terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A escola está melhor?

1.
Foram, recentemente, publicados os resultados da sexta edição do teste internacional PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), desenvolvido pela OCDE, no sentido de apreciar a literacia de jovens de 15 anos de todo o mundo nas áreas da Leitura, Matemática e Ciências. Nos testes do PISA não são avaliados conteúdos curriculares. Aquilo que se pretende compreender é a competência destes alunos no sentido de mobilizar os seus conhecimentos, nas três dimensões avaliadas, a propósito da resolução de problemas do dia-a-dia. Na edição 2015 do PISA, os alunos portugueses melhoraram os seus resultados na Matemática, Leitura e Ciências, dando continuidade a uma evolução positiva que vem a verificar-se desde 2000.

É claro que, considerando os objetivos e a consistência de um estudo como este, uma evolução como aquela que se vem a desenhar para os alunos portugueses é motivo de alegria. Sobretudo porque daí resulta a legitimidade de se concluir que as pontes que eles vêm a estabelecer entre a escola e a vida parecem estar a tornar-se mais robustas e mais eficazes. Como seria de esperar, alguns responsáveis políticos apressaram-se a chamar para si o mérito das políticas que terão assumido, reclamando a responsabilidade por estas melhorias. Enquanto outros entenderam que resultados como estes estariam "inclinados", o que quereria dizer que os primeiros estariam a ser parciais - e, de certa forma, "habilidosos" - na responsabilidade pelo mérito destes resultados que reivindicavam.

2.
Entendo eu - com tudo o que isso tem de irrelevante, é claro - que as transformações que se conquistam nunca são mérito de quem as "desenhou". Em primeiro lugar, porque ninguém muda o mundo sozinho, mas com o auxílio de tantas pessoas que, na melhor das hipóteses, qualquer transformação é, invariavelmente, co-operação. Mais amiga, portanto, do nós que do eu. Em segundo lugar, quem está ciente dos contributos que deu a uma transformação raramente os reclama, tão evidentes eles se tornam para todos. Em terceiro lugar, será que as mudanças nos desempenhos dos alunos se conquistam sem "medidas de fundo"? Se sim, porque não serão tomadas "medidas avulsas" mais vezes? Se não, estas melhorias não poderão depender de muitos outros fatores que, infelizmente, parecem ter ficado à margem de quem reclama e de quem contesta os méritos destes resultados? Em quarto lugar, e não questionando tudo aquilo que tem vindo a evoluir desde há 16 anos, a consistência das políticas educativas em todo esse período tem variado de equipa para equipa ministerial, o que talvez demonstre, por um lado, uma preocupação genuína de todos os responsáveis no sentido da melhoria da aprendizagem dos estudantes portugueses e, por outro, infelizmente, uma atitude um bocadinho narcísica de cada uma delas, sempre que desdiz aquilo que a antecedeu afirmou. Como se pontos de vista diferentes não fossem conciliáveis e sobre um mesmo problema eles não trouxessem a benevolência do contraditório mas, pelo contrário, como se se partisse do pressuposto de que quem não pensa igual não soubesse pensar. Isto é: quantas mudanças mais não seriam possíveis se, em vez do narcisismo, não perdurassem acordos de regime, a propósito da educação, e políticas de continuidade? Finalmente, demonstrarão estes resultados a qualidade que a escola tem, efetivamente, vindo a conquistar, mesmo quando nunca se definiram políticas educativas nem a cinco nem a dez anos de distância, ou quando se convive com "disciplinas de primeira" e "disciplinas de segunda" e "turmas de primeira" e "turmas de segunda"? Ou quando as mudanças de conteúdos ou as alterações das regras avaliativas têm vindo a dar-se com uma velocidade quase vertiginosa? Ou quando a formação dos professores ou as políticas que a eles se dedicam são, inacreditavelmente, inexistentes? Isto é: a escola está, mesmo, melhor? Por outras palavras: como pode a escolar mudar da "decoração de interiores" para os alicerces? E, por causa disto tudo, quem mais deve reclamar a responsabilidade destas melhorias: as equipas ministeriais, os professores, os alunos ou os seus pais? Ou... ninguém, em particular?

Seja como for, é claro, para todos, que (por mais pequenas que elas sejam) melhorias são sempre melhorias. Mas serão elas possíveis sem elegermos os professores como os seus principais responsáveis? Mesmo quando as condições de que dispõem e a formação que não lhes disponibilizam são aquilo que todos sabemos? E não será desconcertante que, a propósito destes resultados, quem reivindica e quem contesta todos estes méritos pareça esquecer-se deles? E onde ficam os pais nestes méritos todos? Mesmo quando alimentam um sistema, muitas vezes, paralelo de explicações e de centros de estudos com que as lacunas graves do sistema educativo parecem ficar mais disfarçadas?

3.
A verdade é que, com mais ou menos melhorias, a escola precisa de se reinventar. E que, pensando no seu futuro, ela não poderá continuar a reclamar para si o ensino integral dos estudantes. Até porque todos reconhecemos que, enquanto os alunos vivem no século XXI, a escola ainda vive no século XX. Por outras palavras - com melhorias ou sem elas - a escola tem de passar a servir para ligar mundo e família. Para ligar conhecimentos. Para ligar necessidades especiais e sucessos educativos. Para ligar pessoas. Para ligar brincar e aprender. Para ligar repetir e recriar. Para ligar estudo e experiência. Para ligar passado e futuro. Para ligar ciência, técnica e humanidade. E para ligar instrução e educação. Mas será que esta escola que estamos a avaliar liga, sobretudo, ou desliga, ainda, vezes demais? Por isso mesmo, a escola tem de deixar de ser muitíssimo mais amiga do "memoriza, repete e esquece" para passar a ser - muito mais! - "analisa, pesquisa, fala, discute e cria".

Por outro lado, será sensato que nos perguntemos se a literacia dos estudantes se conquista com a iliteracia de quem, tantas vezes, parece desenhar políticas educativas. Visível, também, quando reivindica méritos sem os analisar com honestidade... E mesmo quando ela se conquista quando os estudantes não gostam da escola porque ela, simplesmente, não gosta deles como devia. E quando os considera mais alunos do que estudantes. E quando quer que eles aprendam melhor deixando que tenham ritmos de trabalho das 8 às 8. E quando convive com indiferença com o número escandaloso de crianças indevidamente medicadas. Ou com cargas horárias que podem passar das cinquenta horas semanais? Será tudo isto tão consistente como todos desejaríamos? Ou, melhor, ao valorizarmos estes resultados, sem os contextualizarmos com prudência e com contraditório, não estaremos a ser imprudentes? Ou, pelo menos, a correr o risco de não entender que ninguém transforma mudando, unicamente, as pequenas coisas com que tudo fica mais ou menos na mesma? 

Eduardo Sá

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