quinta-feira, 1 de julho de 2021

Taxas de retenção e de abandono caíram a pique com a pandemia

No ano em que a pandemia de covid-19 obrigou milhares de alunos a estudar à distância, nas suas casas, e alterou por completo a vida nas escolas, o insucesso escolar baixou para valores inéditos. No ensino secundário (10.º, 11.º e 12.º anos considerados) a taxa de retenção e desistência caiu de 13,1%, em 2019, para 8,5%, em 2020. No básico (do 1.º ao 9.º ano) desceu de 3,8% para 2,2%.

Os dados constam do relatório da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), Estatísticas da Educação 2019/2020, que traça o retrato em números das escolas portugueses, públicas e privadas, agora divulgado.

Com base nos dados do sucesso escolar desde 2001, que a DGEEC passa em revista no documento, é possível afirmar que o ano lectivo de 2019/2020 bateu recordes em termos de sucesso escolar, em todos os ciclos de escolaridade. Em 2001, a taxa de retenção e desistência no secundário era quase cinco vezes superior (chegando perto dos 40%). No básico era de 12,7%. Considera-se que um aluno fica retido ou desiste quando reprova por falta de aproveitamento, abandona a escola, anula a matrícula ou é excluído por excesso de faltas.

“Atendendo ao contexto de pandemia, houve uma atitude em termos de avaliação diferente, mais condescendente para com o incumprimento dos alunos. A falta de assiduidade no regime não presencial não foi quase penalizada e na dúvida transitavam-se o aluno”, afirma Paulo Guinote, professor do 2.º ciclo do ensino básico, autor de Quando As Escolas Fecharam, um livro publicado recentemente pela Fundação Francisco Manuel dos Santos onde se fala precisamente do impacto da covid-19 na escola.

“Tarefas que eram pedidas no regime não presencial eram valorizadas apenas pela sua própria entrega e realização e não tanto pela qualidade do trabalho. Houve professores a dar 100% ao aluno só porque o trabalho era entregue”, prossegue o docente quando questionado sobre os números agora divulgados. "Só em casos muito excepcionais é que se reprovaram alunos.”

Já Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, recusa que tenha havido facilitismo. “Esses números têm vindo a melhorar ao longo dos anos. Não me surpreendem porque reflectem o trabalho realizado nas escolas ao longo dos anos. Ficaria apreensivo, sim, se esses números, mesmo em pandemia, não melhorassem. Mesmo em situações que podiam ser negativas, as escolas conseguiram bons resultados. Não acredito no facilitismo, os professores trabalham e sabem trabalhar.”​

“Congratulo-me com a evolução”, diz também por dizer João Jaime, director da Escola Secundária de Camões, em Lisboa. “É evidente que se calhar esta estatística não condiz com alguns discursos segundo os quais muitos alunos perderam contacto com escola ou não tinham equipamentos, ficámos com ideia que houve perda de contacto, que a pandemia tornou visíveis questões sociais e económicas — o Ministério da Educação anunciou o plano de recuperação das aprendizagens, por exemplo.”

Este professor lembra, contudo, que houve mudanças na avaliação dos alunos, a diferentes níveis, que devem ser lembradas para enquadrar estes dados. Desde logo, no ano passado, tal como acontecerá este ano, por causa da pandemia, o Governo decidiu que os exames nacionais do secundário só contam como prova de ingresso ao ensino superior, não tendo peso na avaliação final das diferentes disciplinas do secundário. Os alunos que não pretendem candidatar-se a uma universidade ou politécnico não têm, de resto, que fazer exames nacionais. “Temos de ser justos, melhorou a transição porque quer no 11.º ano, quer no 12.º os exames tinham [antes] um peso na avaliação interna, alguns alunos iam com 10, 11 e 12 e os exames faziam com que não transitassem, e agora [as alterações na] avaliação externa contribuíram para não aumentar a retenção”, diz João Jaime.

Segundo o relatório da DGEEC, 15,4% dos alunos do 12.º não passaram no ano passado, o que representa a maior diminuição em pontos percentuais de todos os anos de escolaridade registada entre 2019 e 2020: em 2019 tinham sido 22,6%. Houve, portanto, uma quebra de 7,2 pontos. Só em 2007 tinha havido uma melhoria dos resultados superior a esta.

Também no 9.º ano não houve exames, ao contrário do que é habitual, e a taxa de retenção passou de 5,5% para 2,2% (menos 3,3 pontos). Poucas vezes houve uma descida maior nos últimos 20 anos.

Fonte: Público

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