segunda-feira, 31 de março de 2025

O que pode levar os pais a perderem a guarda dos filhos em Portugal

A retirada dos filhos de Carol Archangelo e Carlos Orleans levantou uma série de dúvidas sobre a forma de agir da CPCJ. Veja como atua a instituição e como garantir seus direitos.

1. Quem é responsável pelo processo de retirada da guarda de crianças?

Quando há consentimento dos pais ou daqueles que têm responsabilidade parental das crianças suspeitas de estarem em situação de risco, os processos são conduzidos pelas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ). São estruturas locais da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens existentes nos municípios portugueses. Quando não há consentimento por parte dos pais ou do responsável parental, os processos são conduzidos pelo Tribunal de Família. No caso específico do casal de brasileiros, Carol Archangelo e Carlos Orleans, que perderam a guarda dos dois filhos, de 6 e 8 anos, ou eles falharam no acordado com a CPCJ ou não consentiram a intervenção do órgão.

2. Quem desencadeia o processo de avaliação do risco para as crianças?

Segundo o Relatório Anual de Avaliação de Atividade das CPCJ, em 2023 — o levantamento mais recente —, a maior parte das denúncias foi feita pelas forças de segurança, responsáveis por 22.788 (41,5%) de um total de 54.746 casos. A seguir, vieram os estabelecimentos de ensino, com 9.929 (18%); as denúncias anónimas, com 5.571(10,2%); os tribunais e o Ministério Público, com 4.635 (8,5%), os estabelecimentos de saúde, com 2.579 (4,7%), os próprios pais2.502 (4,5%), entre outros.

3. Quem tem a obrigação de denunciar maus tratos ou abusos demenores?

O artigo 242 do Código de Processo Penal português prevê que todos os funcionários públicos têm o dever de denunciar os crimes dos quais tomam conhecimento enquanto exercem suas funções, incluindo os de maus tratos a menores. Também os médicos, segundo o Artigo 44 do seu Código de Ética, devem tomar providências adequadas para proteger crianças vítimas de abusos ou maus tratos, alertando autoridades policiais ou instituições como a CPCJ.

4. Por que muitos casos de menores em risco são identificados em escolas?

Segundo a advogada Gabriela Tuler, que atua na área do Direito de Família, como os professores convivem mais tempo com as crianças, têm maior probabilidade de identificar sinais de maus tratos ou abusos. Segundo Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, os estabelecimentos de ensino têm profissionais capazes de identificar e sinalizar situações de risco.

Veja o que diz o Artigo 7º da Lei 147/1999 sobre as entidades com competência para intervir em matéria de infância e juventude:

1 - As entidades com competência em matéria de infância e juventude devem, no âmbito das suas atribuições, promover ações de prevenção primária e secundária, nomeadamente, mediante a definição de planos de ação local para a infância e juventude, visando a promoção, defesa e concretização dos direitos da criança e do jovem;

2 - As entidades com competência em matéria de infância e juventude devem promover e integrar parcerias e a elas recorrer, sempre que, pelas circunstâncias do caso, a sua intervenção isolada não se mostre adequada à efetiva promoção dos direitos e proteção da criança ou do jovem;

3 - A intervenção das entidades com competência em matéria de infância e juventude é efetuada de modo consensual com as pessoas de cujo consentimento dependeria a intervenção da comissão de proteção nos termos do artigo 9.º;

4 - Com vista à concretização das suas atribuições, cabe às entidades com competência em matéria de infância e juventude:

a) Avaliar, diagnosticar e intervir em situações de risco e perigo;

b) Implementar estratégias de intervenção necessárias e adequadas à diminuição ou erradicação dos fatores de risco;

c) Acompanhar a criança, jovem e respectiva família em execução de plano de intervenção defi nido pela própria entidade, ou emcolaboração com outras entidades congêneres;

d) Executar os atos materiais inerentes às medidas de promoção e proteção aplicadas pela comissão de proteção ou pelotribunal, de que sejam incumbidas, nos termos do acordo de promoção e proteção ou da decisão judicial.

5 - No exercício das competências conferidas no número anterior cabe às entidades com competência em matéria de infância e juventude elaborar e manter um registo atualizado, do qual conste a descrição sumária das diligências efetuadas e respectivos resultados.

5. Quais os principais sinais de que os menores se encontram em perigo?

A professora universitária Helena Raposo, com mais de 20 anos de ligação à formação de professores do ensino básico e educadores de infância, chama a atenção para sinais externos e comportamentais das situações de risco. Os externos incluem a presença de hematomas, ferimentos, marcas de agressões ou mesmo indicações de automutilação. Nos sinais comportamentais, os professores devem estar atentos a alterações no rendimento escolar, à falta de atenção, às modificações do estado de espírito, como, por exemplo, tristeza, agressividade no relacionamento com colegas, professores e funcionários e, também, perda de apetite, isolamento, reações adversas à aproximação de elementos da família ou outros adultos.

6. A CPCJ pode retirar uma criança ou um jovem do convívio familiar de um momento para o outro?

Isso depende do grau de risco que o menor enfrenta. Pode acontecer a retirada imediata, mas, normalmente, o processo é demorado. Habitualmente, após ser feita a sinalização, a CPCJ chama os pais para discutir a situação e propor um termo de ajustamento de conduta. Se a situação for grave ou se os pais não cumprirem o que foi determinado, o Ministério Público é chamado para que apresente o caso ao Tribunal de Família. No caso dos filhos de Carol Archangelo e Carlos de Orleans, que foram retirados do convívio familiar em 17 de março deste ano, a primeira sinalização foi feita em 2023.

7. Para onde são levadas as crianças cujos pais perderam a guarda?

Para instituições acolhedoras cadastradas pelo Estado, que, pelas tabelas de 2024, recebem, mensalmente, entre 1.100 e 3.300euros (R$ 6.600 mil e R$ 19.800) por criança. Mas um questionário realizado em 2023 pela Comissão de Análise Integrada da Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta, com jovens e familiares que tinham passado por casas de acolhimento, apontou uma visão negativa desses locais. Eles foram classificados como ineficazes para a resolução dos problemas dos menores de idade e alguns dos entrevistados classificaram as casas como “verdadeiras escolas de crime”. A incapacidade de estabelecer uma rotina diária e a ausência de regras foram apontadas como as principais razões para essa avaliação.

8. Os pais têm direito de defesa nos casos de perda da guarda dos filhos?

Todas as advogadas consultadas pelo PÚBLICO Brasil são unânimes: sempre que forem chamados pela CPCJ, os pais devem estar acompanhados de um advogado. Isso vai garantir que a CPCJ e os tribunais ajam de acordo com a lei, sem eventuais abusos, sempre prevalecendo o direito das crianças e dos jovens. Não pode, por exemplo, haver perseguição por parte de servidores públicos, sejam professores, sejam policiais, por conta da origem, da cor ou da condição sociais dos pais e das crianças, pois isso pode caracterizar xenofobia ou racismo. Nesses casos, os pais devem buscar a Justiça imediatamente e fazerem a denúncia.

9. E se a família não tiver condições financeiras para pagar um advogado?

Nessas situações, a Segurança Social se encarregará de oferecer um advogado oficioso para não deixar os pais desprotegidos, pois excessos por parte dos denunciantes e mesmo da Justiça podem acontecer. Conforme o rendimento da pessoa ou da família, a Segurança Social pode se responsabilizar por todos os custos judiciais e com advogados ou por um pagamento parcelado, segundo a capacidade financeira comprovada.

10. Existe diferença na forma de atuação entre as autoridades portuguesas e as brasileiras em relação a crianças em situação de risco?

Sim. A advogada Catarina Zuccaro afirma que, no Brasil, a ênfase maior das autoridades está na situação socioeconómica, já em Portugal, a atenção é para a psicossocial. Diz a legislação que uma criança está em perigo quando: vive entregue a si própria; sofre maus-tratos ou é vítima de abusos sexuais; não recebe cuidados e afeto adequados à idade; está entregue a terceiros e os pais não desempenham o seu papel; é obrigada a trabalhos inadequados e que comprometam a sua formação; está exposta a comportamentos que afetem a sua segurança ou equilíbrio emocional; assume comportamentos ou consumos perigosos sem que os pais intervenham. No Brasil, a preocupação é se a criança se alimenta bem, tem boas condições para morar, não está sofrendo violência física.

