domingo, 18 de dezembro de 2016

Estudar do outro lado de um muro

“Dantes, esta era a rua principal que ia para a cidade.” Miglena Slavcheva, 32 anos, viveu aqui a vida toda e lembra-se de quando os automóveis podiam ir diretamente do seu bairro, Nov Pat, até ao centro de Vidin, no Norte da Bulgária. Há quatro anos que isso não é possível. A construção de uma linha férrea de alta velocidade separou este bairro do resto da cidade. As pessoas da comunidade, quase todas de etnia cigana, passaram então a ter de percorrer mais de três quilómetros para chegar a um lugar que antes estava a umas dezenas de metros. Confinado no extremo oeste da cidade, entre o cemitério e a autoestrada, Nov Pat passou também a ter um muro a cortar-lhe o caminho. “Antes disto não estávamos tão separados, as pessoas podiam caminhar até lá”, conta Slavcheva. “Foi uma péssima ideia.”

No bairro onde vive Miglena Slavcheva, há cerca de dez mil pessoas de etnia cigana – o equivalente a um quinto de todos os que vivem em Portugal. Quando estudava, quase todos os ciganos de Vidin andavam numa escola a que só eles iam. Era assim nas comunidades onde vivem maioritariamente na Bulgária. Na transição para o século XXI, o país identificou esse problema: a segregação étnica afastava os ciganos da educação, com reflexos na qualidade das aprendizagens e nos seus percursos posteriores. Poucos chegavam ao secundário, ainda menos ao ensino superior. Esta cidade, capital da região mais pobre da União Europeia, foi a primeira a lançar um programa para combater o fenómeno. O chamado “modelo de Vidin” propôs mudar a sina da minoria étnica mais representativa do continente.

A estratégia foi apontada como exemplo em relatórios nacionais e internacionais e usada como referência para todo o Leste europeu, onde se estima que entre 5 e 10% da população seja constituída por pessoas desta etnia. Em 2000, quando o projeto arrancou, 90% das crianças ciganas de Vidin estudavam na escola Episkop Sofroniy Vrachanski, situada no interior do bairro de Nov Pat e frequentada exclusivamente por ciganos. Três anos depois, esse número tinha baixado para 25%. Três quintos das famílias tinham preferido colocar os seus filhos a estudar no centro da cidade, junto da população maioritária. Hoje, um ano depois do final do programa, metade das crianças da comunidade vai para as escolas integradas. “É o nosso maior sinal de sucesso: a saída das crianças passou a ser possível sem o nosso apoio”, sintetiza Donka Panayotova, que lidera a DROM, organização não governamental (ONG) responsável pela concretização do modelo de Vidin

Sensibilizar as famílias

A segregação dos estudantes ciganos na Bulgária é um dos legados do regime comunista. Nos anos 50 do século XX, foram criadas as “escolas para crianças com um estilo de vida e cultura inferior” no interior das comunidades onde viviam maioritariamente as pessoas desta etnia. A estratégia praticamente eliminou a iliteracia entre os ciganos, mas fê-lo à custa de um ensino de segundo nível. A uniformização curricular feita em 1992, já em democracia, equiparou estes estabelecimentos de ensino aos restantes da rede pública, mas continuaram a ser exclusivamente frequentados por ciganos.

No final da última década do século XX e com a entrada na União Europeia no horizonte, as ONG roma – a designação internacional para a etnia cigana, que na Bulgária é usada de forma corrente – quiseram mostrar ao Governo que era preciso mudar esta realidade. O projeto iniciado pela DROM em Vidin propunha-se a fazer o que nunca ninguém quisera fazer: tirar as crianças ciganas das escolas segregadas e colocá-las nas escolas integradas.

Por um lado, a ONG teve de sensibilizar as famílias ciganas para as vantagens de colocarem as crianças num novo ambiente, longe das suas casas, lutando contra o medo de que os seus filhos fossem vítimas de discriminação. Ao mesmo tempo, foi necessário trabalhar junto das famílias búlgaras, dos professores e diretores das escolas para que todos aceitassem as diferenças dos novos alunos. “O nosso trabalho foi sobretudo de mediação entre a comunidade roma e a sociedade búlgara”, explica Panayotova.

A face mais visível deste trabalho foi a criação de um circuito de autocarros para permitir às crianças chegar de Nov Pat ao centro de Vidin e vice-versa. Mas o projeto incluía também um apoio para a compra de material escolar e roupa e uma equipa de mentores que acompanhava o dia-a-dia dos estudantes e das suas famílias no bairro. O seu principal contributo foi, porém, a “grande mudança psicológica” que induziu em ambas as populações. “As famílias roma percebem que as crianças beneficiam da competição positiva que há na nossa escola. O resto da população também percebe que esta é a solução normal.” A observação é de Irena Garkova, hoje diretora adjunta da escola Czar Simeon Veliki, no centro da cidade. Na altura, trabalhava na estrutura regional do Ministério da Educação.

“Provar que é possível”

Garkova ainda tem bem presente na memória o dia 15 de setembro de 2000. No arranque desse ano letivo, estava na escola que hoje dirige: “Lembro-me das crianças ciganas em frente à entrada com algum receio. E também dos medos das famílias búlgaras.” “Hoje está tudo ultrapassado”, acredita. A mudança não se fez sem atritos durante os primeiros anos, sobretudo devido à sua dimensão. Aquele não era um projeto-piloto, testado com um grupo limitado de estudantes, era uma transferência em massa de alunos para novas escolas.

“Queríamos mostrar que não era verdade o argumento que os governos sempre apresentavam: os ciganos não querem educação”, explica Rumian Russinov, que na transição para a democracia na Bulgária era um dos jovens líderes da comunidade cigana no país. Em 2000, liderava o Programa de Participação dos Roma na Open Society Institute, uma ONG internacional sediada em Budapeste (Hungria), que financiava o projeto de Vidin. Para que a iniciativa tivesse impacto, teria de ter uma escala alargada: “Queríamos um programa grande para provar que isto era possível.”

No primeiro ano, foram 460 as crianças de Nov Pat transferidas para as escolas integradas da cidade. Dois anos depois, o número tinha triplicado. O modelo alargou-se a outras cidades e, menos de uma década depois do seu início, em 2009, havia iniciativas para retirar as crianças ciganas de escolas segregadas em dez cidades búlgaras e com mais 20 mil crianças envolvidas.

O projeto “foi revolucionário”, avalia a diretora da escola de Nov Pat, Nina Ivanona, no cargo desde 1993. A dirigente não usa a palavra com uma carga positiva. Pelo contrário: “O programa não foi suficientemente bem pensado pela equipa que trabalhou nele. Grande parte das famílias pensa que dessegregação é receber mochilas e mochilas, viajar de autocarro, ficar numa escola por cinco horas e, depois disso, voltar para o bairro. Não é o que eu penso.” Apesar de reconhecer os benefícios de uma educação em que crianças de diferentes etnias estudam lado a lado, Ivanova defende que esse motivo não é suficiente para clamar sucesso.

Os responsáveis pela DROM contrariam esta ideia com os resultados académicos dos alunos envolvidos. Uma avaliação conduzida, em 2005, pelo observatório de direitos humanos Bulgarian Helsinki Committee, envolvendo os seis projetos de dessegregação que na altura operavam no país, chegou a uma conclusão clara: as crianças ciganas que estudavam em escolas integradas conseguiam resultados entre 10% e 20% mais altos nas provas nacionais de Matemática e Búlgaro do que as que estudavam em escolas segregadas.

A dessegregação também teve alguns efeitos nas qualificações da população cigana. Os dados do Governo búlgaro mostram que o número de roma com um diploma do ensino superior aumentou de 0,2% em 2001 para 0,5%, dez anos volvidos. É certo que as qualificações continuam longe das da população maioritária (onde 25,6% das pessoas têm um curso universitário), mas representou um aumento de mais de 100%.

