu que frequentava um curso de formação e o pai tirou-o da escola para ir trabalhar", revela. Já o presidente do Conselho de Escolas, Manuel Esperança, diz que há regiões onde o trabalho sazonal tem forte impacto, "nomeadamente no Algarve, onde os alunos deixam a escola para ir trabalhar". O responsável conta à Lusa que o início da época balnear é sinónimo de salas de aulas mais vazias.
FENPROF diz que não bastam medidas administrativas
Atualmente, os alunos só precisam de ter o 9.º ano ou 15 anos para poderem abandonar a escola. A partir de setembro, o ensino obrigatório estende-se a 12 anos. E só o tempo vai poder dizer de que forma vai isso refletir-se nos números do abandono escolar. É precisamente sobre este pormenor que Abel Macedo, dirigente sindical do Sindicato de Professores do Norte (SPN) e da FENPROF, centra a questão: "O problema nuclear passa pela dificuldade em envolver os jovens para a frequência da escola, o que é contraproducente com a obrigatoriedade que aí vem para 12 anos." Abel Macedo concorda com o alargamento do ensino obrigatório para 12 anos, mas deixa a pergunta: "Com que condições é que esse alargamento será feito?". Para argumentar depois: "Se por um lado existe o alargamento que faz com que os alunos frequentem a escola até aos 18 anos, a questão é que aos 16 anos, por lei, eles já podem integrar o mercado de trabalho. Por isso não chega tomarem-se medidas administrativas. O problema resolve-se na raiz, ou seja, com um apoio forte do Estado às famílias."
Reincidência e dados não muito distantes no tempo
É preciso recuar um pouco para perceber que este não é um fenómeno novo em Portugal, e que mesmo na década de 1990, na reta final da viragem para o século XXI, e já com o país na União Europeia, existiam inúmeros casos de alunos que abandonavam o ensino secundário para ajudarem os pais, sobretudo ao tornarem-se independentes financeiramente. Mais uma vez, a construção civil era o principal setor de «saída» para os alunos que deixavam de frequentar os estabelecimentos de ensino. Segundo dados do PRODEP III, em 1990 a taxa percentual de abandono escolar era de 16% no 6.º ano de escolaridade, tendo diminuído drasticamente para 2% em 1996. No limite, os alunos passaram a abandonar a escola no 10.º ano, ainda em 1996. Segundo os censos de 1991, aproximadamente 85,7% dos portugueses com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos não tinham mais do que o 9.ºano e praticamente 60% não tinham nem ultrapassado o 4.ºano de escolaridade, fazendo com que Portugal fosse considerado o país da OCDE com mais baixo nível de formação geral. De acordo com estes dados referentes ao recenseamento da população, 22% dos jovens do grupo etário dos 15 aos 24 anos tinham abandonado o sistema educativo antes de completarem a escolaridade obrigatória, na altura de apenas seis anos. Os dados obtidos em 1994 demonstravam a existência de uma nova baixa das taxas de abandono, após a introdução da reforma curricular e do novo sistema de avaliação.
Às portas de novas mudanças na legislação do setor educativo a começar já no próximo ano letivo, e ainda à espera do que possam indicar os censos 2011 nesta matéria de abandono escolar ou mesmo sobre as ofertas das Novas Oportunidades e que resultados efetivos tiveram (precisamente junto daqueles que foram muitos dos que abandonaram a escola nas décadas de 1980 e 1990) este tipo de abandono escolar vai com certeza merecer mais atenção dos agentes educativos.
In: Educare
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