Fonte: Público por indicação de Livresco

Regime de compensação a docentes deslocados

A Lei n.º 38/2025, de 31 de março, cria o regime de compensação a docentes deslocados, alterando o Decreto-Lei n.º 57-A/2024, de 13 de setembro.
Deste modo, é criado um apoio extraordinário e temporário, até 31 de julho de 2027, à deslocação destinado aos educadores de infância e aos professores dos ensinos básico e secundário, independentemente de ser escola carenciada.

sábado, 29 de março de 2025

Como a IA está mudando a maneira como os professores de matemática planejam aulas

Matthew Karabinos estava hesitante em experimentar o ChatGPT, uma ferramenta de inteligência artificial generativa, quando ele foi lançado em 2022. O professor de matemática da 6ª série estava preocupado com o que a tecnologia significaria para o mundo da educação e, mais especificamente, o que isso significaria para o papel e a carga de trabalho de um professor.

É “uma proposta assustadora” ter que reimaginar o ensino quando o trabalho “já é difícil”, disse Karabinos. “Isso cria muito medo e ansiedade num campo já tumultuado.”

Mas na primavera de 2023, Karabinos estava pronto para ver do que se tratava todo esse burburinho. Era o fim de um período de avaliação e ele precisava dar aos alunos outra tarefa classificada. Na época, ele também estava ensinando leitura, então pediu ao ChatGPT para criar um teste sobre preposições para alunos do 6º ano. Ele ficou impressionado com o resultado.

“A partir daí, foi tipo, 'OK, ele fez isso muito facilmente. O que mais ele pode fazer?'”, disse Karabinos, que leciona na Williamsburg Elementary School em Williamsburg, Pensilvânia.

Ele passou aquele verão a inscrever-se em programas sobre como usar IA na educação e a aprender o máximo que podia sobre IA generativa. Agora, ele usa-a com frequência para criar tarefas de matemática envolventes.

Karabinos está entre os 21% de professores de matemática que usam IA para planeamento instrucional ou ensino, de acordo com um relatório da RAND de fevereiro de 2025 , baseado numa pesquisa nacionalmente representativa com mais de 9.000 professores de escolas públicas do ensino fundamental e médio, realizada na primavera de 2024.

O relatório da RAND descobriu que os professores de matemática e do ensino fundamental são menos propensos a relatar o uso de ferramentas ou produtos de IA para planeamento instrucional ou ensino do que professores de inglês/letramento, ciências e ensino médio.

“Não é de surpreender que os professores de matemática estejam um pouco relutantes em aceitar essa nova tecnologia”, disse Gail Burrill, especialista em matemática no programa de educação matemática da Universidade Estadual de Michigan e ex-presidente do Conselho Nacional de Professores de Matemática.

“A matemática está num espaço ligeiramente diferente das outras áreas de conteúdo”, disse Burrill. Álgebra assistida por computador e outras ferramentas matemáticas algorítmicas já existem há muito tempo, mas os professores “têm lutado com” como integrar essas tecnologias na sala de aula.

Parte do motivo pelo qual os educadores que ensinam matemática podem hesitar em experimentar ferramentas de IA pode ser que a maioria deles — 68% — não recebeu nenhum desenvolvimento profissional sobre o uso de IA para ensinar matemática, de acordo com uma pesquisa nacionalmente representativa do EdWeek Research Center com 411 professores, realizada em fevereiro.

Há também uma pequena porcentagem de educadores que ensinam matemática — 11 por cento — que acham que ferramentas de IA nunca devem ser introduzidas na instrução de matemática, descobriu a pesquisa do EdWeek Research Center. Os céticos da IA ​​estão preocupados com os vieses da tecnologia, a sua tendência de fabricar respostas e efeitos potenciais na criatividade e cognição humanas.

Ainda assim, os professores estão a experimentar maneiras de incorporar ferramentas de IA generativas na instrução de matemática. Por exemplo, eles relataram usar a tecnologia para criar planos de aula e materiais para alunos, para diferenciar instruções e como tutor para alunos.

Além do ChatGPT, os produtos de IA que os professores de matemática estão a experimentar incluem Microsoft Copilot, Google Gemini, Google NotebookLM, MagicSchool, Perplexity, School AI, Claude e Khanmigo.

Usando IA para criar planos de aula e materiais para alunos

A maioria dos professores de matemática que usam ferramentas de IA generativa fazem-no para planear aulas e criar materiais para os alunos, como questionários, atividades em sala de aula e tarefas de casa.

Karabinos tem retrabalhado os seus planos de aula para se alinharem com a estrutura Building Thinking Classrooms de Peter Liljedahl , uma abordagem para envolver os alunos em pensamento profundo e resolução de problemas em matemática. Ferramentas de IA generativas têm sido “úteis” para ele na elaboração de “tarefas de pensamento de ordem superior”.

Usando uma conta no OpenAI, o criador do ChatGPT, Karabinos construiu um GPT personalizado com base em todos os artigos e pesquisas disponíveis publicamente que foram lançados sobre a estrutura de Liljedahl para que o GPT tenha um histórico sobre as melhores práticas para desenvolver “tarefas de pensamento”.

Em seguida, Karabinos digita a meta de aprendizagem, o tópico ou o padrão que deseja abordar e pede ao GPT para ajudá-lo a criar uma tarefa de pensamento alinhada a essa meta.

“Isso dá-me o primeiro passo para que eu não tenha que literalmente de sentar e encontrar e pesquisar todas essas tarefas de pensamento antes do tempo”, disse Karabinos. “Elas podem ser feitas em questão de minutos e eu posso simplesmente configurá-las no dia seguinte. Tem sido absolutamente vital para mim fazer isso na minha sala de aula, porque há muitas tarefas de pensamento por aí, mas poucas delas combinam com o seu currículo específico.”

Os seus alunos têm gostado das tarefas, chegando todos os dias perguntando se é um dia de “tarefa de pensamento”, disse Karabinos. Eles gostam de poder sair de seus assentos, trabalhando em grupos para entender melhor os conceitos matemáticos que estão a aprender, disse ele.

Professores de matemática recorrem à IA para diferenciar e personalizar a instrução

As ferramentas de IA desempenharam um papel importante na forma como Ana Sepulveda ensina matemática aos seus alunos do 6º ano na Escola para Talentosos e Superdotados em Pleasant Grove, em Dallas.

O distrito escolar de Dallas está no segundo ano a usar o MATHia, uma plataforma de aprendizagem adaptável da Carnegie Learning, e Sepulveda disse que tem sido uma superusuária, integrando o aplicativo nas suas aulas diárias.

A plataforma, que os alunos usam por 15 minutos todos os dias em sala de aula, fornece suporte personalizado com base nas dificuldades de cada aluno e Sepulveda disse que isso facilita a análise dos dados e a descoberta a que conceitos dedicar mais tempo.

Sepulveda também usa ferramentas de IA generativas para fornecer suporte linguístico aos seus alunos bilíngues quando eles estão a realizar uma atividade de “ translinguagem ” — o processo de fazer conexões entre a sua língua nativa e a língua que estão a adquirir. Ela dá aos alunos os principais termos matemáticos que precisam de saber em espanhol e inglês e, em seguida, incentiva-os a usar o ChatGPT para os ajudar a relacionar os termos.

Os alunos estão usando a IA como tutor para verificar seu trabalho

Muitos professores hesitam em permitir que os alunos usem ferramentas de IA para resolver problemas de matemática, mas Nick Phillips, que ensina cálculo na Trinity High School em Washington, Pensilvânia, incentiva os seus alunos a usar a IA como tutora.

“Eu encorajo-os a usar isso como uma forma de verificar o trabalho deles ou de resolver um problema em que estão travando”, disse Phillips. “Há mais de 100 deles e um de mim” e ele nem sempre consegue chegar a todos os alunos que precisam de ajuda em uma tarefa a tempo.

“Os meus alunos são muito talentosos — eles destacam-se em matemática”, disse Phillips. “Eles podem precisar apenas daquela pequena informação” para se desvencilhar. Talvez eles tenham escrito –2 em vez de +2, por exemplo. Ferramentas de IA são uma boa maneira de obter aquela ajuda extra quando um professor não está disponível, ele disse.

Vicki Davis, que ensina ciência da computação na Sherwood Christian Academy em Albany, Geórgia, também incentiva os seus alunos a usar inteligência artificial como tutora. Por exemplo, se ela estiver a rever um princípio complexo de ciência da computação, ensina os alunos a solicitar uma ferramenta de IA generativa para lhes explicar o tópico a em termos que eles entendam.

Por exemplo: O aluno pode solicitar uma ferramenta de IA generativa escrevendo: "Estou em Princípios de Ciência da Computação AP. Estou com dificuldade para entender "listas iterativas", mas entendo futebol. Pode-me explicar em termos de futebol e fazer-me perguntas para determinar se entendi?"

