Nos últimos cinco anos letivos (de 2019-2020 a 2023-2024) o número de crianças chamadas condicionais tem vindo a baixar e, consequentemente, o número de alunos com seis anos na Educação Pré-Escolar (EPE) tem aumentado. São consideradas condicionais as crianças que nasçam entre 16 de setembro e 31 de dezembro e a sua admissão no 1.º ano fica sujeita à existência de vagas e à vontade dos pais/encarregados de educação.
O Ministério da Educação (ME) forneceu ao Diário de Notícias os dados mais recentes sobre as crianças condicionais. Em 2019/20, estavam na EPE 47 481 crianças com cinco anos de idade a 31 de dezembro e 8141 com seis anos. O ano letivo passado estavam a frequentar a EPE 55 490 com cinco anos a 31 de dezembro e 12 253 com seis anos. “Estes dados mostram que há mais alunos com seis anos na EPE, o que pode explicar o menor número de crianças com cinco anos no 1.º ano registado nos últimos anos”, explica o ME.
Ainda assim, segundo o ME, “para o próximo ano letivo (2024/2025) o número de matrículas no 1.º ano de alunos com cinco anos a 15 se setembro (matrículas condicionais) é de 13 296, o que traduz um aumento de 2573 alunos”. Mas, esclarece o ministério, “esta subida de matrículas de alunos condicionais é acompanhada pelo total de matrículas registadas para o 1.º ano de escolaridade do ano letivo 2024/25 que é de 85 325” - é o mais elevado desde 2019, que teve 71 813 inscritos. O número de condicionais para o 1.º ano, no próximo ano letivo, representa 15,58% do total de matrículas para esse ano de escolaridade.
Educadores de infância, professores, especialistas e pais alertam para as consequências da entrada precoce no 1.º ciclo e pedem um debate alargado sobre a matéria. Questionado pelo DN sobre a eventual revisão do decreto-lei que permite a entrada no 1.º ciclo com cinco anos, o ME explica que irá manter as regras em vigor.
Entrar no 1.º ciclo aos cinco anos ou ficar no pré-escolar?
Na Suíça, Finlândia, Lituânia, Letónia, Estónia, Bulgária, Dinamarca e Suécia a entrada no 1.º ciclo faz-se com sete anos. Em países como a França ou a Áustria, o 1.º ciclo tem a duração de cinco anos. Portugal é um dos poucos países da Europa que permite a entrada das crianças no 1.º ciclo com cinco anos.
No estudo Situação 4 anos após o ano de ingresso dos alunos no 1.º Ciclo do Ensino Básico (CEB), 2021/22, publicado no passado mês de abril pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), conclui-se que “a taxa de conclusão no tempo esperado para os alunos fora da idade modal de ingresso no 1.º CEB esteve abaixo da média, 87% para os alunos que ingressaram com cinco anos”. Já os alunos cuja entrada no 1.º ciclo foi aos seis anos, tiveram uma taxa de conclusão no tempo esperado (quatro anos), de 92%. Também o Conselho Nacional de Educação (CNE) se debruçou sobre o tema. No estudo Estado da Educação 2017, o CNE indica que uma “significativa percentagem de alunos apresenta um desfasamento etário de dois ou mais anos, que se vai acumulando ao longo dos três ciclos do ensino básico”, referindo-se a crianças cuja entrada no 1.º ciclo se fez aos cinco ou seis anos. “Na adequação do ciclo de estudo à idade dos que o frequentam, embora se verifiquem melhorias, subsiste um desfasamento que vai tomando maiores proporções à medida que se avança na idade e escolaridade”, lê-se.
Alexandre Costa, pai de uma menina condicional, não teve dúvidas quando teve de decidir se a filha iria ou não entrar com cinco anos no 1.º ciclo. Nascida em dezembro de 2014, a criança frequenta o 3.º ano, mas poderia estar no 4.º. “Decidimos que não entraria com cinco anos, ainda ela frequentava a creche. Na entrada para o pré-escolar mudou de escola e já a inscrevemos na sala dos três anos e não na dos quatro”, explica. Segundo conta, a educadora informou que a decisão não era vinculativa e que a criança poderia, na mesma, entrar com cinco anos, se fosse essa a vontade dos pais. Contudo, a decisão manteve-se após pedido de avaliação de psicologia, solicitada apenas por “descargo de consciência”. “A nível cognitivo estava até acima da média, mas não tinha a maturidade necessária. Por exemplo, o tempo de concentração estava abaixo do esperado para uma criança do 1.º ciclo”, diz Alexandre Costa. Uma decisão da qual os pais nunca se arrependeram. “Ficou mais um ano a brincar e a adquirir as competências necessárias para o seu desempenho escolar. Foi a melhor decisão para ela”, sublinha.
