domingo, 2 de julho de 2023

"O mundo ainda está a aprender a lidar com o que será o futuro da educação"

Durante a South Summit, o diretor na School of Science and Technology da IE University, em Madrid, explicou (...) os efeitos da inteligência artificial e o futuro da educação na era digital. E diz porque a "aprendizagem líquida" é um bom caminho.

Tendo em conta a digitalização no ensino, na sua perspetiva como será o futuro da educação?
A primeira coisa que me vem à mente é que com toda esta nova inteligência artificial (IA), incluindo o ChatGPT e outros, há que pensar em todo o caminho que já fizemos até aqui. Se regressarmos atrás seis meses, quando estas novas tecnologias começaram a emergir, todos disseram que seria um pesadelo, um problema, e que destruiria o pensamento crítico. No entanto, hoje em dia muitos professores já estão a começar a perceber que não há qualquer impedimento em os estudantes utilizarem estas ferramentas, apenas têm de aprender a usá-las da melhor forma e a referenciá-las nos seus trabalhos.

A questão mais importante é: para que testamos os alunos? Testamos as pessoas sobre matérias muito específicas ou testamos as pessoas sobre a sua capacidade de fazer algo? No mundo real, as pessoas maioritariamente só se preocupam com o que sabemos fazer. Na escola, por vezes, o pensamento já é mais limitado e não há tanta preocupação com o desempenho geral... apenas querem saber se consegues resolver um problema muito específico ou não. Por exemplo, podemos pedir aos alunos para escrever uma simples palavra corretamente. Mas, se os computadores já o fazem por nós, isso pode não ser o que nos está a impedir de evoluir. Tudo se resume ao que queremos realmente ensinar aos alunos. E a verdadeira questão é: conseguirá cada pessoa alcançar algo, mesmo com todas estas ferramentas e softwares?

Não há forma de trabalhar contra estas tecnologias. Portanto, há que ser progressivos e apoiar o uso de IA na educação. Se um aluno conseguir responder a um teste com o ChatGPT, então provavelmente o problema seria o teste em si. É importante mudar a forma de ensinar, de maneira a que seja irrelevante se um estudante usa esta ferramenta ou não. Acredito que o mundo ainda está a aprender a lidar com o que será o futuro da educação.

Acredita que no futuro existe a possibilidade de a inteligência artificial substituir os professores?
Definitivamente não. Os professores têm muitos recursos que podem fornecer aos alunos. Por exemplo, o uso de calculadoras em exames de Matemática não impede que os alunos sejam testados. Se o aluno não perceber o problema, não o vai conseguir resolver mesmo que tenha uma calculadora. O mesmo acontece com a inteligência artificial.

Considera que deveria haver algum tipo de limite para o uso de inteligência artificial?
Acredito que devem haver limites. Não sei bem ainda que tipo de limites são, mas a partir de certa idade deverão tornar-se mais ligeiros. Um aluno da escola primária ainda tem de memorizar a Matemática sem calculadora, para depois a conseguir desenvolver no futuro. Há certas coisas que temos de aprender a fazer que são fundamentais, mas depois a capacidade de saber utilizar outras ferramentas é igualmente importante às competências que temos.

Basta pensar na Revolução Industrial sempre que surge alguma mudança no que a tecnologia pode fazer. E o melhor a fazer é não trabalhar contra isso. Saber trabalhar com as ferramentas que serão o futuro é muito importante. Não podemos apenas fingir que não existem.

Como é que as escolas podem lidar com estes avanços tecnológicos?
Eu penso que quando olhamos para qualquer situação é necessário questionar: qual é o problema a resolver? No que queremos colocar o nosso esforço e tempo? No geral, há muito mais valor em saber o que tem de ser resolvido do que ser capaz de resolver um problema pequeno. Se soubermos ao certo com o que estamos a lidar, podemos usar estas novas ferramentas tecnológicas para nos ajudarem a encontrar uma solução.

Quando as calculadoras foram apresentadas, saber o que multiplicar passou a ser mais importante do que ser capaz de fazer contas. E isso acontece agora numa escala muito maior. As escolas têm de olhar para o problema geral em si, mas isso leva tempo. Este problema abrange todas as disciplinas e é importante chegarmos lá coletivamente, para conseguirmos um progresso global.

Quanto ao metaverso, como é que este mundo virtual pode mudar a forma de ensinar?
Temos de pensar o metaverso tal como a evolução da internet. Isto é, por exemplo, poder juntar pessoas que estão a trabalhar para o mesmo propósito em locais diferentes e num ambiente imersivo.

Uma coisa que é também positiva neste tipo de simulação é tornar certas experiências mais seguras e menos dispendiosas. Para aprender a reparar um motor de avião é preciso ter um motor de avião. E isso não é barato nem vai estar disponível para todos os alunos. Além disso, se houver um erro e algo explodir, é um desastre. No entanto, se 80% do que for preciso aprender for feito numa versão virtual, apenas há que passar no teste, como um verdadeiro motor de avião. Nesse sentido, esse mundo virtual é não só mais culturalmente acessível, como é também mais acessível do ponto de vista financeiro. É possível construir num mundo virtual o que não temos recursos para construir na vida real. Basta pensar em todas as coisas que não conseguimos fazer com os estudantes. Como é estar dentro de um vaivém espacial? Esse é o tipo de resposta que podemos fornecer através do metaverso.

Acredita que há cada vez mais uma tendência para que a educação seja feita online?
Na IE University utilizamos um tipo de ensino que é o liquid learning [aprendizagem líquida] e é provavelmente o melhor balanço.

Acabámos de passar uma pandemia, todos estavam online e ninguém gostou. As pessoas precisam de socializar, mas nem todo o tempo tem de ser passado presencialmente. Estar constantemente online ou em pessoa não é a resposta. Cada um precisa do seu tempo para juntar as ideias. Toda a flexibilidade do ensino misto permite um melhor processamento dos pensamentos.

Fonte: DN

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