As necessidades de desenvolvimento profissional de IA dos professores variam amplamente

Professores de matemática dizem que querem desenvolvimento profissional no uso da tecnologia para ensinar matemática, de acordo com a pesquisa do EdWeek Research Center.

O tipo de desenvolvimento profissional que os professores dizem que gostariam depende do seu nível de experiência com a tecnologia.

Aqueles que não têm muita experiência disseram que gostariam de uma visão geral básica da IA: o que é, como funciona e quais são os seus benefícios e desvantagens. Aqueles que já sabem o básico estão interessados ​​em aprender sobre as ferramentas que estão disponíveis e como podem usá-las em seu trabalho. Professores que já estão a implementar IA nas suas salas de aula estão procurando formação que os ajude a levar o que já estão a fazer para o próximo nível.

Os defensores da incorporação da IA ​​na educação dizem que aprender mais sobre a tecnologia é o primeiro passo para usá-la de forma responsável e perceber que ela não substituirá os humanos. Se usada corretamente, a tecnologia pode ajudar a aliviar a carga de trabalho dos professores e fazê-los pensar em novas maneiras de ensinar conceitos matemáticos, dizem eles.

“Costumava [levar] meia hora ou 45 minutos para fazer [uma tarefa] parecer bonita, fazê-la parecer perfeita e garantir que todos os problemas estejam exatamente da forma que eu preciso”, disse Karabinos. “Não mais.”

“Recupere esse tempo [com IA]”, ele disse. “Use-o para algo sábio, como construir relacionamentos com seus alunos.”

Lauraine Langreo

Fonte: Education Week por indicação de Livresco

sexta-feira, 28 de março de 2025

Mostrar ou dizer? Melhorar a ortografia de palavras baseadas em regras através de prática explícita ou implícita

Introdução

Aprender a escrever exige mais do que converter sons em letras. A ortografia é complexa e propensa a erros. Na maioria das línguas alfabéticas, as relações fonema-grafema são bastante menos consistentes do que as relações grafema-fonema (Bosman & Van Orden, 1997) e, por isso, na escrita as regras morfológicas podem ser difíceis de adquirir.

Por outro lado, a ortografia desempenha um papel crucial na aprendizagem em geral, e na comunicação escrita em particular, afectando tanto a clareza quanto a credibilidade do conteúdo. Embora seja possível adquirir habilidades ortográficas implicitamente, através da exposição à escrita, a instrução explícita é frequentemente mais eficaz, em especial para regras complexas como as morfológicas. A investigação sugere que combinar práticas explícitas (ensinar regras directamente) com implícitas (exposição frequente e passiva a formas correctas de palavras) pode melhorar a aprendizagem da escrita (e.g. Savolainen et al., 2008; Tops et al., 2013).

Desde o momento em que são expostas à escrita, as crianças adquirem conhecimentos ortográficos de forma implícita, procurando, no que lêem, frequências de letras, combinações, morfemas e palavras (Treiman & Kessler, 2014). Aprendem sobre a estrutura da escrita e as combinações possíveis entre letras sem perceber que o estão a fazer, aplicando esse conhecimento nas tentativas iniciais de escrita antes mesmo de dominarem as relações fonema-grafema (Treiman, 2017). Essa sensibilidade face às regras ortográficas implícitas tende a aumentar com a idade, influenciada pelo maior vocabulário e exposição à leitura (e.g. Georgiou et al., 2020; van der Ven & de Bree, 2019). Mesmo quando recebem instruções explícitas sobre ortografia, as crianças recorrem frequentemente ao conhecimento adquirido de forma implícita para soletrar palavras (Steffler, 2004).

Embora o conhecimento implícito possa auxiliar na ortografia, pode também levar à formação de padrões incorrectos (e.g. de Bree & van den Boer, 2021). Por outro lado, meta-análises recentes mostram que a abordagem mais eficaz para aprender ortografia é o ensino directo e sistemático (Galuschka et al., 2020; Graham & Santangelo, 2014). Ou seja, explicar regras e estratégias para soletrar palavras desconhecidas, em conjugação com actividades práticas guiadas e sistemáticas, melhora significativamente o desempenho ortográfico (Graham & Santangelo, 2014). Actividades como ensinar relações fonema-grafema ou padrões morfológicos e ortográficos favorecem a aprendizagem ao ajudar os alunos a entender o sistema de linguagem falada e escrita, incluindo as excepções às regras regulares fonema-grafema (Galuschka et al., 2020). Trata-se de uma instrução directa e explícita, que envolve diferentes fases (como ensino e prática guiada) e técnicas de ensino (como participação, modelagem, prática e retorno centrado no processo) para facilitar a aprendizagem (Chamalaun et al., 2022; Harris et al., 2017).

Três estudos de referência compararam os efeitos de abordagens implícitas e explícitas na grafia de palavras-alvo (treinadas) e de transferência (palavras baseadas na mesma regra morfológica, mas não treinadas), para uma amostra de crianças holandesas. Hilte e Reitsma (2011) verificaram que tanto a prática implícita quanto a explícita melhoraram a grafia de palavras-alvo e de transferência, em comparação com nenhuma prática adicional, para alunos do segundo ano. Kemper et al. (2012) observaram que, em crianças do primeiro ano, a prática explícita teve um maior impacto do que a prática implícita. Cordewener et al. (2015) também constataram que a prática explícita foi mais eficaz do que a prática implícita para melhorar a grafia de palavras-alvo e de transferência, embora ambos os métodos fossem eficazes em comparação com o grupo de controlo, que não teve nenhuma prática adicional.
Estudo de van den Boer e de Bree

O estudo de van den Boer e de Bree (2024) investigou se a prática adicional à instrução em sala de aula, implícita ou explícita, pode melhorar a grafia de palavras baseadas em regras.

Esta investigação comparou duas abordagens de ensino de ortografia: uma que fornece aos alunos a grafia correcta de palavras específicas, sem abordar as regras subjacentes, e outra focada na prática explícita ou implícita das regras ortográficas. A eficácia da prática foi analisada não apenas nas palavras treinadas, mas também em palavras novas e não treinadas. Para isso, incluíram-se palavras-alvo (substantivos treinados), palavras de transferência (substantivos não treinados, semelhantes à palavra-alvo e baseados na mesma regra morfológica — transferência proximal de aprendizagem) e palavras de generalização (substantivos não treinados, cujas regras morfológicas são inferidas e aplicadas a palavras que não são semelhantes à palavra-alvo — transferência distal). Incluíram-se ainda palavras de preenchimento, que consistiam em cinco pares de palavras com diferentes dificuldades de ortografia e/ou regras que são ensinadas no segundo ano.

O estudo investigou se o treino de palavras terminadas em -t/-d resultaria em transferência para palavras com outras terminações que seguem a mesma regra. Se a prática explícita ou implícita gerasse conhecimento específico da palavra, os efeitos seriam vistos apenas nas palavras-alvo. Porém, se a regra morfológica for compreendida, espera-se que os efeitos se estendam também às palavras de transferência e generalização.

O objectivo do estudo não era o ensino da escrita, mas sim as maneiras de praticar e melhorar o desempenho da escrita após a instrução em sala de aula. Como a regra em estudo é ensinada no primeiro período do 2.º ano, o estudo foi conduzido no segundo período do 2.º ano.

Participaram neste estudo 140 alunos do 2.º ano de escolaridade, que se distribuíram em três grupos: 44 crianças receberam prática explícita, 45 receberam prática implícita e 51 não receberam nenhuma prática adicional.

Após um ditado inicial (pré-teste), as crianças foram seleccionadas para condições de prática explícita, implícita ou sem prática adicional. No final na intervenção, avaliaram-se os resultados de ortografia em palavras-alvo, palavras de transferência e palavras de generalização.
Prática adicional

As crianças que receberam prática explícita ou implícita frequentaram cinco sessões de prática adicional de ortografia, em pequenos grupos de quatro ou cinco crianças, distribuídas ao longo de três semanas. Cada sessão tinha uma duração de 20 a 30 minutos. As sessões foram realizadas na escola durante qualquer aula, excepto nas aulas de ortografia, para garantir que a prática fosse realmente adicional. Essas sessões eram da responsabilidade de alunos de pós-graduação em Psicologia Infantil e Educação com Formação de Professores.
Prática explícita

Durante a prática explícita, as crianças eram apresentadas repetidamente à regra de ortografia. Antes de cada exercício, o instrutor apresentava a regra de ortografia oral e visualmente às crianças. Estas eram encorajadas a dizer a palavra-alvo e a regra antes de completar os exercícios, o que exigia a classificação ou a escrita da palavra. Posteriormente, o instrutor fornecia informação, indicando a resposta correcta e modelando, assim, a aplicação correcta da regra de ortografia.

