quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Qualidade das aprendizagens nos primeiros anos da escola é “preocupante e grave”, alerta presidente do Conselho Nacional de Educação

Depois de toda a evolução registada nas últimas décadas em termos de qualificações, que retirou o país da “situação calamitosa” em que se encontrava no início dos anos 70 do século passado, é preciso garantir agora que todos os que estão na escola aprendem efetivamente, algo que não está a acontecer com um número demasiado alto de alunos.

O alerta é deixado na nota escrita pelo presidente do Conselho Nacional de Educação, na introdução de mais uma edição do relatório anual relativo ao Estado da Educação. Entre os “problemas mais prementes”, Domingos Fernandes identifica a qualidade das aprendizagens dos alunos em todos os níveis de escolaridade, com uma situação “particularmente preocupante e grave” nos primeiros anos da educação básica.

Para a constatação, o presidente do CNE socorre-se dos vários dados disponíveis, em avaliações nacionais, que demonstram que continua a haver “percentagens elevadas de alunos nos primeiros anos da escolaridade que não estão a aprender o que está previsto no currículo”. “A aprendizagem da escrita está longe do que seria desejável e o mesmo se verifica em matemática e noutras disciplinas”. Por isso, recomenda o presidente deste órgão consultivo, “o país necessita de pôr em prática um programa especificamente orientado para melhorar a qualidade do ensino e das aprendizagens nos primeiros anos”. Não é aceitável que se “deixem alunos para trás, que se desleixem os apoios que necessitam e não se podem excluir, sem mais nem menos, aqueles que revelam dificuldades”, insiste.

Os dados tornados públicos após a realização das últimas provas de aferição mostraram que a escrita é um “desafio para mais de metade das crianças do 2º ano, com 56% a revelarem dificuldades ou a não conseguirem de todo responder aos exercícios” propostos nos testes. Na Matemática, entre 57% a 70% dos alunos do 2º ano revelaram dificuldades nos diferentes domínios avaliados, com essas percentagens a subir para entre 76% a 90% no caso dos colegas do 8º ano.

Fim do 2º ciclo e aprender a pensar

As medidas a tomar devem incidir sobre a formação de professores, a organização e funcionamento pedagógico das escolas e o investimento em sistemas de apoio, acompanhamento e avaliação. O CNE volta a defender, por exemplo, o fim de um 2º ciclo do ensino básico autónomo, composto por apenas dois anos de escolaridade (5º e 6º). Em alternativa, devia haver um ciclo de escolaridade dos 6 aos 12 anos, que “permitisse melhorar a qualidade da educação nos primeiros anos”, com uma progressão mais equilibrada. E é preciso garantir que nas escolas os estudantes sejam “desafiados a pensar, a ser autónomos, a exercitar o pensamento crítico e a criatividade e a serem capazes de mobilizar, integrar e utilizar conhecimentos e competências para resolver uma diversidade problemas”, lê-se ainda na introdução do relatório que compila uma série de estatísticas de Educação.

No "relatório Estado da Educação 2023" também é defendida uma mudança nas relações das escolas secundárias com a sociedade, com o mundo empresarial e com as instituições de ensino superior.

Faltam professores e faltam dados fiáveis

Quanto aos dados que existem são muitos, mas nem por isso suficientes, critica ainda Domingos Fernandes, que foi secretário de Estado da Administração Educativa no Governo de António Guterres. Falta informação sobre os alunos que não têm professores, sobre o cada vez maior número de jovens que têm a disciplina de Português Língua Não materna ou medidas de inclusão nas escolas, exemplifica, lembrando que o órgão a que preside já fez uma recomendação sobre a necessidade de melhorar a capacidade de recolha de dados válidos e fiáveis no sistema educativo, de forma simples e rápida, e para que as decisões políticas tomadas tenham credibilidade.

Outros dos alertas deixados prende-se com a falta de professores a questão dos alunos sem aulas, duas situações que é necessário resolver com a “urgência que a sua gravidade exige”. Apesar do aumento da percentagem de professores com menos de 30 anos, estes ainda não chegam a 2% no sistema de ensino e o número de estudantes em mestrados em ensino continua a ser reduzido face às necessidades. “Embora existam medidas em curso, esta realidade permanece um desafio”, assinala-se no relatório.

Mas o presidente do CNE destaca também o muito que o país avançou nas últimas décadas, lembrando o que eram os percursos escolares típicos imediatamente antes do 25 de Abril: em cada grupo de 100 alunos, 70 passavam no exame da 4ª classe, mas só 18 prosseguiam estudos, 5 completavam o secundário e apenas dois obtinham um diploma de ensino superior. Dois milhões de portugueses (um quarto da população) não sabiam ler nem escrever. Hoje, a população analfabeta representa menos de 3% e os 23% que concluíram estudos superiores contrastam com os 3% de então. Entre os jovens (25-34), essa percentagem atinge os 40%, já a níveis condicentes com os outros países europeus.

Fonte: Expresso

Sem comentários: