sábado, 17 de junho de 2023

Qual a melhor abordagem para o ensino da leitura? Últimos desenvolvimentos nos EUA

Há cada vez mais escolas norte-americanas a adotar um novo programa curricular do ensino básico: um programa que tem por base conteúdos diversos, incluindo ciências sociais e ciências exatas, em vez das «competências» de leitura tradicionais, como identificar a ideia principal de um texto. Os professores que mudam para programas de conteúdo diverso surpreendem-se quase sempre com o conhecimento teórico demonstrado pelos alunos e com o vocabulário complexo que estes utilizam: até crianças com 6 anos admitem «adorar descobrir palavras difíceis» e os professores estão entusiasmados com o potencial que esta abordagem educativa poderá ter.

Ainda assim, os mais céticos defendem que não temos provas suficientes de que um programa diversificado acelere a aprendizagem da leitura e a capacidade de interpretação de texto. É certo que as crianças adquirem conhecimento acerca dos assuntos propostos pelo programa, mas será que isso lhes permite compreender textos acerca de outros temas? «Se a classe da professora Smith, uma turma do terceiro ano, passar um ano a estudar o wombat», escreveu o investigador da leitura Tim Shanahan, «o desempenho dos alunos pode ser incrível quando se trata desse assunto, mas o que acontece quando os textos são outros? É muito pouco provável que o conhecimento sobre wombats facilite a compreensão de textos sobre a Guerra de Secessão Americana, as eleições de 2020 ou a relatividade».

É certo que esse tipo de «transferência» deve ser a derradeira prova de que uma abordagem de conhecimento vasto e cumulativo facilita a compreensão da leitura em termos globais. Mas os investigadores têm vindo a usar esse tipo de testes para medir o progresso académico de forma constante, o que é contraproducente. Esses testes utilizam passagens sobre temas aleatórios que não têm qualquer relação com o que os alunos aprenderam nas aulas. Na verdade, são criados com o intuito de evitar esses assuntos, porque têm por base a noção de que os testes devem aferir a capacidade de interpretação de leitura dos alunos — e não o seu conhecimento. Quando as crianças não obtêm bons resultados nos testes, a conclusão mais natural é a de que os alunos precisam de insistir nas práticas que estes testes reclamam medir.

Mas caso os alunos não tenham o conhecimento prévio nem o vocabulário para compreender os excertos, pelo menos a um nível superficial, nunca terão oportunidade de provar a sua «competência» em identificar a ideia central, nem a tirar conclusões ou a responder a outras questões do teste. É por este motivo que o neurocientista Daniel Willlingham chama a estes testes «testes de conhecimento encapotados». Alunos que conseguem acumular muito conhecimento geral — por norma os filhos de pais com educação superior — costumam obter melhores resultados nos testes de leitura.

Subjacente a esta abordagem da literacia pela sabedoria está a noção de que estudar de modo estimulante uma série de assuntos — que até podem incluir wombats — irá a seu tempo equipar os alunos com o conhecimento e o vocabulário suficientes para conseguirem compreender textos sobre uma grande variedade de temas. Ainda assim, não é fácil reunir provas que validem esta teoria: este processo pode demorar anos e a maioria dos trabalhos de investigação dura apenas algumas semanas.

Ainda assim, temos alguma confirmação de que intercalar a instrução da leitura com temas pertencentes às ciências socias e às ciências exatas pode fazer subir os resultados dos testes padronizados nos primeiros anos de escolaridade, passado apenas um ano ou até menos. E outro estudo recente, de maior duração, explica quanto tempo é que as crianças demoram a conseguir aplicar aquilo que aprenderam através dessa abordagem ao tipo de passagens que surgem nos testes de leitura.

Esta investigação, liderada por James S. Kim da Escola Superior de Educação de Harvard, incluiu o lançamento de um programa curricular a que os investigadores chamaram MORE (um novo modelo de relação com a leitura, ou model of reading engagement). Como parte deste estudo, deu-se a alguns alunos do primeiro e do segundo ano um programa de ciências que pretendia desenvolver de forma gradual os seus «esquemas» — as infraestruturas mentais que permitem ao ser humano compreender a informação que vai recebendo. Por exemplo, quando vemos um dogue alemão e um chihuahua, e percebemos que ambos são cães, estamos a utilizar o nosso esquema para «cães».

Na base deste estudo estava a noção de que apoiar a desenvolvimento de esquemas sobre um vasto leque de tópicos ajudava os alunos a criar esquemas mais abrangentes, que por sua vez iriam facultar a compreensão de conceitos ainda desconhecidos. Dito por outras palavras: os alunos usavam a memória de longo prazo para armazenar informação, o que aumentava a sua capacidade de assimilar informação nova relacionada com a que já tinham assimilado.

No primeiro ano, a questão abordada pelo programa era: «Como é que os animais sobrevivem no seu habitat?» A do segundo era: «Como é que os paleontologistas estudam os dinossauros?» Estas unidades foram criadas para servir de introdução ao esquema de topo «estudo científico do mundo natural».

Com o intuito de alimentar o conhecimento-base dos alunos, os professores que seguiram o programa MORE leram em aula textos sobre estes assuntos e orientaram atividades como áreas vocabulares, que ajudaram os alunos a organizar e a memorizar informação e vocabulário. Os alunos também aprenderam a etimologia de palavras como «paleontologia» (paleo significa antigo e ologia significa o estudo de alguma coisa) e colaboraram em trabalhos de investigação que contemplaram práticas de leitura, escrita e debates.

