Por detrás de cada doente há um inovador. A Católica-Lisbon School of Business agarrou a ideia e lança amanhã uma rede social inédita para partilha de soluções entre doentes raros e não só. Maria e Susana já estão ligadas
Para Maria foi o elevador da Faculdade de Psicologia e a chatice de ter de pedir ajuda para chegar aos botões. Para Susana, foram os últimos anos a tentar garantir o conforto da filha Mariana, diagnosticada aos dois meses com uma doença que os médicos pressentem pelo rosto e choro dos recém-nascidos. Parece o miar de um gato, e sinaliza uma alteração no cromossoma 5, que compromete o desenvolvimento motor e cognitivo. As dificuldades fizeram-nas pensar em ideias inovadoras e depois de as partilharem entre amigos e conhecidos, serviram de cobaias a uma rede social inédita e desenvolvida em Portugal e que vai ser lançada amanhã para que as soluções que ajudam hoje doentes e famílias a lidar com o dia-a-dia cheguem ao maior número de pessoas. Na base da plataforma The Patient Innovation, uma iniciativa da Universidade Católica com o apoio das parcerias nacionais com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e a Universidade Carnegie Mellon, está o conceito de doentes inovadores, que transporta para a saúde a visão do economista do MIT Eric von Hippel, também mentor do projecto e que desde os anos 80 defende que as maiores inovações saem da cabeça de quem precisa delas.
Maria, portadora de nanismo, concorda - nunca encontrou produtos que superassem as suas invenções. Hoje com 42 anos, e depois de ter adaptado os primeiros guarda-chuvas com os seus 18 de caloira, conta que o gosto pelas engenhocas foi trazendo um rol de ideias que tornaram simples gestos rotineiros como recolher tickets de estacionamentos ou sentar-se em cadeiras a que não chega com o seu metro de altura. Se para os primeiros foi aperfeiçoando uma técnica de articulação de haste de guarda-chuva - que têm a vantagem de funcionar melhor que os ponteiros extensíveis que encolhem quando há pressão - para chegar mais alto criou um degrau discreto: um pequeno banco que fechado parece um livro.
Susana, hoje mãe de uma Mariana de 12 anos portadora da doença rara Cri du Cha e sócia fundadora da associação Raríssimas, também tem ideias de sobra para partilhar. Quando a filha passava a noite acordada às turras na grade do berço e a chorar, forrou-as com colchões de campismo e as noites passaram a ser mais tranquilas para todos (vizinhos incluídos) e sem nódoas negras do dia seguinte, porque o truque até a fez desistir das cabeçadas. Para incentivar que a filha começasse a andar, usou o seu fascínio por espelhos, comum nas crianças com a sua doença, e depois de o pai ter a ideia usaram dois suportes reguláveis de chuveiro para fixar uma vara na horizontal, onde Mariana se agarrava, e que foram subindo à medida que crescia.
Entretida com o reflexo, foi alinhando nos exercícios diários para ganhar força e aos oito anos, quando os médicos já duvidavam, deu os primeiros passos. Confrontados com a fixação de Mariana em puxar os cabelos com força quando fica mais agitada, descobriram por acaso - como tem menos defesas sempre lhe secaram o cabelo mal saía do banho - que se estivesse húmidos não lhes tocava e passaram a fazer penteados com gel. "Não puxa os dela nem os nossos" conta Susana, que sabe também que depois desta dificuldade virão outras e é preciso apoio mas também tranquilidade para continuar a dar o melhor. "A certa altura o importante é ter saúde e não nos sentirmos sozinhos."
Se para Maria a rede será lugar de partilha de experiências e invenções, para Susana há isso mas também uma pergunta que nunca adormece apesar de estar envolvida na associação de doentes, de conhecer oito famílias em Portugal com filhos com o mesmo diagnóstico, ter contactos no Brasil e já se ter surpreendido muitas vezes com a força de mãe e filha em provas como o início da puberdade de Mariana. "Queremos conhecer jovens mais velhos, saber como estão. Há sempre aquela pergunta: até quando a nossa filha estará entre nós." Espera também que a divulgação ajude a tornar a sociedade mais sensível numa altura em que diz faltarem apoios a famílias com a sua. Mariana está numa unidade para crianças com deficiência numa escola pública mas só tem direito a meia hora de fisioterapia por semana, terapia da fala deixou de ter e a terapia ocupacional é irregular. "Se queremos que sejam estimulados, temos de pagar tudo, de ser criativos", diz Susana, que como assistente social ainda recebe muitas vezes olhares incrédulos que mostram que há outras mensagens a passar. "Ainda espanta que não sejamos pessoas zangadas com a vida mas capazes de nos darmos aos outros e de lutar." (...)
In: I online
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