terça-feira, 19 de maio de 2020

Aos 15 anos, só 10% dos alunos gostam muito da escola

Uma queda a pique. Em 1998, quando se perguntava aos adolescentes portugueses de 15 anos se gostavam muito da escola, 29% respondiam que sim, o que nos colocava no top dos mais satisfeitos em 28 países (2.º lugar, depois da Letónia). Repetiu-se o exercício nos anos seguintes. Foi sempre a piorar. E, chegados a 2018, só 9,5% dos alunos responderam o mesmo. Em 45 países avaliados na última edição do Health Behaviour in School-aged Children (HBSC), em colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS), estamos em 38.º lugar. Só há sete, incluindo a Grécia e a Itália, onde o desamor pela escola é ainda maior do que por cá.

Os dados divulgados às 23h01 desta segunda-feita (hora portuguesa) mostram que a relação dos jovens com os sistemas de ensino se tem tornado mais complicada. É assim em Portugal – onde, nas palavras da coordenadora nacional desta avaliação, Margarida Gaspar de Matos, há um “fraco gosto pela escola, fraco em si mesmo e fraco na comparação com os restantes países” –, mas não só em Portugal.

Nos 45 países onde o inquérito foi feito, com a mesma metodologia (“gostar muito da escola” tem sido sempre, nos últimos 20 anos, o indicador usado no HBSC para aferir a satisfação que ela proporciona aos alunos) apenas 21% dos adolescentes de 15 anos se dizem muito satisfeitos com a escola (menos dois pontos percentuais do que em 2014).

O HBSC é feito de quatro em quatro anos, com amostras representativas de alunos de 11, 13 e 15 anos e sempre com um conjunto de perguntas que se repetem nas diferentes edições, para permitir traçar tendências. O último inquérito, aplicado em 2018, envolveu 227.441 adolescentes da Europa e Canadá. Em Portugal, que participa desde 1998, foram inquiridos 6997 estudantes e considerados na análise final 5839.

“Há alguma evidência de que a pressão na escola está a aumentar, sobretudo entre os adolescentes mais velhos, numa altura em que a percepção é a de que o apoio que têm da família e dos professores está a diminuir”, conclui-se no relatório final, que sublinha que “alunos que gostam mais da escola apresentam níveis mais altos de satisfação com a vida, menor risco de uso de substâncias e melhores indicadores de saúde mental”.


Sob pressão

A pressão na escola é medida com uma pergunta que se pode resumir assim: quão pressionado te sentes com os trabalhos de casa? “Sobretudo os mais velhos e as raparigas põem Portugal nos piores lugares, o que acontece desde 1998”, sublinha Gaspar de Matos. Números: seis em cada dez alunos portugueses de 15 anos (49% dos rapazes e 73% das raparigas) dizem sentir-se pressionados ou muito pressionados com os trabalhos académicos. Estamos, neste ranking dos teenagers sob pressão, em 10.º lugar. Mas a média de 45 países analisados também subiu nos últimos anos, está nos 44%.

O “declínio significativo na satisfação escolar e o aumento da pressão exige atenção”, alerta a OMS.

“A escola está realmente a ser ‘menos amada’ por toda a Europa. Tenho a secreta suspeita que é muito difícil ‘ganhar às TIC’ e esse é um debate que temos de encarar muito a sério”, diz Gaspar de Matos. “Depois, pela Europa inteira há empregos mais incertos e fica mais indefinido o papel da escola nesses ‘bons empregos’. Os alunos desinteressam-se (ou stressam pelas classificações), a concorrência é grande, o que aprendem depois até parece que ‘não serve para nada’ e quando conseguem arranjar um emprego parece que têm sempre ‘poucas competências’ e vão fazer cursos de preparação. Acontece um pouco por todo o lado.”


Para além disso, quando revelou os primeiros dados nacionais, em Dezembro de 2018, ainda antes de eles seguirem para a equipa internacional que depois os analisa e faz as comparações entre países, Gaspar de Matos sublinhava: os alunos portugueses queixavam-se do excesso de matéria nas aulas, do aborrecimento que sentiam na escola. Faltam mudanças de fundo, há muito tempo, acredita. É preciso uma “acção urgente na escola, na comunidade e na família”. 

Mais apoio dos colegas

As boas notícias para Portugal, neste capítulo, são que os portugueses referem um apoio social por parte dos colegas da escola superior à média (70% dos rapazes e 60% das raparigas de 15 anos sentem-se muito apoiados pelos colegas contra uma média de 60% e 51% a nível internacional). Mais: na sua esmagadora maioria (80%), sentem-se seguros na escola e envolvem-se menos em lutas do que os de outros países.

Outra boa notícia: a forma como avaliam a sua satisfação com a vida. Esta melhorou desde 2014 e, numa escala de zero a dez, os jovens de 15 anos dão uma nota de 7,4 à vida que têm, idêntica à média dos 45 países.

