A escolaridade dos jovens com 21 anos triplica a dos pais. A conclusão surge (bem) sustentada nos números que esta quinta-feira são apresentados, na Fundação Champalimaud, em Lisboa, numa sessão em que vários especialistas voltam a cruzar novos resultados do projeto Epiteen (Epidemiological Health Investigation of Teenagers) – um projeto que acompanha desde 2003 quase 3000 adolescentes nascidos em 1990 e que visa compreender de que forma os hábitos e comportamentos da adolescência se vão refletir na saúde do adulto.
Apesar de a maioria dos pais dos jovens inquiridos ter apenas o ensino obrigatório (53,2% das mães e 53,5% dos pais), no caso dos jovens apenas 8,5% não passaram daquele nível de ensino. O mesmo para o ensino superior: apenas 22,6% das mães e 20,95 dos pais concluíram a universidade, enquanto, entre os jovens inquiridos, 36,9% tinham já licenciatura e 27,8% estavam a frequentar a universidade.
“Estes dados mostram que o valor da educação está muito bem incorporado na sociedade portuguesa”, analisa Anália Torres, socióloga e investigadora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, instituição convidada agora a participar no projeto do Instituto de Saúde Pública e do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. A socióloga considera que estes resultados mostram que “o país mudou radicalmente em termos de escolaridade, no espaço de apenas uma geração”. Logo, “todos os tostões investidos em educação foram muitíssimo bem gastos”.
Não nos precipitemos, porém, a pensar que Portugal dá cartas na matéria. “O país deu um salto brutal em apenas duas gerações, mas continua com uma taxa média de escolaridade comparativamente, também se partiu de um patamar também muito baixo: temos sete ou oito anos de escolaridade média enquanto a média europeia anda à volta dos 11 ou 12 anos de escolaridade”, precisa a socióloga.
Apesar de ter ficado demonstrado que a grande maioria dos jovens com pais pouco escolarizados estavam ainda a estudar aos 21 anos - o que evidencia a tendência dos filhos para contrariarem o destino social dos pais -, não se pode dizer que o background familiar não tem influência na trajetória dos jovens. Afinal, os jovens que aos 21 anos já estavam a trabalhar eram maioritariamente oriundos de famílias pouco escolarizadas, enquanto os que têm origens mais escolarizadas estavam em maior número a estudar.
Do mesmo modo, quanto maior a escolaridade dos pais, menor a percentagem de jovens que já tinha reprovado. Ao pormenor: entre os jovens cujos pais só completaram até ao 3º ciclo do ensino básico, a percentagem dos que chumbaram oscila entre os 50 e os 60%. Entre os que tem pais com o ensino secundário ou superior, a grande maioria (70 e 90%, respectivamente) nunca reprovou.
A categoria profissional dos pais também permitiu apurar algumas variáveis: os jovens cujos pais exercem funções intelectuais “são os que menos demonstram insucesso escolar, com uma percentagem de não retenção de aproximadamente 90%. Ao contrário, entre os filhos de operários e trabalhadores não qualificados, a retenção escolar chega aos 60%. “Uma coisa curiosa é que entre os empresários pouco escolarizados o nível de retenção é muito baixo, cerca de 26%, o que nos leva a acreditar que o poder económico lhes permite investir mais na educação dos filhos, pagando explicações, por exemplo”.
Apesar das condicionantes sociais de origem, eram muitos os jovens que, tendo pais pouco escolarizados, nunca chumbaram na escola. Aqui, a variável que faz a diferença é tempo investido a ler ou a estudar. “O efeito da baixa escolaridade dos pais poderá ser compensado pela leitura ou estudo” (...). Ou, como sublinha Anália Torres, “um miúdo que estude mais horas pode, independentemente da sua origem social, aumentar a probabilidade de não ficar retido”. Sendo verdade que “quanto mais alta a escolarização dos pais, mais tempo investem os filhos a ler e a estudar e menos tempo a ver televisão”.
Discriminação começa logo aos 21
Quanto às diferenças entre género, confirmam-se os resultados doutros estudos: as raparigas são mais escolarizadas do que os rapazes, “o que é explicado em parte pela maior taxa de retenção escolar masculina”. Entre os inquiridos, 42,8% das raparigas já tinham concluído a licenciatura, contra 30,3% dos rapazes.
Porém, para lá dos 65,7% dos rapazes e 64,6% das raparigas que ainda estavam a estudar, a amostra evidencia que, dos 2942 jovens inquiridos, 15,8% estavam desempregados ou à procura do primeiro emprego e 15,2% estavam empregados a tempo inteiro. E o dado curioso é que, apesar de as raparigas serem tendencialmente mais escolarizadas, elas enfrentam maiores dificuldades no mercado de trabalho, logo a partir destas idades. Enquanto 16,7% dos rapazes trabalhavam a tempo inteiro, apenas 13,7% das raparigas o conseguiam. Por outro lado, 7,7% das raparigas trabalhavam a tempo parcial face a 5,4% dos rapazes. E não era por opção. “A grande maioria das raparigas preferia trabalhar a tempo inteiro”, ressalva Anália Cardoso Torres.
“Elas começam a ser discriminadas no mercado de trabalho desde estas idades. Apesar de ainda não estarem em idade de constituir família, uma rapariga é logo encarada como uma trabalhadora potencialmente menos valiosa pelo facto de poder vir a ser mãe”, denuncia ainda a socióloga, para quem há aqui muito trabalho de sensibilização a fazer. Até porque “são já vários os estudos que mostram que não é verdade que elas faltem mais ao trabalho, mesmo depois da maternidade”. Por outro lado, “os homens sentem o problema do estigma ao contrário. Quando se tornam pais, o que é que o patrão espera? Que ele trabalhe mais horas. Os que gozam a licença [de paternidade] chegam a ser mal vistos no local de trabalho”.
(...)
In: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário