segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Escola para sobredotados: um mundo à parte?

A primeira estrutura do país está planeada para Portimão, mas poderá transferir-se para Espanha caso o licenciamento tarde. Sim ou não a uma escola para "pequenos génios"? As opiniões dividem-se.
As ideias estão no papel, mas podem não sair dele para serem aplicadas em território nacional. A primeira escola para sobredotados do país está planeada para nascer em Portimão e beneficiar 45 alunos do 1.º ciclo do Ensino Básico, estando já definido um grupo de 18 crianças. O projecto, desenvolvido por técnicos da Universidade da Criança em parceria com o Instituto da Inteligência, está nas mãos da Direcção Regional de Educação do Algarve desde Fevereiro deste ano. A demora do licenciamento da estrutura leva os responsáveis a ponderar a transferência da escola para Espanha, quando o objectivo inicial era colocá-la em funcionamento no início do próximo ano lectivo no complexo da Universidade da Criança.
"Os entraves colocados pelo Ministério da Educação são sobretudo de ordem técnica", adiantou à Lusa Ricardo Monteiro, presidente do conselho pedagógico da Universidade da Criança e mentor do projecto. Se não for dada uma licença provisória, a escola passará para o país vizinho que já terá demonstrado interesse na infra-estrutura. Uma escola-piloto em que cada grupo de alunos terá à disposição uma equipa de 11 profissionais, entre psicólogos e professores. Além das disciplinas habituais, como Matemática e Português, serão leccionados Filosofia, Inglês e Alemão. Não há números exactos, uma vez que é complicado fazer uma identificação no sistema escolar, mas estima-se que em Portugal haja entre 35 a 50 mil crianças sobredotadas, ou seja, com um Quociente de Inteligência (Q.I.) superior a 130 e com outras características que se destacam a vários níveis.
Se tivesse um filho sobredotado colocá-lo-ia numa escola para sobredotados? Esta é a primeira pergunta que a psicóloga Adriana Campos, responsável pelo serviço de psicologia e orientação da EB 2,3 de Leça da Palmeira, faz como mãe e como profissional. A resposta é não. "A ideia que se tem defendido é a integração dos meninos, independentemente das suas capacidades, no contexto escolar", observa. "Separá-los numa escola, pô-los num mundo à parte? Essa não me parece a solução", acrescenta. Na sua opinião, criar momentos de partilha, momentos para desenvolver trabalhos e projectos entre iguais, ou seja, entre crianças sobredotadas, seria vantajoso. "Isso já vejo com bons olhos".
"O que é necessário é preparar os professores para que saibam adaptar as estratégias que vão ao encontro das necessidades desses meninos sobredotados", defende Adriana Campos. Uma formação específica que não existe e que, portanto, não faz parte dos planos escolares. "Não são tomadas as medidas que os meninos precisam". E, portanto, os docentes têm de estar de olhos bem abertos para detectar um aluno com uma inteligência acima da média e saber lidar com essa situação. "Na minha opinião, não faz sentido uma escola para sobredotados que acabam por integrar-se e viver em sociedade".
Margarida Gaspar Matos, psicóloga e investigadora na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, fala em equilíbrio. "Para este grupo, como aliás para qualquer grupo de crianças diferentes, tem sempre de haver um equilíbrio entre a aprendizagem e a competência, para a criança não desmotivar". Em seu entender, há mais um equilíbrio a ter em conta. "Um equilíbrio entre as competências intelectuais e as emocionais, porque os 'pequenos génios' são pequeninos e precisam de coisas dos pequeninos da sua idade no campo afectivo e emocional", explica.
Criatividade e motivação
"Uma criança elevadamente sobredotada não se interessa pelo que se passa numa sala de aula normal já que os desafios que lhe são colocados estão muito abaixo da sua capacidade", sustentou, à Lusa, Ricardo Monteiro, o responsável pela Universidade da Criança. O responsável defende um atendimento educacional diferenciado para crianças com o Q.I. acima de média. Na sua perspectiva, uma criança sobredotada tem as mesmas necessidades educativas especiais que uma criança com o síndroma de Down ou autismo. Há mais dados a reter: os sobredotados mais pequenos podem ser hostilizados pelos colegas e normalmente a formação dos professores não integra abordagens pedagógicas para lidar com crianças com uma inteligência acima da média.
Falar de crianças sobredotadas não se resume a focar um Q.I. superior ao normal. Numa publicação do Ministério da Educação (ME), que tem 10 anos, abordam-se as necessidades educativas dos alunos sobredotados ao nível psicológico, social e cognitivo e realça-se a importância de uma cooperação entre a escola e a família. Nesse documento, alerta-se já para a necessidade de encontrar uma definição de sobredotação mais ampla, "que seja apoiada sobretudo nas características do desempenho manifestado pelos sujeitos nas situações da interacção que estabelecem com os outros, os objectos e os conceitos". Há várias características a ter em conta desde a aprendizagem, a motivação, a criatividade, a liderança.
A publicação do ME indicava algumas pistas para os professores dos 1.º, 2.º e 3.º ciclos de ensino. Ou seja, aceitar que as crianças e jovens são capazes de exprimir competências específicas excepcionais e proporcionar um clima de sala de aula que traduza expectativas favoráveis de sucesso e onde possam manifestar as suas diferentes capacidades. Ter em conta que os estudantes, incluindo os sobredotados, têm necessidade de momentos de jogo e de lazer; criar condições para a produção de respostas ajustadas a questões que exijam procedimentos de pesquisa; bem como ter em atenção que os sobredotados apreciam o reconhecimento e o elogio como todas as crianças e jovens.

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