Esta investigação lançou um estudo randomizado controlado com cerca de 3000 alunos pertencentes a 30 escolas — o tipo de estudo que permite concluir que a novidade que se testou (o «tratamento») foi a causa dos resultados que se obtiveram. A maioria dos alunos eram negros ou hispânicos e pertenciam a famílias de rendimentos baixos ou médios.

Para avaliar se os alunos eram capazes de transferir o seu conhecimento para assuntos que não conheciam tão bem, no final do segundo ano, os investigadores criaram um teste com três tipos de excertos de leitura:
  1. Uma passagem de «transferência próxima» sobre paleontologistas que usam pistas deixadas nos fósseis para o estudo de amonites, inspirado naquilo que as crianças tinham aprendido sobre dinossauros e a sua extinção.
  2. Uma passagem de «transferência média» sobre arqueólogos que estudam fósseis humanos integrados numa investigação sobre a vida na Pompeia antiga.
  3. Uma passagem de «transferência remota» sobre genealogistas que estudam os antepassados das pessoas.
Comparado com um grupo de controlo de alunos com características semelhantes que não tinham participado no programa MORE, o grupo de tratamento obteve sem dúvida melhores resultados nas passagens de transferência próxima e média. E tanto alunos de topo como alunos mais fracos mostraram que o programa lhes trouxe vantagens, mas os investigadores não conseguiram encontrar diferenças de maior entre os dois grupos na capacidade de interpretação da passagem de transferência remota.

Dito por outras palavras, depois de dois anos no programa MORE, as crianças tinham aprendido muita informação sobre como os cientistas estudam o mundo e foram capazes de transferir esse conhecimento para assuntos que eram ligeiramente diferentes do que o que tinham estudado, mas essa capacidade de transferência funcionou apenas até certo ponto.

Os testes que se fazem para avaliar o progresso na leitura assentam sempre em transferência remota. Na verdade, o excerto usado neste estudo para avaliar a transferência remota estava mais próximo daquilo que os alunos tinham aprendido do que a maioria dos excertos usados nestes testes: era sobre cientistas (genealogistas, um termo que tem alguma relação com paleontologistas) que estudam o passado (antepassados em vez de dinossauros).

Em resposta a uma mensagem de e-mail, o investigador principal, James S. Kim, disse-me que uma das implicações deste estudo é que um programa «em espiral» do género do MORE — um currículo que trabalha conceitos semelhantes em contextos diferentes — demora mais de dois anos a conseguir obter transferência remota. Os resultados que espera receber dentro de poucos meses irão dar-nos «provas mais consistentes de transferência remota depois do terceiro ano». Outra implicação deste estudo, afirmou, é a de que temos de considerar a transferência «um contínuo que vai do próximo ao remoto».

Há alguns condicionalismos que importa referir. O programa MORE não está disponível para todas as escolas norte-americanas que o queiram implementar, mas há cerca de meia dúzia de outros currículos ancorados no conhecimento facilmente acessíveis nos EUA. O READS Lab, um programa de investigação gerido por Kim, irá em breve lançar o MORE num grupo selecionado de agrupamentos escolares norte-americanos interessados em adotar estratégias que procuram garantir que o programa chega a todos os alunos, incluindo aqueles que mais têm a ganhar. Segundo Ethan Scherer, director do READS Lab, a ideia será disponibilizar o programa de forma direta a professores e grupos de escolas interessados no futuro. O programa irá também incluir unidades de estudos sociais, além das ciências, brevemente.

Outro condicionalismo importante tem que ver com o horário escolar típico nos Estados Unidos. O programa MORE foi desenhado para ser seguido durante o período letivo destinado aos estudos sociais ou às ciências, mas o tempo oficialmente designado para essas matérias é apenas cerca de meia hora por dia — e a maioria das escolas não chega a cumprir essa orientação. O programa MORE para o segundo ano preconiza 45 sessões de 40 minutos dedicadas à ciência, pensadas para serem ensinadas ao longo de dez semanas. Os professores que participaram neste estudo e que seguiam o MORE admitiram passar muito mais tempo em matérias de estudos sociais e ciências do que professores no grupo de controlo — pelo menos uma hora a mais em cada semana. (Ethan Scherer afirma que, no futuro, o tempo necessário para as sessões MORE será reduzido para 30 minutos ao longo de seis semanas — três das quais dedicadas aos estudos sociais e três, às ciências.)

O facto de as escolas norte-americanas passarem tanto tempo em atividades de leitura — as estatísticas apontam uma média de duas horas por dia, sendo provável um período ainda mais extenso na prática — levou outros criadores de programas ricos em conteúdo a apresentá-los como programas de literacia que incluem temas pertencentes às ciências sociais e às ciências. Mas o programa MORE descreve-se como um programa de ciências (e, eventualmente, de humanidades) que engloba a literacia. Scherer diz que a formação que o READS Lab irá facultar aos agrupamentos de escolas irá «comunicar de forma clara» a importância de dedicar tempo à ciência e aos estudos sociais.

O esquema MORE devia inspirar legisladores, administradores e profissionais da educação a fazer algumas perguntas fundamentais: Fará sentido medir o progresso dos alunos através de testes que avaliam a compreensão, mesmo sabendo que estes talvez não determinem a aprendizagem real? E, ainda mais importante, será que devemos confiar em testes que induzem os professores em erro, levando-os a acreditar que o conhecimento é desnecessário à compreensão?

Para os educadores que mudaram para um programa de construção de conhecimentos, o exemplo norte-americano do estudo MORE pode dar-lhes alento de que estão no caminho certo — mesmo que os testes de compreensão de leitura ainda não o mostrem.

Natalie Wexler

Este artigo é inspirado numa publicação da autora publicada em Forbes.com.

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