Encontros felizes

Aos números, juntam-se também as histórias como a de Angel Angelov, 17 anos. Está prestes a tornar-se o primeiro elemento da sua família a completar o ensino secundário na Escola Santos Cirilo e Metódio, uma espécie de Conservatório. Inscreveu-se para aprender Música. Queria tocar bateria, mas acabou à frente das teclas de um piano, um acaso feliz que o fez tornar-se um jovem pianista requisitado.

Dentro de menos de um ano, quando tiver de escolher uma universidade para prosseguir os estudos, não lhe vão faltar oportunidades: três instituições de ensino superior já o convidaram para prosseguir os estudos lá. Angel ainda não tomou uma decisão. “Há tempo”, diz, sorridente. Para já, a prioridade é continuar a ter boas notas como até aqui e a preparar um concerto que dará na Rússia, no próximo mês. Será o representante búlgaro num festival organizado pela Filarmónica de Moscovo, em que se reúnem jovens músicos de todo o Leste da Europa.

Ainda Naiden Georgievi, 37 anos, não se sentou à mesa e já o seu filho Aleksandre o espera ansioso para lhe mostrar um caderno. “Teve uma boa nota no trabalho de casa. Quer mostrar ao pai”, explica Albena, a mãe, que é única pessoa na família que sabe falar inglês. A cozinha da casa dos Georgievi fica no rés-do-chão. Por cima há mais dois pisos, onde esta família de quatro pessoas vive. Não são os únicos a ter uma casa cuidada e de grandes dimensões na vizinhança, mas a construção mostra que estão entre os mais ricos da comunidade.

“Foi a educação que me deu as ferramentas” para chegar até aqui, diz Naiden Georgievi, enquanto conta a sua história de vida. É um dos raros casos na comunidade de uma pessoa que começou por estudar na escola do bairro e acabou um curso superior. Nascido em Nov Pat, no seio de uma família pobre, o facto de a avó trabalhar como funcionária das limpezas da escola situada no interior da comunidade permitiu-lhe criar uma relação particular com o ensino. Sentia-se em casa: “Ela trabalhou aqui 25 anos. Eu estudei cá até ao 8.º ano”, conta, já com a lasanha do jantar sobre a mesa.

A escola de Nov Pat não tem oferta além deste nível de ensino, que correspondia, até ao ano passado, à escolaridade mínima no país – a nova Lei Geral da Educação, que entrou em vigor em setembro, acrescentou mais um ano de estudos obrigatórios. Como queria continuar a estudar, foi fazer o ensino secundário numa das escolas do centro da cidade. Depois, tomou o rumo de Sófia, a capital do país, para estudar Economia. “No final do curso, não pensava em ter um negócio. Eu só queria um bom emprego, com um bom salário”, admite.

Todavia, a economia búlgara parecia não estar do seu lado. A abertura do mercado imposta pela democracia e o colapso do bloco soviético conduziram a níveis de desemprego nunca antes vistos, com o pico a acontecer no ano 2001, quando a Bulgária atingiu uma taxa de desemprego de 19% – atualmente, situa-se nos 7,4%, um número que fica abaixo da média da União Europeia muito por culpa de uma emigração sem precedentes: no mesmo período, cerca de um milhão de pessoas abandonaram o país. Em Vidin, as fábricas do tempo comunista, que empregavam dezenas de milhares de pessoas, fecharam em pouco tempo. A economia local ficou praticamente reduzida a pequenos negócios.

Recém-casado, e com a mulher grávida, a Naiden restou a hipótese de olhar para a lei da oferta e da procura e perceber a sua oportunidade: num lugar onde os invernos rigorosos podem levar as temperaturas até aos 20 graus negativos e os salários médios tornam proibitivo ter aquecimento central para muitas famílias, a lenha continua a ser a opção mais acessível para alimentar uma fonte externa de calor. Hoje tem uma empresa que faz o abate, corte, embalamento e distribuição de madeira para aquecimento. “Se não tivesse estudado, não teria tido esta ideia de negócio”, sublinha.

Naiden Georgievi estava prestes a ir estudar para a universidade no dia em que Donka Panayotova lhe bateu à porta, convidando-o a colaborar no projeto de dessegregação de Vidin. “Durante dois anos trabalhei como voluntário. A minha função era garantir que as crianças iam todos os dias para a escola, que chegavam a horas e tinham roupas limpas. E funcionava como mediador entre os professores e as famílias”, recorda.

