Sara não estranhou quando a Maria Queirós, uma jovem estudante do ensino secundário com 17 anos, lhe pediu para ir trabalhar nas férias. A ideia passava por rentabilizar todo o tempo disponível e o valor angariado serviria para custear alguma saída ou café com os amigos, evitando ter de pedir dinheiro aos pais. “Pedi à minha mãe ajuda e ela fez uma espécie de apelo no Facebook. A minha dentista viu o apelo e por saber que precisavam de alguém no consultório, recomendou-me por me conhecer e saber que eu era de confiança”, explica Maria Queirós. Antes do trabalho propriamente dito, Maria ainda esteve uma semana a aprender todos os procedimentos. Depois seguiram-se duas semanas de trabalho em part time no verão e a experiência voltou a repetir-se nas férias de Natal. Para além da responsabilidade associada às tarefas que se propõe desempenhar, Maria aprendeu a dar mais valor ao dinheiro e a controlar os custos. E os estudos nunca estiveram ameaçados. Para além do trabalho apenas se concentrar em alturas fora dos períodos letivos, o objetivo era apenas e só conquistar alguma independência económica. Sara Oliveira, mãe de Maria Queirós, considera que esta decisão de conciliar estudos com trabalho é um ato de maturidade. “Para além de ganhar o seu próprio dinheiro, a minha filha recuperou a sua autoestima e, apesar de ser comunicativa, o trabalho na clínica fez que que desenvolvesse a parte da comunicação e das relações interpessoais mesmo com pessoas de faixas etárias diferentes. Deixou de ver problemas nas coisas e começou a encontrar soluções”, argumentou Sara Oliveira.
“Um trabalho temporário permite aos alunos treinar competências e aptidões e experimentar algo que pode revelar os verdadeiros interesses de futuro. Sem prejuízo da responsabilidade, estas oportunidades são benéficas para que os estudantes se conheçam pessoalmente e selecionem os seus próprios interesses, uma liberdade que se esgota a partir do momento em que é efetiva a entrada no mercado de trabalho ativo” refere Bernadette Matos-Lima, psicóloga clínica e psicoterapeuta.
“Por outro lado, quando nos referimos a atletas de alta competição, a linha que define as prioridades é mais ténue, uma vez que o processo é mais exigente pela necessidade de apresentar resultados positivos tanto na escola como na prática desportiva”, salienta Bernadette Matos-Lima.
André Amaro e Guilherme Guedes, ambos com 17 anos e a frequentar o 12.º ano, integram a Unidade de Apoio ao Alto Rendimento da Escola Martins Sarmento, em Guimarães. E a nível nacional já é um universo superior a 500 estudantes.
Conciliar estudos com a prática desportiva continuada e de competição não é tarefa fácil. E é neste sentido que surge o projeto Unidades de Apoio ao Alto Rendimento na Escola (UAARE) que apoia todos os estudantes e atletas que estejam enquadrados no regime de alto rendimento, façam parte de seleções nacionais ou que simplesmente tenham algum potencial desportivo. Este projeto é coordenado pela Direção Geral da Educação, em colaboração com o Instituto Português do Desporto e da Juventude e pela Direção Geral de Estabelecimentos Escolares cabendo ao Ministério da Educação a sua supervisão.
Com o objetivo de conciliar a atividade escolar sem prejuízo da prática desportiva e vice-versa, só é possível graças à articulação de diferentes entidades e agentes envolvidos. É fundamental o envolvimento e apoio dos encarregados de educação, agrupamentos de escolas, municípios e federações desportivas.
Natural da Figueira da Foz, este é o segundo ano letivo que André Amaro vive longe de casa. O contrato de formação que assinou com o Vitória Sport Clube, uma equipa de futebol de Guimarães, implica muitos sacrifícios pessoais e profissionais. Apesar de ainda estar em formação, André pertence à equipa júnior, mas também é frequente ser chamado à equipa profissional de sub-23, cujos treinos acontecem no período da manhã. “Os estudos são muito importantes e eu não posso falhar e às vezes é complicado acompanhar este ritmo”, reconhece André.
