A ansiedade de separação é alvo de maior atenção no início das aulas. Contudo, da minha prática, não deve ser pensada como um “fator sazonal”, mas como fazendo parte da personalidade da criança, refletindo, ao longo do seu crescimento, um estilo inseguro de relação com os outros e com o mundo, presente nas mais diversas situações (voltar às aulas depois das férias; dormir fora de casa; explorar o meio à sua volta, perdendo a visibilidade dos pais; interagir e sentir-se à-vontade e confiante com pessoas estranhas e diante de novas situações).
O estilo relacional da criança constrói-se numa interação complexa entre fatores biológicos e relacionais, destacando-se a influência decisiva que estes últimos (nomeadamente o estilo relacional parental) têm na expressão das características genéticas.
Desde o nascimento que os bebés têm uma atenção seletiva em relação aos seus pais e vão fazendo a sua aprendizagem sobre o estar no mundo por adaptação ao estilo relacional que lhes é oferecido e por imitação dos comportamentos dos pais. Ora, os pais, na sua relação com os outros, podem apresentar um tipo de personalidade onde predominem aspetos ligados à confiança nos outros e em si mesmo e segurança nas suas capacidades ou onde predominem aspetos ligados ao evitamento social, desconfiança e insegurança.
Neste sentido, podemos pensar a ansiedade de separação infantil como recebendo influência da maneira como as figuras significativas vivem a separação, a independência e a autonomia, mas sobretudo como projetam a competência do seu filho para a vida e como o ajudam a encontrar estratégias para superar e vencer as dificuldades.
Efetivamente, consideremos o modo como os pais vêem e espelham os comportamentos dos seus filhos. É um fator de relevo, visto que o primeiro tipo de identificação que os filhos fazem é precisamente ao modo como se sentem vistos e espelhados pelos seus pais (a que Coimbra de Matos, psicanalista, designou por identificação imagóico-imagética e que se constitui até aos 18 meses). Ou seja, os bebés identificam-se à imagem de si mesmos que lhes é devolvida pelos pais na maneira como estes agem e interpretam os seus comportamentos espontâneos. Podem estar distorcidas pelas ansiedades, medos e expectativas dos pais e projetadas para o filho, geralmente assentando numa identificação inconsciente deste aos aspetos sentidos como falhados e menos bons da personalidade dos pais e face aos quais se sentem impotentes.
Os pais podem transmitir uma imagem do seu filho como predominantemente capaz e competente (em ser autónomo e independente, fazer amigos e encontrar por si mesmo as estratégias para ultrapassar dificuldades) ou predominantemente frágil, imaturo, inseguro, nervoso e com dificuldade em gerir os obstáculos. Note-se que aludo ao predomínio de uma imagem-basilar de competência ou de fragilidade num espectro onde cabem toda as matizes.
Por exemplo, os pais podem percecionar o seu filho como sendo capaz de fazer amigos e de ser bem-sucedido nos estudos, ainda que predomine inconscientemente uma imagem frágil e pouco competente deste. Tal contradição produz uma comunicação parental feita de não ditos e de comportamentos que são sentidos pelo filho, a nível inconsciente, como paradoxais entre aquilo que é intuído na comunicação intersubjectiva e aquilo que é dito de forma consciente.
Identificando-se a esta imagem parental de si mesmo como pouco competente - que transmitida de forma inconsciente torna mais difícil a reação filial contrária - perante os desafios da vida, a criança sente-se insegura e não consegue ativar as suas competências internas. Sente-se aquém do que é esperado e bloqueada pelas suas dificuldades.
Porém, geralmente, persiste, no próprio, ao longo da sua vida, uma esperança: a de uma relação onde tenham de si mesmo uma imagem de competência para a vida… resistente à frustração do fracasso e assente na vivacidade do sonho/projeto.
Catarina Rodrigues
In: Público
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