segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Dislexia: do ensino básico ao superior

"Algumas crianças, ainda que muito inteligentes, não passam da tarefa de aprender a ler à de ler para aprender." Entender a dislexia, assegura Cláudia Coelho, psicóloga, implica perceber como o cérebro lê. "Não se trata de uma capacidade sensorial, mas sim cognitiva." As dificuldades de aprendizagem que a caracterizam são de origem neurobiológica. Em 2003, a Associação Internacional de Dislexia definiu-a como sendo "inesperada em relação a outras capacidades cognitivas e à existência de uma instrução adequada na sala de aula". Apesar da investigação produzida na área da dislexia ter mapeado as suas origens, faltam estudos sobre as suas consequências pessoais, profissionais e sociais. Foi a pensar nisso que Cláudia Coelho inquiriu 41 pais sobre o seu educando disléxico e também ex-alunos com a mesma problemática de dois agrupamentos de Viseu. 


Apresentado no encontro "A Dislexia em Tese" realizado no passado sábado, na Escola Superior de Educação Paula Franssinetti, no Porto, o estudo permitiu um retrato fiel sobre a situação atual dos alunos e ex-alunos. Dos 33 alunos que permanecem na escola, 48% frequentam o ensino secundário, 33% estão no 3.º ciclo e 9% no ensino superior. Dos oito alunos que abandonaram os estudos, 87% fizeram-no no 3.º ciclo. 

A sinalização precoce da dislexia do aluno tem fortes implicações no seu futuro escolar e pessoal. O estudo de Cláudia Coelho mostrou que 46% dos alunos foram sinalizados logo no 1.º ciclo, 34% no 2.º ciclo e 15% apenas no 3.º ciclo. Em cada um dos ciclos, a maioria dos casos foi diagnosticada no 3.º, 5.º e 7º anos. 

A intervenção realizada pela escola foi outra das vertentes analisadas. Segundo as respostas dos pais, 95% dos alunos beneficiaram de apoio educativo. No entanto, 59% não sabem se este apoio foi feito ou não por um professor da Educação Especial, 29% afirmam que sim e 12% que não. Aliado ao apoio educativo, a investigadora concluiu que 49% dos alunos não beneficiavam de medidas de educação especial, 44% sim e 7% dos pais não sabia dizer. Concretamente sobre que tipo de medidas eram essas, 44% dos alunos realizavam testes diferentes, 56% não; 71% tinham mais tempo para fazer os testes, 29% não beneficiavam desta medida.

O estudo permitiu ainda concluir que a tristeza e insegurança andam de mãos dadas com a dislexia. A maioria dos alunos sente dificuldades ao nível da leitura e da escrita. E o modo como afetavam o seu percurso escolar, pessoal e profissional gera sentimentos de vergonha e revolta. Apesar disso, 12 dos alunos manifestaram vontade de prosseguir estudos ao nível superior.

Diana Silva teve a mesma vontade e conseguiu. A dislexia foi-lhe diagnosticada apenas no 5.º ano. E o seu percurso escolar teve os mesmos contornos penosos que outros tantos disléxicos experimentam. Sofreu de depressão, lutou contra a própria vontade de não ir à escola. Os pais assistiram quase impotentes a tudo, foram mal aconselhados pelos professores da filha. Até finalmente Diana foi considerada elegível para a Educação Especial. Hoje, é estudante do curso de Criminologia, da Universidade Lusíada, no Porto.

A frequência com que alunos disléxicos chegavam às suas turmas, motivou Catarina Mangas, a interessar-se pelos seus percursos académicos. O estudo da docente na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Leiria (IPL) foi também apresentado durante o encontro nacional "Dislexia em Tese"."A pesquisa em adultos é escassa, apesar dos casos terem vindo a aumentar", assegura. Só na instituição onde leciona, num total de 816 alunos sinalizados com necessidades educativas especiais, a dislexia afeta 73.

Num nível onde a leitura é vital para o sucesso académico, Catarina Mangas sublinhou a importância da intervenção e do esclarecimento do corpo docente sobre a problemática. Pelo contrário, a sua investigação permitiu concluir que "os professores têm uma noção muito geral sobre o que é a dislexia." Entre os entrevistados, nenhum referiu o uso de estratégias diferenciadas para estes alunos.

Contrariando a ideia generalizada que os disléxicos prosseguem estudos nas áreas de maior criatividade, Catarina Mangas não encontrou prevalência de alunos na área das artes, "mas antes espalhados por vários cursos, incluindo nos de educação". Na maioria dos inquiridos a sinalização da dislexia foi feita tardiamente, apenas no ensino superior. As razões? "Testes inconclusivos, ou uma família que não ajudou no diagnóstico porque acreditavam que os filhos poderiam ultrapassar as dificuldades..."

Seja qual forem as razões, "os alunos identificam as suas dificuldades nos outros colegas, mas preferem manter a sua dislexia no silêncio", constata a docente. "Conseguem evitar ao máximo ler e escrever e utilizam não as palavras que querem mas os sinónimos onde não têm problemas." Não sendo leitores fluentes, os alunos acumulam grande nervosismo em momentos de avaliação, sendo que o seu insucesso académico está diretamente relacionado com a dislexia.

Uma legislação que regule a passagem dos disléxicos pelas universidades e politécnicos. A transferência dos processos individuais relativos às dificuldades e às medidas educativas de que beneficiam do ensino secundário para o superior. E mais tempo para a execução dos exames. São medidas que os participantes no estudo gostariam de ver implementadas. 

Aumentar o respeito por estes alunos implica conhecer melhor a problemática, alerta Catarina Mangas: "A escola inclusiva também deve ser reconhecida no ensino superior".
Andreia Lobo
In: Educare

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