Ensino desigual

A educação na Bulgária está longe de estar entre as melhores. No último PISA (Programme for International Student Assessment, o maior estudo mundial sobre aprendizagens, promovido pela OCDE), que foi divulgado no início deste mês, o país não passa da 45.ª posição, entre 70 participantes, nas provas de Matemática e Ciências. Além disso, os resultados do último PISA mostram uma outra realidade: a educação búlgara é altamente desigual.

A Bulgária é o 10.º país onde há uma maior probabilidade de os estudantes de meios desfavorecidos terem piores resultados. A realidade castiga particularmente os ciganos: entre os 20% de pessoas mais pobres do país, dois terços são roma. Uma sobrerrepresentação, se tivermos em conta que os 750 mil ciganos búlgaros equivalem a 10% do total de habitantes – o que faz deste o país europeu onde esta etnia tem um peso mais significativo na população.

Há um outro indicador onde a Bulgária se destaca no PISA: a diferença de resultados entre escolas é a 3.ª mais alta dos países avaliados. Os resultados têm uma variação média de 58,8 pontos nas escolas búlgaras, bem acima da média da OCDE (30,1). Mais uma vez, os ciganos que estudam em escolas segregadas estão entre os mais prejudicados. Nos exames nacionais do 7.º ano, os alunos da Episkop Sofroniy Vrachanski, a escola do bairro de Nov Pat, têm uma média na prova de Língua e Literatura Búlgara 60% inferior à dos colegas da Czar Simeon Veliki, a maior escola do centro da cidade, com mil alunos – 14,18 contra 37,51 numa escala de 65 pontos. Em Matemática, a realidade não é muito diferente: os alunos da escola exclusivamente frequentada por ciganos têm média de 12,52, ao passo que os que andam na escola no centro de Vidin conseguem 24,96.

Os resultados das duas escolas ajudam a compreender a diferença entre elas. Mas estas também se notam a olho nu assim que se observam os seus edifícios. A escola Czar Simeon Veliki fica na praça principal de Vidin, numa interseção de ruas pedonais onde se concentra o comércio desta cidade de 45 mil habitantes situada nas margens do rio Danúbio. O edifício, pintado de cor-de-rosa-claro, é imponente, um pouco à semelhança dos liceus clássicos portugueses: três pisos, corredores amplos e luminosos e um vitral em tons de azul e laranja na entrada principal. Esta foi uma das primeiras cinco secundárias fundadas na Bulgária há 135 anos, mas o edifício permanece impecável. Pelo contrário, o amarelo-ocre da fachada da Episkop Sofroniy Vrachanski, no bairro de Nov Pat, está a desaparecer. Dentro das salas onde os seus 500 alunos têm aulas também são visíveis marcas de humidade nas paredes e a ferrugem tomou conta das grades que circundam a escola.

A casa de Naiden e Albena Georgievi fica a umas poucas dezenas de metros desta escola de Nov Pat. Teria sido confortável inscrever os seus filhos ali, mas o casal optou por não o fazer. “Os professores não dão o seu melhor pelas crianças e o nível de ensino é muito baixo”, justifica a mãe. Por isso, todos os dias vai levar e buscar de carro os dois rapazes, de 6 e 13 anos, ao centro da cidade: “É provavelmente o melhor investimento que podemos fazer.” “O nível de conhecimentos dos alunos desta escola não é tão alto como na cidade”, concorda Miglena Slavcheva, a nossa guia no bairro. Tal como os Georgievi, tomou a decisão de levar os filhos para uma das escolas integradas de Vidin.

Um apoio de proximidade

O projecto da DROM acabou no ano passado, depois de terminar o financiamento internacional que o suportava. Este é o primeiro ano letivo sem qualquer intervenção da ONG no campo da educação. A organização, fundada em 1997, voltou ao seu trabalho original de defesa dos direitos humanos, ajudando as famílias de Nov Pat a organizar os processos de legalização das casas onde vivem. O futuro do ensino naquela comunidade não preocupa Donka Panayotova. Para a mulher que liderou a implementação do modelo de Vidin, “após mais de dez anos de trabalho, o processo de dessegregação é irreversível”.

