quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Com mais psicólogos nas escolas “poupa-se em sofrimento”

Muitos pais que têm filhos a estudar não sabem exatamente o que fazem os psicólogos nas escolas e muitas vezes há a ideia de que estes se limitam aos testes psicotécnicos. Qual é, então, o papel de um psicólogo na escola?
Por vezes há, de facto, uma conceção demasiado limitada desse papel, porque o primeiro contacto é geralmente feito por altura das provas de orientação vocacional. Mas um psicólogo faz muito mais do que isso. Penso, aliás, que nem sequer há uma utilização plena do que a psicologia e os psicólogos podem fazer nas várias áreas.

Tudo aquilo que tem a ver com uma melhor adaptação e a promoção do sucesso escolar tem o contributo dos psicólogos, desde logo na deteção de problemas que impedem uma boa aprendizagem: hiperatividade, perturbação do comportamento, etc. Não só a nível individual, mas no coletivo da escola. Por exemplo, as questões do bullying não são só individuais, são coletivas, e merecem uma atenção muito especial até pelo impacto de longo prazo que têm.

Há um estudo que mostra que 40 anos depois continua a sofrer-se as consequências. É um longo estudo, que foi feito em Inglaterra, com mais de oito mil pessoas, que mostra que as pessoas que foram alvo desta forma de assédio sistemático nas escolas têm piores resultados na sua própria vida, têm mais problemas com a lei, mais problemas de saúde mental, por exemplo.

O papel do psicólogo vai do individual, com os alunos, ao trabalho com toda a comunidade escolar, com os professores, os auxiliares, naquilo que são os problemas que a escola apresenta. Temos contributos a dar na promoção do sucesso escolar, na diminuição do abandono — há muitos fatores de abandono que têm a ver com dificuldades psicológicas — e na promoção de competências sociais e pessoais.

Essas competências devem ser trabalhadas com os alunos em que circunstâncias?
Em alturas mais difíceis, como quando se entra para a escola ou nas mudanças de ciclo, com a passagem para mais professores, para certo tipo de disciplinas e para outra forma de trabalho pessoal, de modo que esta transição se faça com muito mais suavidade, para que não haja tanto choque nem tanta dificuldade de adaptação.

E sabe-se hoje que essas competências são também muito protetivas em termos de saúde mental. Uma pessoa que consegue ter boas competências de comunicação, negociação, mediação, tem mais capacidade de estar no mundo de uma forma mais adequada na expressão das suas necessidades, dos seus desejos, das suas competências. Constituem um conjunto de estratégias pessoais que são facilitadoras do estar no mundo.

Uma presença mais efetiva de psicólogos nas escolas poderia reduzir o grau de insucesso escolar, com todos os problemas que este acarreta?
Tenho a certeza absoluta que sim. Não estou a dizer que tudo é só intervenção psicológica, são precisas muitas outras coisas. Mas tem um papel central desde logo no diagnóstico de situações. Quanto mais precocemente forem detetadas, mais fácil é fazer intervenções e também menos custosas são. E poupam muito sofrimento. Muitas vezes, temos situações de perturbação que não são detetadas, em que a criança acumula dificuldades e insucesso e se desmotiva. Ao desmotivar-se, ou tem insucesso ou abandona a escola. E, muitas vezes, isso não é detetado ou é detetado muito tarde.

Temos de estar atentos às necessidades da escola, não só dos alunos, mas de toda a comunidade, para que se perceba o que está em causa e se intervenha. O bullying, por exemplo, tem um início, só que frequentemente não se intervém, mesmo sendo uma ação sistemática, como é, e que por isso tem tantas consequências. Portanto, naquilo que são alguns problemas de perturbação psicológica, de comportamento, tendo psicólogos na escola em número suficiente teríamos condições para contribuir claramente para o sucesso escolar.

O que é um número suficiente de psicólogos? Há dias referiu que faltam 500 nas escolas para reduzir o rácio psicólogo/aluno atualmente existente. Como se faz essa contabilidade?
Os rácios padecem sempre daquilo que é a medida da média. Temos recomendações internacionais e fazemos cálculos em função disso. Temos cerca de 700 psicólogos nas escolas, quando se fala que estão em falta 500 tem de ser com base numa análise das necessidades. Haverá zonas e locais que precisarão de mais psicólogos do que outras. O rácio é uma só medida genérica para se entender que estamos longe de ter uma situação normal nesta área [o número de psicólogos por alunos é actualmente de 1/1700 alunos, quando o rácio recomendado é de 1/1000]. Não estou a falar de situações ideais. Temos consciência de que não é possível.

Como é que um psicólogo num agrupamento, com mais de mil alunos, pode trabalhar no campo da prevenção, da detecção?
Sozinho não consegue. Por isso é que precisamos de mais. Nem todos os alunos têm problemas, mas só para fazer o diagnóstico de situação gasta-se muito tempo. Por outro lado, temos uma transitoriedade dos contratos, que não garante estabilidade. Nunca se sabe se vai ficar na mesma escola ou não. Defendemos que deve haver um período mínimo de três anos de permanência na mesma escola e não serem substituídos todos os anos. Para dar continuidade ao trabalho e estabilizar o projeto escolar.

Fonte: Público

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