A escola está organizada para produzir o insucesso educativo. Esta foi a tese defendida por João Formosinho com um alargado conjunto de argumentos, numa conferência proferida em 1987, no âmbito da Comissão Reforma do Sistema Educativo criada pelo ministro João de Deus Pinheiro (1986) e que conviveu com o tempo da conhecida reforma de Roberto Carneiro (1987-1991).
Esta tese gerou polémica, tendo até gerado a mudança de título (de insucesso para sucesso). Mas a demonstração era irrefutável. As causas estruturais desta produção reportavam-se às três funções básicas da escola (instruir, socializar e estimular as jovens gerações) e tinham a ver, em síntese, com o “modelo curricular único e pronto a vestir”, a pedagogia da impessoalidade e da transmissão, o comando e o controlo centralizado, a funcionarização dos professores, o predomínio de uma instrução que ignorava a emoção e a socialização, a desterritorialização das escolas. Estes argumentos ganhavam consistência com as taxas altíssimas de abandono escolar (mais de 50%) e de retenção e desistência (na década de 80 e 90 do século XX com valores médios a rondar os 20%). A escola para todos não era, de facto, para todos e servia, sobretudo, as elites.
Passados 37 anos, devem ser sinalizadas três dimensões: i) estas causas estruturais persistem em larga medida; ii) as políticas e as práticas educativas adotadas pelas escolas e pela administração central e local contribuíram fortemente para uma redução expressiva destes indicadores, iii) há, contudo, a possibilidade (diríamos, a necessidade) de organizar, de facto, a escola para gerar um sucesso plural para todos.
Este horizonte tem sido sinalizado por vários autores em várias obras. Sinalizamos aqui três contributos: Nova Organização Pedagógica da Escola Pública. Caminhos de possibilidades, da autoria de João Formosinho, José Verdasca e José Matias Alves, em que se explicitam os modos alternativos de organização das aprendizagens; a Promoção do sucesso educativo – estratégias de inclusão, inovação e melhoria, numa edição da Católica Editora, e um Ensaio de resgaste do labirinto escolar inserido nesta mesma publicação.
Estas (e outras publicações) têm tornado claros os caminhos para a necessária metamorfose e ilustrado os modos concretos de o fazer. Ainda recentemente, através do Despacho n.º 9128/2024 de 12 de agosto, o próprio Ministério da Educação reconhece a excessiva rigidez e uniformidade do sistema e procura instituir no ensino secundário uma segunda edição dos Projetos Piloto de Inovação Pedagógica. Saúdo a lucidez da visão, particularmente manifesta na criação de uma área curricular designada "Projeto Pessoal" e no incremento de muito maior flexibilidade e liberdade de aprender, já não podendo dizer o mesmo em relação à criação de uma nova disciplina de “Literacias”, perfeitamente dispensável porque incorporável no corpo curricular existente.
A possibilidade da regeneração de outras práticas de escolarização passa por trabalhar simultaneamente as seguintes variáveis da organização escolar:
i) um currículo mais aberto e flexível que possa responder à diversidade das pessoas (dos alunos) que frequentam hoje as nossas escolas. Os órgãos próprios das escolas (conselho geral, diretor, conselho pedagógico) devem ter a liberdade e o poder de organizar o currículo adotando o menu da oferta às necessidades dos alunos e dos contextos;
ii) um modo diverso de agrupar os alunos, não segundo a grade [a prisão] do ano de escolaridade e da turma, mas seguindo os níveis de proficiência dos estudantes;
iii) um modo diferente de alocar os professores aos alunos, criando condições efetivas para a organização e funcionando de equipas educativas, havendo muita literatura de base empírica que comprova a eficácia deste outro modo de docência.
iv) valorização de uma prática avaliativa mais focada na promoção das aprendizagens dos alunos do que na classificação e na seleção;
v) uma liderança de topo e intermédia que existe para servir os professores, apoiando, reconhecendo, valorizando práticas letivas amigas da exigência, da implicação, da personalização, das aprendizagens;
vi) uma gestão de tempos e de espaços que escapem às lógicas da “cadeia de montagem” e da segmentação que fazem das escolas mundos partidos, de isolamento e solidão;
vii) um recurso inteligente à “Inteligência Artificial”, usada para ensinar os alunos a fazer perguntas, a verificar a validade das respostas, a gerar feedback sobre as suas próprias aprendizagens;
É certo que há outras varáveis que têm de ser convocadas. As escolas e os professores serão certamente capazes de as imaginar, criar e monitorizar. Certamente incentivadas e apoiadas por uma administração central e local que saberá estar ao seu serviço.
José Matias Alves
Fonte: Público com acesso livre
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