As vantagens de um projeto de integração da comunidade roma através da educação estão muito para além dos seus resultados escolares, explica Arso Ganev, investigador do Centro de Competências em Cuidados Alternativos para Crianças, ligado à Universidade Nova da Bulgária: “É a brincadeira que aproxima as crianças. Aos seis ou sete anos, ninguém quer saber se o colega é cigano ou não.”

Os projetos de dessegregação na Bulgária mantiveram-se sempre nas mãos das ONG. Do lado do Governo houve uma anuência formal, mas nunca um apoio efetivo às soluções encontradas. Mariyka Vasileva é a responsável máxima da estrutura regional da tutela na região de Vidin e não nega a existência de escolas segregadas, mas considera que este, “até ao momento, não é um problema”. “A nossa lei dá direitos iguais a todos os grupos étnicos, o mesmo currículo. As escolas que ficam dentro de uma comunidade roma têm os mesmos problemas de uma escola que está no centro da cidade”, considera.

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Face ao sucesso de projetos como o de Vidin, têm sido várias as vozes que defendem que a solução para resolver o problema de segregação nas escolas búlgaras é acabar com os estabelecimentos de ensino que ficam dentro das comunidades roma. Uma solução que o Ministério da Educação recusa por não ser “inclusiva”. “Todos os alunos que querem vir para a cidade estudar podem fazê-lo”, afirma Vasileva, mas “há estudantes que não são suficientemente confiantes para vir estudar para à cidade”. A diretora da escola de Nov Pat, Nina Ivanova, aponta na mesma direção: “Quando falamos de um bairro guetizado como este, são necessárias instituições que dêem um apoio de proximidade. Esta escola estará sempre num desses lugares.”

Nesse ponto, Arso Ganev convoca a experiência do trabalho de investigação que tem desenvolvido em Kyustendil, no Oeste do país, para dar razão à posição oficial: “Quando a política de dessegregação começou, algumas escolas dentro das comunidades foram fechadas. O resultado foi que as crianças deixaram simplesmente de ir à escola.”

Abandono escolar é um problema

Há questões que ainda estão longe de estar ultrapassadas na relação dos roma com a educação. De acordo com um relatório do Banco Mundial de 2012, cerca de 20% das crianças ciganas na Bulgária nunca foram à escola. Uma outra dificuldade na sua integração no sistema de ensino é a língua: um terço das crianças que chegam ao 1.º ano de escolaridade não fala búlgaro em casa. A maioria destes é roma que fala a língua romani.

O principal problema é, contudo, o abandono escolar precoce. É um tema premente em todo o país. O mesmo documento do Banco Mundial revela que 23% das crianças búlgaras deixam a escola antes dos 16 anos. Entre os ciganos, a percentagem ascende aos 73%. A emigração e os casamentos precoces contribuem para esta realidade, mas há uma dimensão mais determinante do que estas, segundo Arso Ganev, do Centro de Competências em Cuidados Alternativos para Crianças: o desafio que é a transição do 8.º para o 9.º ano.

Este é “o momento-chave” para a continuidade das crianças ciganas na escola. Até à nova Lei Geral da Educação, o 8.º ano marcava o final da escolaridade obrigatória, altura em que os estudantes tinham de escolher entre uma escola profissional e uma escola geral, ofertas que nunca estão disponíveis nas escolas segregadas no interior das suas comunidades. Para continuarem a estudar, os roma não têm outra opção que não seja ir para as escolas integradas, junto da população maioritária. “Se tiverem estudado num ambiente segregado, esse é o momento em que estas crianças convivem pela primeira vez com 'crianças búlgaras'”, explica Ganev. “É aí que começam os problemas de integração e os casos mais complicados de discriminação.”