Joana Marques, mãe dos gémeos Teresa e Miguel, nascidos em dezembro de 2014, não pôde escolher e os filhos entraram com cinco anos no 1.º ciclo, pois desconhecia que poderia exigir o adiamento. “Os meus filhos andavam numa escola onde não me davam opção, o Regulamento Interno era esse”, recorda. Os filhos não conseguiram adquirir algumas das competências de 1.º e 2.º ano e Joana Marques acabou por tomar uma decisão drástica. “Arrependi-me de tal forma que, no 2.º ano, sem resultados positivos, mudei-os de escola e foram repetir o 2.º ano e, de facto, o desenvolvimento emocional e físico deles está mais próximo do ano civil seguinte [2015] do que dos meninos do mesmo ano civil”, afirma. A mãe dos gémeos tem um filho mais velho, também condicional, nascido a 27 de setembro. “Com o mais velho, não houve problemas. Ser de setembro ou dezembro faz muita diferença”, justifica. Com os gémeos a experiência foi outra e “muito difícil” para as crianças. “O 1.º ano foi complicado. Era muito difícil escrever tanto tempo, manter a concentração tanto tempo, sobretudo no 2.º ano. Eles tinham muita dificuldade a cumprir metas, trabalhos de casa, etc. O que notei mais foi essa dificuldade em cumprir um período letivo, sentados, das 9 às 16h00. Foi muito difícil para eles”, recorda. Por isso, depois de terem repetido o 2.º ano e perceber a melhoria dos filhos, considera “vantajoso para as crianças condicionais entrarem com seis, quase a fazer sete”, ressalvando que “cada criança é diferente e poderá haver casos excecionais, em que entrar aos cinco possa ser vantajoso”.
Há pais que pedem apoio técnico para que os filhos possam entrar com sete anos
Mariana Carvalho, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), reeleita há um mês, revela ao DN que irá reunir com a nova equipa para debater o tema das crianças condicionais, mas adianta que tem verificado “com os pais, nas escolas, vantagens de não entrar com cinco anos no 1.º ciclo”. A presidente da CONFAP dá ainda conta que “há pais que pedem apoio técnico para que os filhos possam entrar com sete anos”. “Não é uma posição da CONFAP, mas acredito que é importante que as crianças só entrem mais tarde e que brinquem mais um ano. Temos seguido estudos nacionais e internacionais que apontam esse caminho.” Contudo, ressalva, “cada criança é uma criança”.
Mariana Carvalho considera necessário “um debate alargado sobre o tema”. “É preciso falar sobre este assunto. Faz sentido uma reflexão alargada com os pais. Até porque há crianças que entram por questões emocionais para manterem o grupo de colegas” realça. A presidente da CONFAP lembra que há crianças condicionais nascidas em dezembro, por exemplo, que ao entrarem com cinco anos têm quase um de diferença em relação a outros colegas de turma. “ Temos visto que essas crianças têm desempenho diferente, com alguma fragilidade. Não considero que seja perder um ano, mas sim ganhar, para depois crescer com mais maturidade”, conclui.
“Em 90% das situações, se não mais, é a opção errada”
Paula Gomes, do Movimento de Professores em Monodocência (MPM), composto por docentes do pré-escolar e de 1º ciclo, não tem dúvidas sobre as vantagens de entrar apenas com seis anos no 1.º ciclo e afirma: “Depende de cada criança, mas, na globalidade, diríamos que em 90% das situações, senão mais, é a opção errada.” “É preciso dar tempo e espaço para que as crianças cresçam. Apressá-las nesse processo que é único e individual é contranatura. A questão aqui é que essa decisão cabe aos pais e, em muitos casos, a opinião do Educador de Infância, que tecnicamente será quem percebe do assunto, é completamente desconsiderada”, assinala. Paula Gomes esclarece não serem os pais os que melhor conhecem os seus filhos no que às questões pedagógicas e de aprendizagem diz respeito.
“Muitas vezes nem sequer têm noção do que se espera de uma criança que ingressa no 1.º ciclo. A experiência que os pais muitas vezes têm é a sua própria enquanto alunos, que é insuficiente para tomarem uma decisão. E se existem bastantes pais que compreendem a avaliação do Educador de Infância, quando recomenda a frequência de mais um ano de EPE a crianças em situação de condicional, outros há que desconsideram completamente essa avaliação e tomam uma decisão irreversível”, afirma. A docente alerta ainda para as consequências de uma entrada precoce no 1.º ciclo: “As crianças vão acumulando défices ou lacunas nas suas aprendizagens, sofrem uma pressão maior para acompanhar os restantes colegas, e isso acaba por, mais cedo ou mais tarde, se refletir no seu percurso escolar.”
Fazendo uma breve análise da idade legal de entrada no 1.º ciclo do ensino básico em diversos países da Europa, acrescenta, “é possível verificar que os que apresentam melhores resultados são aqueles em que as crianças ingressam na escola aos sete anos, nomeadamente Finlândia, Lituânia, Letónia, Estónia, Bulgária, Dinamarca e Suécia”.
Alberto Veronesi, professor de 1.º ciclo e diretor do Agrupamento de Escolas de Santa Maria dos Olivais, Lisboa, não tem uma opinião “estanque” e entende ser necessário analisar caso a caso, pois “cada criança é única”. Contudo, aponta as possíveis consequências da entrada com cinco anos no 1.º ciclo. “A entrada no 1.º ciclo para crianças que não estão preparadas pode ter, e digo pode porque não quer dizer que tenha mesmo, diversas consequências negativas. Desde logo pode ter dificuldades em acompanhar o ritmo da turma, o que pode levar a frustração, desmotivação e baixo rendimento escolar. Depois há ainda as questões emocionais que resultam das dificuldades anteriores - pode sentir-se insegura, ansiosa e com baixa autoestima devido às dificuldades enfrentadas”, salienta.
O docente acrescenta que “uma criança emocionalmente frágil, frustrada porque não acompanha a turma, tem tendência para ter comportamentos de chamada de atenção”. Nesse sentido, afeta também a disciplina. “Com todas estas possíveis consequências é natural que a criança possa ficar retida no mesmo ano ou precisar de apoio escolar adicional para superar as dificuldades. Compensou ter entrado mais cedo? Creio que não”, conclui.
Mudanças de ciclo são mais difíceis para as crianças condicionais
Alfredo Leite, licenciado em Psicologia (Ramo Educacional), não é a favor da entrada com cinco anos porque “a maturidade emocional e cognitiva de uma criança dessa idade, geralmente, não está preparada para as exigências do 1.º ciclo”. “Alguns estudos em psicologia educacional mostram que crianças mais novas podem ter dificuldades em acompanhar o ritmo das atividades escolares, o que pode afetar o seu desenvolvimento a longo prazo. É fácil recitar a frase ‘é essencial respeitar o ritmo individual de cada criança’ sem realmente compreender ou aplicar o seu verdadeiro significado”, afirma.
O especialista garante que “a entrada antecipada no 1.º ciclo pode levar a desafios adicionais”. “Estas crianças podem apresentar dificuldades em acompanhar o currículo, maior stress e ansiedade, e possíveis problemas de autoestima. A falta de maturidade pode impactar negativamente a experiência escolar, tornando a aprendizagem menos eficaz e prazerosa”, salienta. Alfredo Leite entende também que, muitas vezes, são as mudanças de ciclo as fases mais difíceis das crianças condicionais. “Representam transições significativas que exigem adaptação a novos ambientes, métodos de ensino e expectativas académicas. Escuto isso em todas as escolas onde vou. Para alunos que já tiveram dificuldades iniciais, estas transições podem ser particularmente desafiadoras, resultando em maior stress e potenciais lacunas no conhecimento”, conta.
Nuno Pinto Martins, fundador da Academia Educar pela Positiva, defende não haver uma idade ideal para a entrada no 1.º ciclo. “Nessa fase, seis meses pode fazer muita diferença do ponto de vista cognitivo. Se algumas crianças poderão estar aptas a dar o salto do pré-escolar para o 1.º ciclo, outras nem por isso”, defende.
O especialista explica que “para uma criança estar apta a entrar numa sala de aula, mais importante do que ter noção das letras ou dos números é que tenha desenvolvido um conjunto de competências básicas, por exemplo ao nível da autonomia - saber vestir-se e comer sozinha ou cuidar da sua higiene básica - e, sobretudo, ao nível emocional. Deve também ter capacidade para reconhecer o que sente e para lidar com emoções como a raiva e a frustração, mais difíceis de gerir”. Essa avaliação, segundo Nuno Pinto Martins, deve ser feita entre o Educador de Infância e auxiliar de educação que a acompanharam no pré-escolar, em conjunto com os pais. “Pode também ser útil consultar um pediatra do desenvolvimento, por exemplo”, completa.
Essa é também a opinião de Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP). Para o responsável, havendo vaga para a criança condicional - dependente da existência de lugares sobrantes - os pais devem tomar uma decisão “consciente após auscultar a educadora e a psicóloga escolar (ou outra psicóloga externa)”.
Fonte: DN
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