Telmo Mourinho Baptista considera que compete à autoridade de saúde pôr cobro à teia de pressões, envolvendo professores, pais e médicos, que funciona como pano de fundo da prescrição de medicamentos a crianças e jovens. "Toda gente quer pacificar os jovens todos", comenta.
O Conselho Nacional de Educação alertou recentemente para os riscos de se estar a sobremedicar crianças e jovens, com medicamentos dos quais se desconhecem os efeitos a longo prazo, remetendo para o relatório da Direção-Geral da Saúde onde se dá conta que, em 2014, as crianças portuguesas até aos 14 anos estavam a consumir mais de cinco milhões de doses de metilfenidato (ritalina e concerta) para combater situações de hiperatividade e défice de atenção. O que é que um número como este nos diz?
Temos de nos perguntar se essa é a primeira intervenção que se deve ter. Há recomendações internacionais, inclusive do Colégio Americano de Pediatria, apontando que a intervenção por excelência no primeiro momento deve ser psicológica. A recomendação existe, o problema é que não estamos sequer a dar ouvidos ao que se preconiza porque provavelmente torna-se mais fácil prescrever um comprimido, embora não se saiba exatamente quais são as consequências de longo prazo. E, nesse sentido, o alerta do Conselho Nacional de Educação faz todo o sentido. São números impressionantes e face a eles não podemos ficar de braços cruzados.
Mas de quem é a responsabilidade para esta explosão de medicação? Os professores dizem que são pressionados pelos pais, estes dizem que são pressionados pelos professores, os médicos referem que os pais insistem com eles para medicarem os filhos para que estes tenham bons resultados escolares…
É um facto que existem todas essas pressões. Mas em Portugal há uma autoridade de saúde que tem o dever de emanar recomendações sobre estas intervenções, com base na investigação e nas recomendações internacionais que já existem. Claro que, a partir do momento em que toda gente quer pacificar os jovens, todos entramos na situação que descreveu. Mas para isso é que existem autoridades de saúde, para dizerem o que deve e o que não deve ser feito. Temos de ter estratégias diferenciadas com vista a informar os professores, os pais, a fornecer guidelines aos médicos.
Recentemente, um professor disse-me que quando olha para adolescentes que estão a ser medicados há anos com ritalina se lembra do que os eletrochoques faziam aos internados no filme de Milos Forman, Voando sobre um Ninho de Cucos. É abusiva esta visão?
Não sei. Não conheço essa realidade tão de perto. Mas quando temos um alerta de consumo temos de refletir sobre o que ele significa. Por que é que está a acontecer? Há sobrediagnóstico? Há incentivo ao consumo? Há utilização não regulada da medicação? São questões para as quais temos de ter resposta.
Ficou-se a saber também recentemente que os jovens portugueses são dos que mais consomem tranquilizantes e sedativos entre os europeus, e que estes são receitados por médicos. A propósito deste resultado, o coordenado do Programa de Saúde Mental, Álvaro de Carvalho, referiu que uma das razões para tal se deve à ausência de psicólogos nos cuidados de saúde primários capacitados para lidar com crises de ansiedade, sem recurso automático à medicação. O que é que os psicólogos podem então fazer face às crises de ansiedade dos alunos, que são muito frequentes, por exemplo, na altura dos exames?
Há imensas estratégias de intervenção para o controlo da ansiedade num curto espaço de tempo. Até há formatos grupais, com a constituição de grupos com os alunos que têm esses problemas de ansiedade face aos exames e onde se dão estratégias que são também treinadas em grupo. Isso pode ser feito nas escolas, nos centros de saúde, nas organizações.
Existem estratégias de relaxamento, estratégias cognitivas, de modo a que se seja capaz de diminuir os pensamentos perturbadores geradores da ansiedade, como por exemplo um aluno estar sempre a pensar que não vai conseguir passar naquele exame ou ter bons resultados nos testes.
O problema da ansiedade por causa dos exames tem a ver com o excesso, porque alguma ansiedade até é necessária, é focalizadora. O problema é que na maior parte dos casos se excedeu tanto este nível que começa a ser um problema. Temos pessoas formadas para lidar isso.
O problema coloca-se ao nível da intervenção precoce?
Uma parte fundamental deste processo é a triagem. Apurar se, para uma determinada situação, só é preciso uma intervenção curta, focalizada, e se para outra é necessária uma intervenção mais diferenciada, que se calhar exige psicoterapia. Mas na maior parte das situações nem será esse o caso. E, se fizermos prevenção a tempo e horas, se calhar não vamos ter muitas destas situações que entretanto se agravaram. Uma condição que apareceu num determinado momento com o passar do tempo torna-se crónica porque não foi resolvida. E, portanto, perdeu-se uma oportunidade de ouro.
O mesmo acontece, por exemplo, com o diagnóstico de crianças com queixas de mau comportamento, que muitas vezes é consequência de outros défices. Se uma criança estiver alheada da escola porque não se consegue concentrar então obviamente que o seu grau de motivação desaparece e começa a fazer outras coisas na sala de aula.
E ainda há outras situações a montante, que exigem uma maior coordenação com a saúde escolar. Existem situações de dificuldade de aprendizagens que, por exemplo, têm a ver com problemas de audição. E o que acontece quando estes não são despistados? A criança está no fundo da sala, quase não ouve o que o professor diz, começa a alhear-se, a desmotivar-se, e tudo isto poderia ser evitado.
Fonte: Público
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