O maior desafio de alcançar uma carreira dupla acarreta falta de tempo e alguma pressão para um bom desempenho. Para além dos treinos intensivos, os alunos são confrontados com outras adversidades o que muitas vezes implica faltar às aulas ou até mesmo lidar com ausências de suporte familiar quando estão deslocados da sua residência habitual.
A gestão escolar do modelo UAARE proporciona a estes alunos acompanhamento pedagógico e psicopedagógico personalizado, gerido por um professor acompanhante. No caso do André e do Guilherme, a escola que frequentam tem uma sala de estudo onde é feito o apoio. “Quando é necessário faltar, o professor acompanhante da UAARE, em coordenação com os nossos professores, faz um levantamento da matéria perdida e reajusta o nosso horário para que consigamos acompanhar a matéria dada através da compensação de aulas de apoio que nos ajudam a recuperar e a garantir bons resultados”, argumenta André Amaro. Acabar o 12.º ano com boas notas é um objetivo a curto prazo. Assim que terminar o secundário, André pretende candidatar-se à faculdade e está mais inclinado para as engenharias. A longo prazo irá analisar a compatibilidade da carreira dupla e a sua viabilidade.
Guilherme Guedes ainda tem a vida mais complicada. Este atleta, natural de Santa Marta de Penaguião, já se habituou a viver longe de casa. “O primeiro ano de adaptação foi mais difícil, uma vez que não é fácil estar longe de quem mais amamos, mas passados dois anos, considero que é um sacrifício necessário, tanto da nossa parte como dos nossos pais” explica Guilherme Guedes.
O seu contrato profissional, também com a equipa de futebol Vitória Sport Clube, implica ir com alguma regularidade à equipa B, com treinos de manhã e jogos durante a semana. E ainda tem sido chamado a trabalhos à seleção nacional de sub-17. “Trabalhar e estudar ao mesmo tempo não é fácil, mas estar integrado no projeto UAARE facilita muito as coisas. Ter um professor acompanhante é fundamental. Com as aulas que perdemos, sem este apoio, sinceramente acho que não iria conseguir acompanhar a escola de forma bem-sucedida”, refere Guilherme Guedes.
O futebol já foi assumido como uma prioridade, mas a escola continua a assumir um papel de destaque também. O objetivo é continuar a estudar e entrar para a Universidade e, apesar de ainda não estar tudo bem definido, Guilherme acha que continuará os estudos na área do Desporto.
De acordo com um estudo desenvolvido por investigadores da Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade de Coimbra, as práticas aplicadas às escolas do ensino básico e secundário portuguesas podem constituir um obstáculo aos atletas de alta competição. O Empatia, assim se chama o estudo, é financiado pelo programa europeu Erasmus+ e pretende dar um contributo eficaz ao bem-estar dos atletas de alta competição através de um programa educacional destinado a pais e encarregados de educação destes estudantes/atletas.
À equipa de Coimbra juntam-se investigadores das universidades de Itália, Irlanda e Eslovénia tendo o Instituto Nacional do Desporto de França, O Comité Olímpico Nacional de Itália, a Associação Europeia do Desporto Universitário e o Ginásio Clube Figueirense como parceiros. No sentido de identificar quais os entraves à prática desportiva e que medidas devem ser adotadas com vista à promoção de uma boa relação família-estudo-desporto, cada país participante realizou um estudo junto de pais e encarregados de educação.
Em Portugal, as maiores dificuldades são atribuídas à própria escola pela não compreensão das necessidades específicas destes alunos, remetendo para o Empatia a necessidade de elaborar um programa de formação e informação para minimizar as falhas identificadas pelos pais e encarregados de educação permitindo, assim, dotar todos os agentes envolvidos de um entendimento e de uma gestão da vida destes estudantes de forma mais adequada à sua condição. Em fase de conclusão, o Empatia deverá ser testado já no próximo mês de fevereiro e posteriormente disponibilizado, de forma gratuita, numa plataforma online.
Fonte: Educare
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