quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Até aos sete anos viveu fechada, só, entre porcaria. Hoje ainda não fala, mas já ri.


Dani numa imagem recente

85 por cento do cérebro desenvolve-se até aos cinco anos. Uma criança que cresça privada de estímulos fundamentais em matéria de socialização e linguagem nunca mais recupera. Os casos de 'meninos selvagens', felizmente, são raros, mas de vez em quando aparece um que nos faz arrepiar ou chorar. Um desses casos é o de Dani, a menina que foi descoberta num quarto sujo da Florida.
Danielle - nome por que era tratada, ou não, pela família - tinha quase sete anos quando uma denúncia anónima levou a polícia a sua casa. A assistente social que primeiro lá entrou teve de sair para se aliviar, física e emocionalmente. Os polícias não ficaram muito melhor. Um disse depois que era a pior cena que alguma vez encontrara.
Todo a casa fedia, com bocados de fezes espalhados pelo chão e pelas paredes. No meio disso, uma mãe e dois filhos crescidos não pareciam incomodados. E só ao fim de minutos indicaram aos visitantes um quarto ao fundo, de onde vinha uma espécie de gemido.
Nesse quarto - um espaço do tamanho do armário, que de mobília só tinha um velho colchão imundo, com molas saídas - estava a pequena Danielle. Olhar esquivo, desgrenhada, com insetos a passar-lhe por cima e usando apenas uma fralda suja, vivera ali a maior parte da sua curta vida.

Fatores puramente externos


A primeira preocupação dos polícias foi levar a criança ao hospital. Mas antes dirigiram à mãe uma pergunta: como foi capaz? Ela respondeu que fizera o seu melhor, antes de começar a gritar para não lhe levarem "a minha bebé".
No hospital, constatou-se que Danielle estava gravemente subnutrida. O peso era muito abaixo do normal para a idade, mas ela não conseguia engolir comida sólida, ou mastigar. Ficou a soro. Uma vez lavada e examinada, os médicos concluíram que nunca ultrapassaria a grave situação de deficiência em que a mãe a pusera.
Os problemas nada tinham a ver com qualquer fator físico. Originalmente, não havia nada de errado no corpo da rapariga - nenhuma doença, nenhum atraso. O modo como a criaram é que a danificou.
No tribunal, a mãe daria as suas explicações, nenhuma das quais fazia sentido. Só o facto de ela própria ter um Q.I. vizinho do atraso mental terá comovido as autoridades.

Uma ténue conexão


A mãe continuava a querer a filha. Mas as autoridades propuseram-lhe um acordo: se renunciasse aos seus direitos, não a mandavam para a cadeia. Recusando, arriscava vinte anos. Ela cedeu.
Danielle foi proposta para adoção. Num site oficial do estado da Florida, o seu retrato aparecia entre o de centenas de outras crianças. Algo terá comovido Diane e Bernie Lierow, um casal de trabalhadores que andava à procura de mais um filho para juntar aos quatro que tinham de casamentos anteriores.
Informados da história daquela criança, foram aconselhados a escolher outra. Mas persistiram. E quando finalmente a conheceram pessoalmente, sentiram que uma ténue conexão se estabelecera. Pelo menos a criança olhara. Ela normalmente não olhava para as pessoas.
Nos cinco anos desde então, a tarefa diária do casal, quando acabam o trabalho (ele remodela casas, ela faz limpezas) tem sido acompanhar o progresso de Dani, como lhe chamam.

"Não era tão mau que justificasse"


A princípio custou muito. Ela não sabia nada. Ensiná-la a ir à casa de banho foi especialmente difícil, mas outras coisas também requereram grande paciência. Afinal, a idade mental de Dani quando a encontraram eram algures entre seis e onze meses. Muitas das suas reações, a começar pelas birras, eram de bebé.
Hoje já vai às aulas de educação especial, já se encosta aos pais, já esboça uma ou outra palavra. Cada novo passo é duramente conquistado, pois o autismo ambiental não se vence num dia. Mas graças ao contacto com gente que a ama, e ao ambiente saudável --os Lierow vivem numa quinta; Dani adora cavalgar - o progresso é imenso.
A mãe biológica continua a lamentar a perda da filha. Ainda há tempos mostrou a um repórter o dossiê do processo. Um dos elementos que lá constam é o relatório da visita efetuada logo em 2002 por uma assistente social. A situação na altura já era parecida com a de 2005, mas não foi considerado necessário intervir.
Não era tão mau que justificasse, explicaram as autoridades. E mais três anos passaram até alguém perceber.

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