Tabela 1. Exercícios das sessões da prática explícita

Prática implícita

Durante a prática implícita, as crianças contactaram com as palavras-alvo em exercícios apresentados como «jogos com palavras». As crianças não foram informadas de que os exercícios tinham como objectivo melhorar o seu desempenho ortográfico.

Tabela 2. Exercícios das sessões da prática implícita

Principais resultados

  • Prática explícita comparada a nenhuma prática adicional
A prática explícita melhorou significativamente a ortografia das palavras-alvo e de transferência, com melhorias maiores ao longo do tempo. No entanto, para palavras de generalização, observou-se melhoria ao longo do tempo em ambos os grupos, indicando que outros factores além do tipo de prática também podem contribuir para melhorias ortográficas gerais.
  • Prática implícita comparada a nenhuma prática adicional
A prática implícita levou a melhorias significativamente maiores nas palavras-alvo e de transferência ao longo do tempo, em comparação com nenhuma prática adicional, mas não se observaram efeitos significativos para as palavras de generalização.
  • Prática explícita comparada à prática implícita
Embora se tenham observado melhorias ao longo do tempo, não se verificaram diferenças significativas entre as práticas explícitas e implícitas.


Célia Oliveira
Marta Pereira

quarta-feira, 26 de março de 2025

Novo calendário das matrículas publicado: a 22 de abril começam para o pré-escolar e 1.º ano

Está publicado o calendário das matrículas para o ensino público e privado. O despacho com as datas saiu esta semana em Diário da República e estabelece que os períodos normais de matrícula e sua renovação são estes:
  • Entre 22 de Abril e 31 de Maio, para a educação pré-escolar e para o 1.º ano do ensino básico;
  • Entre 16 de Junho e 27 de Junho, para os 6.º, 7.º, 8.º, 9.º e 11.º anos de escolaridade;
  • Entre 1 de Julho e 11 de Julho, para os 2.º, 3.º, 4.º e 5.º anos do ensino básico;
  • Entre 15 de Julho e 22 de Julho, para os 10.º e 12.º anos do ensino secundário.
O pedido de renovação de matrícula pelo encarregado de educação ou pelo aluno só deve existir "quando haja lugar a transferência de estabelecimento, transição de ciclo, alteração de encarregado de educação ou quando esteja dependente de opção curricular". Todas as restantes renovações acontecem automaticamente. (...)

Fonte: Público por indicação de Livresco

Alteração ao regime de mobilidade de docentes por motivo de doença

O Decreto-Lei n.º 43/2025, de 26 de março, procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 41/2022, de 17 de junho, que estabelece o regime de mobilidade de docentes por motivo de doença.

terça-feira, 25 de março de 2025

O ensino inclusivo não pode ser um dogma

Crianças e adolescentes, com incapacidade intelectual, com alterações graves do comportamento, não verbais e sem autonomia de alimentação ou de higiene, necessitados de cuidados constantes de suporte, com necessidade de vigilância e apoio médico regular e de equipas multidisciplinares de apoio não têm condições, nem vantagem, nem segurança, nem futuro no ensino inclusivo. No caso das perturbações do espectro do autismo, mesmo as crianças e adolescentes com mais autonomia e melhores competências cognitivas dificilmente terão algum benefício com uma sociabilização forçada. A inaptidão nas relações sociais, a dificuldade de se adaptarem a situações novas e a singularidade de alguns dos seus comportamentos tornam-nos facilmente alvos de chacota e de incompreensão por parte de colegas e, mesmo, de professores menos informados sobre a origem deste tipo de comportamentos.

O Decreto-Lei 3/2008 propôs a “escola inclusiva” como o único recurso para as crianças com necessidades educativas permanentes. O objetivo a que se propunha era “o sucesso educativo, a autonomia, a estabilidade emocional, bem como a promoção da igualdade de oportunidades”. Qualquer criança, independentemente do tipo de perturbação, deveria ser aceite em qualquer escola, mesmo que esta não dispusesse de condições adequadas para a acolher. Os objetivos deste decreto-lei e os meios através dos quais se propunha atingi-los eram manifestamente desajustados da realidade. As unidades de ensino estruturado aí previstas tornaram-se, na maioria dos casos, locais segregados dentro do espaço das escolas.

(...)

No caso dos alunos com autismo, a intervenção adequada às suas necessidades particulares e que atenda às suas singularidades é, por norma, muito diferente da que é adaptada a pessoas com outras perturbações do desenvolvimento. As equipas docentes e de assistentes operacionais nem sempre têm treino ou formação específica que os ajude a lidar de forma correta com pessoas com autismo, nem as instalações são, a maioria das vezes, as mais adaptadas. As alterações de comportamento, frequentes em pessoas com autismo, são um exemplo de situações com as quais os técnicos não treinados estão pouco habilitados para lidar. A não serem devidamente geridas, podem pôr em risco a pessoa que as exterioriza, os outros alunos, os docentes e os equipamentos. Em muitos casos, aquando da ocorrência de alterações do comportamento, com agitação motora, autoagressão ou agressão a terceiros, mesmo que não seja intencionalmente determinada, os pais ou tutores são contactados pelas escolas e é-lhes pedido que levem o filho com eles, “até se acalmar e estar em condição de poder voltar”. Em muitos casos são mesmo instruídos processos disciplinares. Mais uma vez, a sobrecarga cairá sobre os pais que, sem outros apoios, são tornados responsáveis pela contenção e acompanhamento do filho em crise.

O ensino inclusivo, sendo o desejável, não é necessariamente o melhor em todos os casos e nem sempre é possível; o ensino especial não é sempre, mas, às vezes, é a melhor solução. Aos pais cabe o direito de escolher a educação a dar aos filhos. Aos pais cabe o direito de proteger a família como um todo.

Carlos Nunes Filipe

Fonte: Excerto de artigo do Público por indicação de Livresco

segunda-feira, 24 de março de 2025

Concurso de educadores de infância e de professores dos ensinos básico e secundário para o ano escolar de 2025/2026

Pela publicação do Aviso n.º 7654-A/2025/2, de 21 de março, procede-se à abertura do concurso de educadores de infância e de professores dos ensinos básico e secundário para o ano escolar de 2025/2026, nos termos do previsto e regulado pelo Decreto-Lei n.º 32-A/2023, de 8 de maio, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 15/2025, de 17 de março.

Mais uma vez se refere que a habilitação profissional para a Educação Especial é conferida por uma qualificação profissional para a docência acrescida de uma formação especializada acreditada pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua nas áreas e domínios constantes na Portaria n.º 212/2009, de 23 de fevereiro, ou de um dos cursos identificados na mesma portaria.

O tempo de serviço dos candidatos à Educação Especial é contado nos termos do n.º 4 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 32-A/2023, de 8 de maio, na sua redação atual.

São excluídos dos concursos os candidatos que não apresentem a documentação que comprove os elementos constantes da candidatura, nomeadamente, o curso de formação especializada em Educação Especial devidamente acreditado pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua, nos termos da Portaria n.º 212/2009, de 23 de fevereiro.

Continuam a figurar os grupos de recrutamento:
- 910: Educação Especial 1 - apoio a crianças e jovens com graves problemas cognitivos, com graves problemas motores, com graves perturbações da personalidade ou da conduta, com multideficiência e para o apoio em intervenção precoce na infância.
- 920: Educação Especial 2 - apoio a crianças e jovens com surdez moderada, severa ou profunda, com graves problemas de comunicação, linguagem ou fala.
- 930: Educação Especial 3 - apoio educativo a crianças e jovens com cegueira ou baixa visão.

domingo, 23 de março de 2025

O trabalho pode ser um sufoco para quem tem PHDA: “Não sabia que isto tinha um nome”

Quando Carolina recebeu o diagnóstico, saiu do consultório e começou a chorar no meio da rua. Finalmente, tudo fazia sentido. “Foi um peso levantado do meu corpo inteiro, da minha cabeça. Foi um alívio muito grande”, conta ao P3. Era sobretudo no trabalho que sentia mais esta diferença na sua forma de pensar: interrompia as conversas, a sua cabeça era um turbilhão de pensamentos, sentia muita impulsividade, dificuldades em concentrar-se e em gerir o seu tempo. Trabalhava numa empresa de apoio ao cliente e atendia entre 40 a 70 chamadas por dia. Mas sentia-se pouco valorizada e ouvida no trabalho — e, pior, também sentia que se tinha de forçar a “ser igual aos outros”.