Ainda assim, a OMS alerta para a deterioração da saúde mental dos adolescentes em vários países, medida pelos sintomas de nervosismo, irritação e tristeza que “os adultos de amanhã” relatam: um em cada quatro adolescentes diz que pelo menos uma vez por semana se sente nervoso, irritado ou tem dificuldades em dormir.

Em Portugal, as raparigas destacam-se: aos 15 anos, 47% dizem sentir-se nervosas frequentemente (contra 37% das raparigas dos outros países) e 30% dizem ter dificuldades em dormir (contra 29%). Também aos 15 anos as raparigas (28%) sentem-se tristes mais frequentemente do que os rapazes (16%). A média internacional é rapazes 15%; raparigas 31%.

Falta de exercício físico

Outra preocupação é “a prática da actividade física”. Em Portugal, ela é “fraca em si (poucos adolescentes cumprem o recomendado) e fraca em comparação à média”, como sublinha a equipa portuguesa. “Os resultados são maus desde 1998.”

Aos 11 anos, por exemplo, 48% dos rapazes e 30% das raparigas relatam ter pelo menos duas horas por semana, fora da escola, de actividade física vigorosa. A média internacional é 54% e 43% respectivamente. Aos 15, as coisas pioram: 37% dos rapazes e 16% das raparigas portuguesas fazem duas horas de actividade física extra escola (a média internacional é de 45% e 28%).

No capítulo do excesso de peso e obesidade, Portugal aparece no 7.º lugar quando se fala dos adolescentes de 11 anos: quase 30% dos adolescentes portugueses sofrem de excesso de peso ou obesidade. Aos 15 são 22%. A média internacional é, respectivamente, de 23% e de 18%.

Margarida Gaspar de Matos faz notar, contudo, que o excesso de peso e a obesidade estão estacionários em Portugal desde 2002. E que as práticas alimentares “estão a melhorar”. E prossegue com cautela: “A ingestão calórica e o gasto calórico têm de ser equacionados em conjunto, e com muita tranquilidade e ressonância cultural e afectiva, para não gerarmos stressadinhos e stressadinhas, sempre a contar passos e a contar calorias (faz mal à saúde mental, pode tornar-se uma obsessão, uma doença alimentar ou uma dependência do exercício…).”

É preciso que as crianças aprendam cedo o que devem comer, que desenvolvam o hábito de cozinhar e também que a qualidade e apresentação das refeições nas cantinas, alvo de tantas críticas, melhorem.

Mais consumo de álcool

Neste retrato do que interfere com a saúde na adolescência, os consumos são outra das dimensões avaliadas. O consumo de tabaco está a descer desde 2002 por toda a Europa e muito especialmente em Portugal. Um em cada dez (11%) dos alunos portugueses de 15 anos relataram ter fumado nos 30 dias anteriores ao inquérito. A média internacional é de 15%.

“A descida do tabaco é um dossier bem consolidado e de sucesso, mas na verdade as políticas públicas nos últimos anos andam a ‘esquecê-lo’ e, claro, o negócio dos produtores é a sua promoção e eles continuam a tentar. Temos agora, por exemplo, outras formas de consumo de tabaco (os diversos vapers) e temos de estar atentos”, acrescenta a investigadora.

Também o consumo de cannabis continua a diminuir: 5% dos rapazes de 15 anos e 3% das raparigas relatam ter consumido nos 30 dias anteriores ao inquérito (a média internacional é 8% e 5%). “Mas tal como acontece com o tabaco, os produtores têm um ‘negócio’ que não vão deixar ruir. Temos também de estar atentos.”

Já no caso do consumo álcool, a tendência é de subida em Portugal, tanto aos 13 como aos 15 anos, ao arrepio da tendência internacional. Apenas um dos dados recolhidos: 38% dos jovens portugueses de 15 anos reportaram consumo nos 30 dias anteriores ao inquérito. Em 2014 tinham dito o mesmo 30%. A nível internacional a média dos que declaram consumos recentes passou de 39% em 2014 para 37% em 2018.

Sexo desprotegido

“Ficamos sempre preocupados com o consumo de álcool na adolescência. Facilita os acidentes de viação que é uma das maiores causas de morte nestas idades, e facilita o sexo desprotegido, e em geral o sexo não ‘planeado’. Associa-se às lesões, à violência… faz mal a tudo, fígado, estômago e mesmo ao adequado desenvolvimento do cérebro. Pelo menos até aos 18 anos tem efeitos desastrosos”, diz Gaspar de Matos. Há, por isso, que ficar atento, ainda que, para já, não seja caso para alarme.

Outra nota do relatório HBSC prende-se, precisamente, com as relações sexuais desprotegidas. Um em cada quatro adolescentes não usou nem um preservativo nem pílula na sua última relação. O valor é semelhante ao registado em Portugal (24%). Este valor, diz a OMS, “continua a ser uma preocupação”.

Fonte: Público

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