O termo «oratória» refere-se à capacidade de discursar e debater ideias. Este conceito está na ordem do dia em Inglaterra porque o Partido Trabalhista, atualmente no poder, pôs a oratória no centro da sua política educativa. Isto foi recebido com alguma apreensão: receia-se que a oralidade passe a ser considerada uma competência autónoma, como se fez com o «pensamento crítico», o que é um erro. Sabemos que ambas as competências dependem muito do contexto.
O debate que a valorização da oratória suscitou em Inglaterra pode ser muito útil aos professores e especialistas em educação de outros países. (É importante lembrar que, apesar de a Inglaterra fazer parte do Reino Unido, os outros países constituintes controlam os seus sistemas educativos, e o reforço da oratória é um fenómeno que ocorre apenas em Inglaterra.)
A oratória não significa apenas ensinar as crianças a falar. É óbvio que quase todas as crianças aprendem a falar sem instrução explícita, pelo menos a sua língua materna. Há, no entanto, vários tipos de conversação, incluindo um género mais formal que a maior parte das crianças não adquire naturalmente.
As vantagens de aprender e dominar um discurso formal não se limitam à possibilidade de discursar em público ou de vir a participar em debates oficiais, atividades a que apenas uma minoria dos adultos de dedica. Como defende James Mannion, um apoiante da oratória da Universidade de Cambridge, a oratória reforça em termos gerais a autoconfiança dos alunos e pode ajudá-los a causar uma boa impressão, destacar-se em entrevistas de emprego ou fazer amigos.t
Com base na sua experiência de criador e praticante de um «programa que tinha por base a oratória» numa escola secundária há alguns anos, James Mannion considera que o enfoque na oratória foi transformador para estes alunos.
Um dos alunos disse o seguinte acerca deste programa: «Ensinou-me a não ficar calado. Mostrou-me que as minhas ideias são importantes. Agora tenho coragem para participar em todas as aulas.» James Mannion refere que o grupo que seguiu este programa «obteve nos exames os melhores resultados que esta escola já viu», sendo que os alunos de contextos desfavorecidos foram os mais beneficiados.
Oratória e escrita
Clare Sealy é uma britânica especialista em educação cuja reflexão sobre oratória — e em particular a relação entre a escrita e a fala — é sobremaneira interessante. Clare Sealy defende que aprender a escrever é um passo fundamental para o domínio do discurso mais formal que é descrito como oratória.
Clare Sealy argumenta que escrever implica «a aprendizagem de uma nova língua, uma língua que não é a língua materna de ninguém». Quando falamos, ao contrário do que acontece quando escrevemos, usamos muitas vezes frases entrecortadas, linguagem ambígua e estruturas sintáticas e vocabulário mais simples. É muito mais provável que usemos expressões como «bom» ou «do género» para encadear o pensamento durante uma conversa do que uma expressão como «demais a mais». (A primeira pessoa que ouvi defender a ideia de que a linguagem escrita é como uma segunda língua foi Judith Hochman, coautora do meu livro The Writing Revolution, há muitos anos.)render a escrever é s formal
Escrever como falamos – principalmente da forma como muitos jovens falam – não funciona por vários motivos. É impossível conseguirmos ver quem nos lê da mesma forma que olhamos para alguém com quem estamos a conversar, e quem nos lê também não nos consegue ver. Isso significa que não podemos usar gestos nem a entoação vocal para esclarecer o significado de termos mais vagos, e quem nos lê não nos pode avisar que está a ter dificuldades. Além disso, os erros gramaticais perturbam mais um leitor do que um interlocutor. Os erros escritos ficam para sempre na página ou no ecrã, em vez de desaparecerem em vibrações sonoras.
Uma das vantagens de aprendermos a utilizar esta «segunda língua» escrita é o facto de ela nos ajudar na compreensão da leitura. Quem consegue utilizar uma expressão como «demais a mais» ou orações subordinadas quando escreve, irá provavelmente ser capaz de as compreender quando as encontrar em conteúdo escrito por outrem.
Outra vantagem é que, quando aprendemos a exprimir-nos de forma mais complexa, os nossos pensamentos também se tornam mais complexos. Aprender aquilo a que Clare Sealy chama «linguagem de escrever» permite «organizar e alargar o pensamento», bem como «fortalecer a capacidade de pensar de forma abstrata e analítica», diz a autora. Essa aprendizagem é depois transferida para o discurso académico — a tal oratória — que «flutua num mar de linguagem escrita».
Simultaneamente, escrever é muito mais difícil do que falar — é pelo menos mais difícil do que falar sem qualquer formalidade. Como refere a ciência cognitiva, escrever impõe uma «carga cognitiva» mais pesada à memória de trabalho. Se tentarmos escrever sobre assuntos mais complexos, ou sobre os quais pouco sabemos, essa carga aumenta ainda mais.