Até que um dia, numa saída à noite, uma amiga lhe falou da Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA, também conhecida pela sigla ADHD, em inglês). Ouviu-a com atenção e tudo batia certo com o que sentia. Em Maio do ano passado, depois de exames de diagnóstico, chegou o resultado positivo. Carolina Mota, agora com 27 anos, sentiu-se aliviada. “Não sabia que isto tinha um nome, pensava que era só a minha maneira de ser, a minha personalidade.”

Depois, decidiu contar à empresa em que trabalhava do seu diagnóstico. “Eles foram abertos e até deram os parabéns porque há muita gente que não vai à procura de diagnóstico, mas depois não senti que houvesse acções por trás dessas palavras”, diz. “Não senti o apoio. É muito difícil trabalhar com uma empresa que não dá o apoio que as pessoas com PHDA precisam.” Na empresa onde trabalha agora já se sente “muito mais à vontade”. Comunicou à sua nova chefe que precisa de estímulos e que lhe é difícil fazer tarefas muito repetitivas; passaram então a definir objectivos diferentes todos os meses — e tem resultado. (...)

Fonte: Continua em Público

quinta-feira, 20 de março de 2025

Ministro da Educação admite que não conseguiu resolver problemas [na educação] especial

O ministro da Educação admite que não conseguiu apresentar um plano para resolver os problemas [na educação] especial.

Esta quarta-feira, (...) o movimento Missão Escola Pública (MEP) alerta para a situação preocupante [na educação] especial. Face ao atual cenário, o movimento divulga uma minuta de escusa de responsabilidade para os professores e vai lançar um inquérito.

Em reação à notícia (...), Fernando Alexandre realça que a área [na educação] especial é a que tem mais desafios. O governante avança que o Executivo está já a trabalhar num plano para apresentar numa próxima legislatura uma reforma na área [na educação] especial.

Quanto à auditoria externa sobre o número de alunos sem professor, o ministro da Educação espera ter os dados até às eleições, mas não se compromete. Fernando Alexandre garante que, no máximo, são conhecidos logo depois das eleições de maio.

"A empresa vai fazer essa auditoria. Garanto que, se continuarmos cá, vamos ter números rigorosos como nunca tivemos no Ministério da Educação", afirma.

O ministro da Educação garante, ainda, que vai assegurar que todas as escolas têm computadores suficientes para a realização das provas digitais. Fernando Alexandre recusa assim responsabilidades por qualquer problema que possa existir na distribuição dos recursos.

"Temos cerca de 15 milhões de euros para equipamentos nas escolas para este e o próximo ano letivo. Vamos distribuir, nos próximos dias, quatro milhões de euros. E vamos fazer o levantamento de todas as necessidades", aponta.

Fonte: RR por indicação de Livresco

quarta-feira, 19 de março de 2025

Alteração dos regimes de gestão e recrutamento do pessoal docente, de recuperação do tempo de serviço e o do concurso externo extraordinário de seleção e de recrutamento

O Decreto-Lei n.º 15/2025, de 17 de março, altera os regimes de gestão e recrutamento do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e de técnicos especializados para formação, de recuperação do tempo de serviço dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário e o do concurso externo extraordinário de seleção e de recrutamento do pessoal docente e que cria o apoio extraordinário e temporário à deslocação para docentes, alterando os Decretos-Leis n.os 32-A/2023, de 8 de maio, 48-B/2024, de 25 de julho, e 57-A/2024, de 13 de setembro.

sábado, 15 de março de 2025

As crianças em idade pré-escolar conseguem raciocinar melhor do que pensamos, sugere um estudo

Como é que as crianças pequenas classificam os objetos?

Para o descobrir, Sarah Dufour, professora assistente no departamento de didática da Faculdade de Educação da Universidade de Montreal, realizou um estudo em que as crianças receberam mercearias de brincar e lhes foi pedido que organizassem os alimentos nas prateleiras.

Dufour observou como as crianças, com idades entre os três e os cinco anos, desenvolviam as suas estratégias e analisava as operações matemáticas que utilizavam para categorizar objetos do quotidiano.

Para estudar os processos subjacentes à categorização, Dufour observou as crianças em duas sessões de 30 minutos e anotou a forma como ordenavam, classificavam e agrupavam os objetos.

Categorização em teoria

“Categorizar significa organizar objetos de acordo com um ou mais critérios”, explicou Dufour. “De acordo com a literatura científica, os objetos podem ser categorizados ordenando-os, classificando-os ou agrupando-os. Queríamos ver como as crianças aplicam estes processos na prática.”

Ordenar significa dispor os objetos por ordem; por exemplo, alinhar os lápis do mais claro para o mais escuro. Classificar significa separar objetos com base num critério predefinido, como colocar os lápis em caixas por cor. Agrupar significa formar conjuntos com base numa caraterística comum definida pelas próprias crianças.

“Por exemplo, uma criança pode reparar que três lápis da sua coleção são azuis e juntá-los, mesmo que sejam de diferentes tonalidades de azul, justificando a sua escolha pela cor semelhante”, disse Dufour.

A categorização na prática

Para captar o raciocínio das crianças em ação, Dufour utilizou uma abordagem qualitativa e interpretativa. “O meu objetivo era observar a forma como estes processos emergem e se ligam espontaneamente, sem dar instruções rigorosas”, disse.

“É por isso que utilizei brinquedos em vez de, digamos, formas geométricas abstratas. Sabemos que as crianças conseguem manipular figuras básicas como círculos, quadrados e triângulos desde muito cedo, mas eu queria ir mais longe e explorar o seu pensamento para compreender como constroem as suas categorizações.”

Utilizou brinquedos temáticos de mercearia que podiam ser categorizados de várias formas - pequenas caixas, frutas, legumes e assim por diante.

A investigação demonstrou que as crianças são capazes de raciocínios complexos, chegando mesmo a criar subgrupos dentro das suas categorias.

“Este princípio de inclusão na classe reflete um pensamento avançado”, afirma Dufour. “Mas, embora os alunos do ensino primário sejam capazes de classificar objetos, têm muitas vezes dificuldade em explicar a sua abordagem e em descrever os critérios que utilizaram”.

No seu estudo, Dufour procurou mostrar que o raciocínio das crianças pode ser acedido se lhes for dado o apoio adequado.

Para além do binário

O estudo mostrou que as crianças pequenas podem ir além da simples classificação binária, que divide os objetos em duas categorias: os que têm um atributo e os que não têm.

“Muitas vezes pensamos que as crianças começam a categorizar opondo dois grupos: um lápis de cera vermelho vai para uma categoria e todos os outros para a outra”, disse Dufour.

“Mas o nosso estudo mostra que elas são capazes de desenvolver categorizações mais complexas e criar vários grupos com base em vários critérios”.

Estas descobertas abrem novas possibilidades pedagógicas e sugerem que, com o apoio adequado, as crianças podem desenvolver um raciocínio matemático sofisticado desde tenra idade, acrescentou.

Por Virginie Soffer, University of Quebec at Montreal

Fonte: Phys.org por indicação de Livresco

sexta-feira, 14 de março de 2025

Falta de recursos não permite verdadeira inclusão de alunos com necessidades específicas no ensino

O conceito de educação inclusiva é visto como um grande avanço a nível nacional. No entanto, não só no Algarve, mas também por todo o país, a teoria não está a ser aplicada da melhor forma, resultando em respostas insuficientes perante alunos com necessidades educativas específicas