Na cidade, “tudo é melhor”

Verokina Asenova, 20 anos, começou por contrariar esta tendência. Em 2002, quando começou o percurso escolar, era uma das crianças que embarcavam todos os dias no autocarro do projecto da DROM desde Nov Pat até ao centro da cidade. Andou na Escola Santos Cirilo e Metódio do 1.º ao 5.º ano. A mãe pediu-lhe então que mudasse de escola e fosse estudar para o bairro. “O meu irmão mais novo tinha entrado na escola e ela queria que estivéssemos juntos”, recorda. Durou pouco a experiência. Três anos depois, voltou a estudar na cidade. “Não gostei de estudar no bairro”, conta. Na cidade, “tudo é melhor”: “Os professores, a escola, o nível da educação.”

A casa de Veronika Asenova não tem porta. Apenas uma cortina branca rendada tapa a entrada no edifício. É cor-de-rosa por fora. Escura por dentro – apenas uma janela pequena faz entrar a luz na única divisão. A casa vizinha tem a mesma configuração. É ali que vive a sua tia. À porta, no terreiro que liga as duas casas, a jovem de 20 anos é uma de sete mulheres paradas ao sol. A mãe, a tia, as duas irmãs, uma prima e dois bebés. Um deles é seu. Só há um homem naquelas casas, o marido de Veronika. A mãe é solteira, a tia viúva. As irmãs ainda jovens.

Depois do 8.º ano, voltou à cidade para fazer um curso técnico de desenhadora e tem um diploma do ensino secundário, que lhe teria permitido entrar no ensino superior, como queria. Mas há dois anos casou-se, quando estava grávida. “O plano foi sempre ter uma melhor educação e ir para a universidade, mas as coisas aconteceram”, diz. Quando o filho, ainda bebé, tiver idade, não tem dúvidas: vai colocá-lo na escola da cidade. “Terá melhores oportunidades estudando lá”, crê.

Os exemplos de Vidin e das cidades que seguiram o seu modelo criaram oportunidades. Todavia, o contexto político europeu coloca novas dificuldades à afirmação de políticas de dessegregação na Bulgária. “Hoje, não existiriam condições para começar um projeto semelhante”, expõe a líder da DROM. O discurso xenófobo ganhou força um pouco por toda a Europa, e sobretudo no Leste. A Bulgária não escapou a este fenómeno.

Novos muros

O primeiro-ministro Boyko Borisov – que se demitiu no mês passado na sequência da derrota da candidata que apoiava nas eleições presidenciais – liderou o Governo nos últimos dois anos com uma coligação em que o seu partido, Cidadãos pelo Desenvolvimento Europeu da Bulgária (centro-direita, integrado no Partido Popular Europeu), foi apoiado pela coligação Frente Patriótica e pelo partido União Nacional Ataque, duas forças de extrema-direita. Estas duas forças partidárias conquistaram 30 dos 240 lugares no Parlamento, aumentando a sua representação com base num discurso racista.

O Instituto Open Society aplica regularmente um inquérito aos búlgaros para medir as distâncias sociais entre a população maioritária e as minorias étnicas – além dos ciganos, há uma forte comunidade turca. Nos últimos quatro anos, o número dos búlgaros não ciganos que dizem aceitar que um seu familiar próximo case com uma pessoa daquela etnia diminuiu mais de 30% e centra-se agora nos 12,2%. “Verificamos hoje a banalização do ódio”, conclui o sociólogo Alexey Pamporov, que dirige este estudo.

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No mesmo sentido, o número dos que respondem afirmativamente à pergunta se aceitariam ter um cigano na sua vizinhança atingiu este ano o seu mínimo histórico: 27%. Há quatro anos, quase metade (47,6%) dizia que sim à mesma questão. Um outro indicador recolhido pelo Open Society leva-nos de volta ao ponto de partida e à conversa com Miglena Slavcheva: 7% dos búlgaros são favoráveis à construção de um muro em torno das comunidades ciganas existentes no país.

O muro que separa Nov Pat do centro de Vidin é uma estrutura imponente. Tem três metros de altura e cerca de um quilómetro de extensão. A única forma de passar sobre ele e cruzar a linha férrea é através de uma enorme ponte metálica azul. É preciso vencer mais de cem degraus para chegar até ao outro lado.

Fonte: Público

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