Para que os alunos aprendam a escrever, é importante que os professores consigam modular essa carga cognitiva, dividindo o processo em partes mais viáveis. É preciso começar ao nível da frase e fornecer instruções específicas, praticando muito e repetidamente cada etapa. Os professores também precisam de garantir que os alunos sabem o suficiente sobre o tema em questão: só assim conseguirão escrever sobre ele de forma coerente. Escrever sobre um assunto que conhecemos bem pode revelar-se simples, mas ninguém é capaz de escrever sobre algo que não consegue compreender.
E à medida que os níveis de ensino vão subindo e os temas se vão tornando mais complexos, escrever torna-se cada vez mais difícil. É por isso que a escrita — juntamente com a compreensão da leitura e a oralidade — não pode ser vista como uma capacidade ou um conjunto de capacidades que podem ser ensinadas de forma totalmente abstrata.
A ligação entre oralidade e escrita é bidirecional
Os alunos podem beneficiar muito se entendermos a escrita como um processo aliado à fala, bem como à audição e à leitura (todos elas parte integrante do processo de aprendizagem). Como aponta Clare Sealy, a aprendizagem da linguagem complexa da escrita pode facilitar um pensamento e um discurso mais complexos. Mas importa perceber que esta influência se dá também no sentido inverso: pensar e falar sobre um assunto, mesmo que de forma informal, pode incentivar a que se escreva com maior facilidade sobre ele.
Tive oportunidade de observar esta ligação bidirecional numa sala de aula em Monroe, no estado norte-americano do Louisiana, um agrupamento escolar bastante desfavorecido que adaptou o programa que descrevo em The Writing Revolution ao currículo diversificado que por norma segue. A professora de uma turma do terceiro ano em que os alunos leram A Teia de Carlota começou por organizar um debate sobre uma das personagens principais. O segundo passo foi dar aos alunos um exercício com base nas ideias que tinham surgido no debate: os alunos receberam um conjunto de frases às quais faltavam conjunções como «porque», «mas» e «logo» para completar individualmente. Depois deste exercício, houve um novo debate onde se conversou sobre as respostas que cada um tinha dado.
A mera utilização de conjunções simples como as deste exemplo pode enriquecer a linguagem oral. Professores do ensino básico e secundário em Monroe garantiram-me que bastam alguns meses a fazer exercícios como o do porque/mas/logo para as melhorias na expressão oral de todos os alunos se tornarem evidentes.
«A comunicação oral deles ficou dez vezes melhor», afirma um professor do primeiro ano. «No começo do ano letivo, respondiam com uma palavra apenas. Mas como aprendemos a fazer frases completas, agora os alunos respondem com frases completas. E depois há outra criança que pergunta: “Posso acrescentar uma coisa à frase dele?” E acrescentam um porque.»
Estes exercícios estão a lançar as bases para uma linguagem oral mais complexa — e para um pensamento e uma escrita mais complexos. Porque ou logo irão dar origem a por conseguinte ou portanto, e mas transformar-se-á em por outro lado e em não obstante. Os professores do ensino básico com quem falei previram que a exposição precoce a formas de linguagem escrita iria facilitar o progresso desses alunos nos anos seguintes. E os professores dos níveis de ensino superiores confirmaram essa previsão: «Percebemos todos os anos que as crianças chegam aos níveis superiores a escrever melhor», revelou um professor de humanidades do sexto ano.
Os professores do ensino básico e secundário também me disseram que o ensino da escrita melhora em termos gerais a compreensão da leitura, a motivação e a aprendizagem. Embora este grupo não tenha apontado melhorias na linguagem oral dos alunos, outros professores que utilizaram este método já o referiram.
A oratória, no sentido de falar em público ou debater, pode exigir algumas capacidades que não pertencem à escrita, como saber quando fazer uma pausa enfática. Mas ambas têm sem dúvida muitos aspetos em comum. A juíza do Supremo Tribunal estado-unidense Sonia Sotomayor descreve no seu livro de memórias a dificuldade que tinha em escrever quando iniciou o seu percurso universitário em Princeton. No entanto, Sonia Sotomayor apercebeu-se rapidamente de que podia recorrer às técnicas de oratória que aprendera no liceu para escrever dissertações. E acabou por entrar para a história.
Seria bom que as escolas de outros países prestassem mais atenção à oratória, mas o risco — tal como está a acontecer em Inglaterra — é que a oratória comece a ser vista como a solução para tudo e algo que pode ensinar isoladamente. Não precisamos de «programas especiais de oratória», com matérias próprias, tal como não precisamos de programas de escrita separados do resto.bom que as escolas de outros países prestassem mais
A oratória e a escrita, juntamente com a oralidade e a audição, têm de ser vistas como componentes da aprendizagem que só se podem desenvolver em conjunto com o conhecimento — e esse conhecimento deve estar integrado num programa coerente e rico em conteúdos que comece logo nos primeiros anos de escolaridade. Os alunos não serão capazes de falar bem nem de escrever bem sobre temas que conhecem pouco. Ao mesmo tempo, tanto a oralidade como a escrita são formas de aprofundar e reforçar o conhecimento.
Esta publicação é uma tradução e adaptação do artigo «Want Students to Be Good Speakers? Teach Them to Write», disponível aqui.
Natalie Wexler
Fonte: Iniciativa Educação
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