A educação inclusiva tem por base o Decreto-Lei n.º 54/2018 que serve como impulsionador e como suporte à implementação de mudanças no sistema de ensino.
“O Programa do XXI Governo Constitucional estabelece como uma das prioridades da ação governativa a aposta numa escola inclusiva onde todos e cada um dos alunos, independentemente da sua situação pessoal e social, encontram respostas que lhes possibilitam a aquisição de um nível de educação e formação facilitadoras da sua plena inclusão social. Esta prioridade política vem concretizar o direito de cada aluno a uma educação inclusiva que responda às suas potencialidades, expectativas e necessidades…”, pode ler-se no referido Decreto.
Ana Simões, coordenadora do Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS) no Algarve, afirma que há muitos anos que são denunciadas situações em que a educação inclusiva falha na prática e que quando foi publicado o Decreto-lei n.º 54/2018, a Federação Nacional dos Professores (FENPROF) alertou que, apesar de não existirem dúvidas que a educação inclusiva é o “caminho certo" para o respeito dos direitos humanos de qualquer cidadão, implementá-la “seria impossível, ou pelo menos muito difícil, apenas com os recursos atuais existentes nas escolas”.
O conceito de educação inclusiva, explica a própria, exige recursos humanos, materiais e físicos que ao longo dos anos, desde que entrou em vigor o referido Decreto-Lei, “não têm sido colocados nas escolas”.
O Decreto-Lei n.º 54 é um “avanço muito grande” em Portugal. O problema é que “na prática não acontece e verifica-se falhas nas escolas por todo o país”. Para Ana Simões existe “desrespeito” pelos estudantes com necessidades educativas específicas e pelas respetivas famílias.
“Tenho de ter esperança no meu filho”Daniel Rijo reside em Faro e é pai de uma criança de seis anos que sofre de Perturbação do Espectro do Autismo e tem 70% de incapacidade. A criança iniciou o ano letivo em 2024, o 1.º ano de escolaridade, e desde os primeiros dias de aulas demonstrou incapacidade em prestar atenção e permanecer dentro da sala de aula. Embora no ensino pré-escolar “as coisas tenham sido cinco estrelas”, devido à presença de três pessoas dentro da sala, professora, auxiliar e animadora, o mesmo não acontece atualmente, em que a professora não tem capacidade para dar atenção a todos os seus alunos.
“Foi a própria professora que, ao ver a evolução do meu filho, aconselhou que ele entrasse no ano seguinte para o 1.º ano, com o objetivo de o estimular e fazer com que aprendesse mais”, conta Daniel, acrescentando que mesmo alertando a escola sobre a transição, a mesma não estava preparada para receber a criança que “grita, tira a roupa, trepa os armários, chora, coloca tudo quanto é objeto dentro da boca e muitas vezes sai a correr da sala de aula, colocando-se em perigo”.
O aluno chega à escola todos os dias por volta das 9h, depois de terminar o período de maior confusão em que chegam todos os outros alunos (...)

Fonte: Jornal do Algarve por indicação de Livresco

quinta-feira, 13 de março de 2025

Alertas mostram que algo vai mal na educação inclusiva

“Não é suportável.” Foi a expressão usada há dias por um dos professores do Agrupamento de Escolas do Monte de Caparica, em Almada, que assinaram um documento onde dizem não ter condições para o complexo trabalho de acompanhar alunos com “necessidades específicas” — no caso, alunos com perturbações do espectro do autismo.

Rui Foles é o nome do professor que falou ao PÚBLICO. "Não é suportável ter colegas que tomam medicamentos para dormir, que choram quando vêm para a escola, ver alunos constantemente marcados com nódoas negras, arranhões, dentadas... não conseguimos suportar mais."

Doze dos 14 docentes do Monte de Caparica (os que não assinaram o documento estão de baixa) pedem “escusa de responsabilidade”. Acham que está em causa a segurança deles e a das crianças. Sentem-se incapazes de fazer um bom trabalho com alunos que precisam particularmente de acompanhamento próximo.

Há quem defenda, como disse numa outra peça do PÚBLICO  o director escolar Filinto Lima, que a educação das crianças com "necessidades específicas" se tornou uma espécie de “parente pobre” da educação. (...)

Há em Portugal mais de 88 mil crianças e jovens (estamos a falar de quase 8% dos alunos) com "necessidades específicas". Falamos de “necessidades específicas” porque com o regime da educação inclusiva aprovado em 2018 a velha expressão “alunos com necessidades especiais de educação” foi banida, por se considerar que categorizar alunos é prejudicial.

O novo diploma prefere falar de “medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão” e de “recursos específicos a mobilizar para responder às necessidades educativas de todas e de cada uma das crianças”.

Resumindo, os alunos não são categorizados, ou rotulados, de acordo com suas características pessoais, mas de acordo com o tipo de medidas de apoio educacional de que precisam. Há, diz a lei, medidas universais, medidas selectivas e, em casos mais complexos, adicionais. O tema é alvo de debate em vários países. Há quem defenda que não categorizar os alunos dificulta a intervenção, há quem entenda o contrário. Mas o caminho traçado por Portugal tem merecido o reconhecimento de instituições como a OCDE.

Alunos com deficiências, mas também problemas do espectro do autismo, de dislexia, de hiperactividade, só para dar exemplos, podem precisar de medidas adicionais, como apoio psicopedagógico reforçado ou adaptações curriculares. E tudo isso está previsto.

O que várias entidades nos têm dito nos últimos meses é que algo não está bem. No início do ano, um relatório da Inspecção-Geral da Educação mostrava que em 2691 turmas analisadas, todas com alunos com necessidades específicas, quase metade (1228)não cumpria a dimensão prevista na lei. Ou seja, tinham mais estudantes do que o suposto.

Os inspectores eram claros: o que encontraram (turmas excessivas, falta de recursos e de apoios) punha em causa o direito “a uma educação inclusiva”.

O Movimento por Uma Inclusão Efectiva, que representa um grupo de pais de crianças e jovens com deficiência, neurodivergência e surdez, entregou no Parlamento, no final de Novembro, uma petição com milhares de assinaturas. Afirmam que as leis que enquadram os apoios não estão a ser cumpridas e denunciam uma “forte pressão para as crianças se adaptarem ao currículo escolar, contrariamente ao legislado, em que a escola deve adoptar e adaptar medidas que permitam que a criança tenha a mesma oportunidade de acesso ao currículo”.

Em Janeiro, a Federação Nacional dos Professores revelou os resultados de um inquérito que fez em 132agrupamentos: 80% consideraram não ter os recursos necessários para garantir uma educação verdadeiramente inclusiva.

“A realidade tende a sobrepor-se ao que é descrito na legislação, criando um cenário de exclusão disfarçada”, lia-se num artigo de opinião no PÚBLICO há dias, assinado pela educadora Rita Simas Bonança e pela advogada Beatriz Rodrigues. Que deu origem a uma réplica de David Rodrigues, membro do Conselho Nacional de Educação: “Pensar que a categorização levaria a um melhor apoio educacional é um retrocesso e uma triste revisitação do modelo clínico que entendia que a educação precisa de receitas e de tratamentos.”

Independentemente da visão que temos sobre o que deve ser e o que deve mudar no apoio a estes alunos, é importante ter noção deque há demasiadas chamadas de atenção para as falhas que estas crianças, especialmente vulneráveis a situações de recursos escassos, enfrentam. Seja qual for o paradigma há algo que parece evidente: quem trabalha com elas diz que os recursos não chegam e estão a comprometer a sua educação. Matéria para o próximo Governo.

Andreia Sanches

Fonte: Newsletter Público

terça-feira, 11 de março de 2025

Distribuição e devolução dos manuais escolares

Nos termos do artigo 170.º do Decreto-Lei n.º 13-A/2025, de 10 de março, que estabelece as normas de execução do Orçamento do Estado para 2025, determina-se que:

No ano letivo de 2024-2025, os alunos do 1.º ciclo do ensino básico ficam isentos de devolver os manuais escolares no final do presente ano letivo.

No início do ano letivo de 2025-2026 são distribuídos gratuitamente manuais escolares novos a todos os alunos do 1.º ciclo do ensino básico da rede pública do Ministério da Educação, Ciência e Inovação.

segunda-feira, 10 de março de 2025

Um em quatro alunos até ao secundário tem menos de 20 livros em casa

Cerca de um em cada quatro alunos portugueses dos ensinos básico e secundário tem menos de 20 livros em casa, de acordo com um estudo do Observatório Português das Atividades Culturais para o Plano Nacional de Leitura.

O estudo “Práticas de leitura dos alunos dos ensinos básico e secundário — Barómetro’23” incidiu sobre uma amostra de mais de 31 mil alunos e foi feito em parceria com a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência e a Rede de Bibliotecas Escolares, contando com a Associação de Restaurantes McDonald’s como mecenas.

Embora a média de livros em casa se situe entre os 112 e os 129, variando consoante o nível de ensino, e apesar de haver cerca de 6% de alunos em cada ciclo que têm mais de 500, há mais de 20% em todos os ciclos com menos de 20 livros.

“Em termos gerais, isto significa que um em cada quatro alunos tem menos de 20 livros em casa, constatação que deverá ser objeto de consideração por parte das políticas públicas“, pode ler-se no estudo coordenado por João Trocado da Mata e José Soares Neves.

Nos quatro ciclos de ensino analisados, a maior fatia de inquiridos encaixa-se dentro de quem tem entre 20 e 100 livros em casa (quase metade no 1.º ciclo, 38,2% no secundário), com perto de um terço a responder que tem mais de 100 livros em casa, havendo uma variação entre os 28,8% no 1.º ciclo e os 34% no secundário.

Os autores do estudo sublinham que o número de livros em casa do aluno tende a subir “à medida que cresce a dimensão da biblioteca familiar, sobe o nível de escolaridade dos pais e se intensifica a relação da família com a leitura”.

“Os resultados evidenciam que a escolaridade dos pais está mais fortemente associada ao número de livros do aluno do que a relação da família com a leitura, reforçando a importância do capital escolar (e sua ligação ao capital económico) nos processos de decisão das famílias sobre a aquisição de livros”, acrescentam os autores.

A percentagem de alunos que diz possuir os seus próprios livros em casa ultrapassa os 90% em todos os escalões de ensino, com uma diminuição gradual à medida que o nível sobe, ou seja, no 1.º ciclo 97% dos alunos dizem ter livros em casa, praticamente a mesma do 2.º ciclo, descendo para 93,5% no 3.º ciclo e para 90,3% no secundário.

Também o gosto pela leitura cai à medida que avança o ensino: de acordo com o estudo, os alunos portugueses passam de 73,3% que dizem gostar de ler no 1.º ciclo para 35,4% no secundário.

“O gosto pela leitura encontra-se associado ao número de livros em casa, à relação da família com a leitura e à escolaridade dos pais. Quanto maior é o capital possuído, maior é o gosto pela leitura”, escrevem os autores do estudo.

Por género, são as raparigas quem tem mais livros em casa, em todos os níveis de ensino.

“Importa destacar que os valores mais baixos registados em cada ciclo de ensino correspondem aos alunos mais velhos, aqueles que se encontram fora da idade esperada de frequência, o que parece indiciar a presença de uma associação entre o insucesso escolar e a relação com a leitura. Os percursos escolares marcados pela repetência apresentam uma relação mais distante com a posse de livros e as práticas de leitura”, pode ler-se no estudo.

O objetivo do estudo era proceder “à construção de um sistema de recolha regular de informação sobre a evolução das práticas de leitura dos alunos do ensino não superior, respondendo a uma necessidade há muito diagnosticada pelas principais entidades com responsabilidades na promoção da leitura em Portugal”.

Fonte: Observador por indicação de Livresco

sábado, 8 de março de 2025

Quando se pode usar pormenores irrelevantes na aprendizagem?

Devem os professores usar elementos irrelevantes, mas que podem tornar os materiais a aprender mais interessantes? Muitos estudos indicam que estes «pormenores sedutores» tendem a ter efeitos negativos na aprendizagem, sobretudo em alunos com pior desempenho académico. No entanto, talvez haja circunstâncias nas quais a sua inclusão poderá beneficiar a aprendizagem. Este estudo recente vem mostrar que, quando a motivação extrínseca é baixa, incluir detalhes acessórios que tornam as matérias mais interessantes pode não prejudicar a aprendizagem, ou até levar a melhor aprendizagem. Serão necessários mais estudos, especialmente em sala de aula, para clarificar estes efeitos; para já, deve usar-se usar pormenores acessórios com cuidado.

Muitas vezes os professores incluem pormenores relacionados, mas irrelevantes, em materiais de aprendizagem, tais como imagens ou factos curiosos, com a intenção de aumentar o interesse dos alunos e facilitar a aprendizagem. No entanto, o uso destes elementos acessórios está associado a pior aprendizagem, um efeito conhecido como «efeito dos pormenores sedutores» (Garner et al., 1989). Os cientistas têm explicado estes efeitos indesejados da presença de pormenores relacionados, mas irrelevantes e geralmente interessantes, por três processos possíveis: distração da informação a aprender; interferência com a informação a aprender, causando disrupção; e desvio, através da ativação de conhecimentos prévios irrelevantes para a informação a aprender, em vez da ativação de conhecimentos prévios relevantes.

Parece, porém, haver uma situação na qual a presença destes pormenores poderá não prejudicar a aprendizagem, segundo indica um estudo recente de Lukas Wesenberg, Sebastian Jansen, Felix Krieglstein, Sascha Schneider e Günter Daniel Rey, da Universidade de Tecnologia de Chemnitz (Alemanha) e da Universidade de Zurique. Neste estudo de 2025, publicado na revista científica Learning and Instruction, os investigadores testaram se, quando a motivação extrínseca é baixa (por exemplo, quando não há recompensas externas para os alunos ou quando um teste não conta para a nota final), a motivação gerada pela presença de elementos acessórios pode pesar mais na aprendizagem do que as desvantagens cognitivas que esses elementos criam, resultando numa melhor aprendizagem do que a que ocorreria na sua ausência.

Para avaliar como o tipo de motivação dos alunos poderia alterar os efeitos da presença de pormenores acessórios na aprendizagem, os investigadores fizeram duas experiências. Na primeira, os investigadores apresentaram duas unidades de aprendizagem — uma sobre o ciclo do carbono e outra sobre o ciclo do nitrogénio — a 120 estudantes universitários, manipulando as instruções dadas antes de cada unidade: na condição de alta motivação extrínseca, as instruções enfatizavam que a aprendizagem da unidade de aprendizagem era obrigatória e a compensação pela experiência dependia desta aprendizagem; na condição de baixa motivação extrínseca, as instruções indicavam que a aprendizagem era voluntária e não haveria compensação associada. Metade dos participantes estudou unidades de aprendizagem com pormenores acessórios — cinco imagens, cada uma acompanhada de um pequeno texto irrelevante. A outra metade estudou apenas informação relevante para as unidades de aprendizagem, sem a presença de pormenores acessórios. Após o estudo de cada unidade de aprendizagem, todos os participantes autoavaliaram a dificuldade da aprendizagem e o interesse pelo material estudado. Depois de terem estudado as duas unidades, e de modo a medir a aprendizagem, os participantes responderam a 17 perguntas de resposta curta para cada uma das unidades.

Os resultados da primeira experiência indicaram que os pormenores acessórios dificultaram a aprendizagem apenas quando os participantes tinham alta motivação extrínseca para aprender; quando essa motivação era baixa, a presença de detalhes acessórios parece ter facilitado a aprendizagem. Além disso, os participantes tiveram melhor desempenho no teste quando a motivação extrínseca era alta do que quando era baixa. O nível de motivação e a presença de pormenores acessórios não influenciou o grau de dificuldade com que os participantes avaliaram a aprendizagem, mas tanto a presença de elementos acessórios como a alta motivação extrínseca levaram a que os participantes julgassem os materiais como mais interessantes. A motivação extrínseca elevada levou também a que os participantes passassem mais tempo a estudar. Na condição de motivação extrínseca baixa, a presença de pormenores acessórios parece ter melhorado o desempenho no teste final, em comparação com a ausência de pormenores acessórios, em parte porque estes elementos aumentaram o interesse.

Para clarificar os resultados desta experiência, os investigadores fizeram outra experiência semelhante, alterando apenas o número de elementos acessórios, reduzidos de cinco para dois. Nesta experiência, a diferença principal foi que, na condição de baixa motivação extrínseca, a presença de elementos acessórios não teve efeito significativo (i. e., a sua presença não beneficiou a aprendizagem).

Em resumo, os resultados destas duas experiências indicam que a presença de pormenores acessórios nem sempre tem efeitos negativos na aprendizagem e que o tipo de motivação que os alunos têm antes de aprender pode alterar os efeitos da sua presença, podendo até torná-los positivos. Assim, incluir imagens e factos irrelevantes em materiais a aprender pode não ser má prática em si, e a motivação prévia dos alunos pode fazer com que as desvantagens cognitivas geradas pela inclusão de pormenores acessórios se transformem em vantagens motivacionais para a aprendizagem.

No entanto, são necessárias mais experiências em sala de aula, para melhor compreendermos as interações entre motivação e elementos acessórios, sobretudo tendo em conta os diferentes tipos e níveis de motivação na mesma sala de aula — o que pode ser bom para alguns alunos pode ser prejudicial para outros. Apesar de estes resultados parecerem sugerir que os elementos acessórios podem ter alguns efeitos positivos na aprendizagem, é importante não esquecermos os efeitos negativos, especialmente em alunos com pior desempenho académico (Bender et al., 2021).

Referências bibliográficas

Bender, L., Renkl, A., & Eitel, A. (2021). When and how seductive details harm learning. A study using cued retrospective reporting. Applied Cognitive Psychology, 1-12. http://doi.org/10.1002/acp.3822

Garner, R., Gillingham, M. G., & White, C. S. (1989). Effects of “seductive details” on macroprocessing and microprocessing in adults and children. Cognition and Instruction, 6(1), 41—57. https://doi.org/10.1207/s1532690xci0601_2

Wesenberg, L., Jansen, S., Krieglstein, F., Schneider, S., & Rey, G. D. (2025). The influence of seductive details in learning environments with low and high extrinsic motivation. Learning and Instruction, 96(102054). https://doi.org/10.1016/j.learninstruc.2024.102054

Ludmila Nunes

sexta-feira, 7 de março de 2025

Há "casos de crianças marcadas com unhas na carne até sangrar": docentes de Educação Especial no Monte da Caparica apresentam escusa de responsabilidade

Alegam falta de meios materiais e humanos para desenvolverem o trabalho com crianças do espectro do autismo. Em salas onde deviam estar seis crianças para dois professores e dois assistentes operacionais, estão onze. Em causa, pode estar a qualidade do trabalho, mas também a segurança de alunos e profissionais

Os professores de Educação Especial do Agrupamento de Escolas do Monte da Caparica, em Almada, apresentaram um pedido de escusa de responsabilidades à direção. Dizem não ser capaz de se responsabilizar pela qualidade do trabalho desenvolvido nas unidades de Estudo Estruturado, com crianças do espectro do autismo, mas também pela segurança de alunos, professores e assistentes operacionais.

“Após reunião extraordinária, depois de sucessivas situações de desgaste e de stress extremo face ao quadro de insuficiência de meios e recursos humanos com que têm trabalhado nos últimos tempos e por considerarem que os seus alunos merecem todas as condições consignadas na Lei, nomeadamente as de segurança, no seu quotidiano escolar, [os professores] elaboraram um documento de escusa de responsabilidade face ao quadro geral vivido por todo este grupo de trabalho na unidade deste agrupamento, que não tem fomentado uma verdadeira inclusão”, pode ler-se no documento, que foi entregue na quarta-feira à tarde à diretora Sandra Vicente.

11 alunos numa sala onde deviam estar seis

Rui Foles, professor de Educação Especial e um dos signatários do documento, especifica à CNN Portugal que, de acordo com a legislação, devem “ter um limite de seis crianças por sala, para duas assistentes operacionais e dois professores”, mas, de acordo com o pedido de escusa de responsabilidade, “na unidade do 1.º ciclo existem 11 alunos com problemática grave de autismo”. “Temos vindo a alertar, nos últimos cinco anos, que o número de alunos nessas salas excede o que diz a lei. Agora agrava-se porque temos falta de professores. São crianças que estão integradas em turmas regulares, mas passam maior parte do tempo nas unidades de ensino estruturado. Crianças com problemáticas graves, não verbais, com grandes dificuldades de regulação emocional e comportamental”, explica.

“Como são mais alunos é mais difícil regular comportamentos. São mais alunos por sala, são mais terapeutas a entrar e a sair das salas, mais assistentes operacionais a entrar e sair das salas, mais professores a entrar e a sair das salas. As crianças veem as suas rotinas alteradas e é mais difícil regular os comportamentos. Além disso, os professores que vêm dar apoio não são os mesmos e as crianças perder os rostos de referência, o que também dificulta essa regulação. Ao desregularem, podem agredir outros colegas, professores e assistentes operacionais”, acrescenta.

As situações de violência têm-se sucedido: “Há casos de crianças marcadas com unhas na carne até sangrar, nódoas negras, mordidas por parte de outros colegas. Uma professora já teve um dente partido. Uma assistente operacional ficou com os óculos partidos”.

“Estes alunos do espetro do autismo não deviam ser encarados como a grande problemática da escola, porque eles não têm culpa. Têm direito a aprender e têm direito a uma educação verdadeiramente inclusiva”, sublinha Rui Foles.

“O cobertor é curto”

Sandra Vicente, diretora do agrupamento, diz-se impotente para resolver a situação. “Tudo o que podia fazer já fiz. O cobertor é curto... quando puxamos para tapar a cabeça destapamos os pés e vice-versa. Já contactei a câmara municipal e o ministério está consciente desta situação”, assegura.

“As unidades têm uma determinada lotação e estão acima da lotação. Algo que não é da competência do agrupamento. Não dá para dividir salas com o mesmo número de professores. Não conseguimos criar mais salas. Estamos com uma taxa de ocupação de 100%. É uma situação grave e que nos preocupa imenso”, reconhece.

Os estabelecimentos do agrupamento são escolas de referência para crianças com o espectro do autismo e todos os anos recebem crianças “que vêm referenciadas por hospitais e instituições da zona”. “Além das crianças que vêm para o agrupamento sem diagnóstico e, uma vez cá, constatamos que também têm de ser referenciadas”, sublinha Sandra Vicente.

“Se as nossas crianças fossem todas funcionais, o problema se calhar nem se colocava. Mas temos crianças que não são funcionais de todo, que passam o dia a gritar, que se agridem a si mesmas e agridem os seus pares, os professores e as assistentes operacionais. A sobrelotação das salas torna-se um problema mais evidente nestes casos”, diz ainda a diretora.

Quatro baixas de longa duração em seis meses

A direção do agrupamento redistribuiu trabalho e atribuiu horas extraordinárias aos docentes. Três professores do grupo aceitaram essa atribuição. Mas os docentes alegam que isso não resolve o problema e só tende a agravá-lo, já que os profissionais desta unidade “estão à beira da exaustão”.

“Desde o início do ano letivo, já são quatro que meteram baixa de longa duração. Temos colegas com burnout e vamos às listas e não temos professores de Educação Especial para os substituir. Há professores a chorar por já não aguentarem estar na unidade. Com as baixas e ausências, temos dias em que temos um professor para 11 alunos”, diz Rui Foles.

A escusa de responsabilidades apresentada esta quarta-feira é assinado apenas por docentes, mas Rui Foles assegura que “os assistentes operacionais estão a fazer o próprio documento, porque também estão no limite”. “Há situações de assistentes operacionais que têm de mudar fraldas e, no caso de crianças que têm aulas em meio aquático, têm de vestir, despir, dar banho… E, se for preciso, os mesmos assistentes operacionais também têm de, ao fim do dia, limpar salas e fazer o resto do trabalho. Além disso, não têm qualquer formação para trabalhar com crianças do espectro do autismo e todos os dias têm de fazer o melhor que sabem com o que aprendem no terreno”, sublinha o docente.

Federação “totalmente solidária” com professores

A Federação Portuguesa do Autismo (FPA) recebeu a carta enviada pelos professores e mostra-se “totalmente solidária” com estes profissionais. “É uma situação grave, do conhecimento que temos. Os professores já nos fizeram chegar várias queixas do que têm passado. Mas não é uma situação única, porque se repete em todo o país. O rácio alunos/professor não é respeitado nesta escola, mas também não é em muitas outras. As associações tem feito referência a isso em seminários e reportado ao Governo”, garante Eduardo Pizarro, presidente da FPA.

“O decreto-lei 54/2018 veio trazer inovação no que respeita à educação inclusiva e à educação para todos. Veio abrir portas a muitas crianças, no sentido daquilo que defendemos que todos aprendem e todos têm direito à Educação. Cada indivíduo aprende de forma singular. Mas continuamos a ter várias queixas e vários pedidos de ajuda durante o ano inteiro. No ano passado tivemos várias queixas de discriminação, de incapacidade de incluir pais, docentes e até o próprio aluno naquilo que diz respeito ao próprio aluno”, diz o responsável.

Eduardo Pizarro lembra que o artigo tem sete anos e continua “por implementar verdadeiramente”. “Sem meios materiais e sem meios humanos, não é possível implementar um decreto que concordamos que não é o ideal, mas é o que temos. Chegando a 2025, a única coisa que sabemos são os relatos que as famílias nos trazem da falta de apoios necessários para as crianças poderem estar nas turmas regulares terem um verdadeiro direito à Educação”, sublinha.

A CNN Portugal contactou também o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), que garantiu que a diretora do agrupamento está "a acompanhar a situação e já reuniu com os docentes de modo a, conjuntamente, encontrar as soluções mais adequadas que possam reforçar as respostas a dar aos alunos". O Ministério assegura ainda que a escola "está em articulação com o município de Almada para que, pese embora o rácio estivesse a ser cumprido, possa substituir as assistentes operacionais ausentes por doença".